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Se observarmos os fenômenos naturais e sociais, verificamos que esses fenômenos não se acham reunidos desordenadamente e sem que os possamos compreender ou prever. Ao contrario basta estudar as coisas um pouco mais de perto, para verificarmos que há nelas uma certa regularidade nos fenômenos. O dia segue a noite e a noite o dia de uma maneira perfeitamente regular. As estações se alternam, e ao mesmo tempo toda a série de fenômenos que as acompanham se repetem todos os anos: as arvores verdejam e perdem suas folhas, as diferentes espécies de pássaros chegam e partem, os homens semeiam, colhem, etc.... Tomemos ainda um outro exemplo interessante. Depois das chuvas tepidas, os cogumelos crescem abundantemente; existe mesmo um ditado: "crescer como os cogumelos depois da chuva". Todos nós sabemos que uma semente de cevada caindo na terra germina e em seguida, em certas condições, acaba por produzir uma espiga.
Pelo contrario, nunca se viu esta espiga sair de um ovo de rã ou de uma pedra de cal. Assim, tudo o que existe na natureza a começar pelo magestoso movimento dos planetas, para terminar pelas sementes e os cogumelos, está submetido a uma certa ordem, ou como se costuma dizer, a certas leis.
O mesmo acontece na vida social, isto é na vida da sociedade humana. Por mais complicada e variada que seja esta vida, descobrimos nela certas leis. Assim em todos os lugares onde o capitalismo se desenvolve (na America, no Japão, na África ou na Austrália), desenvolve-se também e aumenta a classe proletária; aparece o movimento socialista, a teoria marxista se espalha. Juntamente com a produção cresce também a "cultura espiritual"; o numero de intelectuais aumenta. Numa sociedade capitalista, em intervalos regulares, produzem-se crises que se alternam com a expansão da industria, do mesmo modo que os dias se alternam com as noites. As grandes invenções transformam a técnica; ao mesmo tempo a vida social se modifica rapidamente. Vamos tomar ainda alguns exemplos. Se calcularmos o numero de nascimentos humanos durante um ano, veremos que no ano seguinte o acréscimo de população, expresso em porcentagem será aproximadamente o mesmo. Se calcularmos a quantidade de cerveja consumida na Baviera durante um ano, verificaremos que essa quantidade é mais ou menos constante e aumenta com o crescimento da população. Se não existisse nenhuma regularidade nem leis, é evidente que nada poderia ser previsto nem feito. Hoje o dia segue a noite„ mais tarde, quem sabe se durante todo um ano não será mais visto o dia. Neste inverno, tivemos neve no próximo veremos florescer as laranjeiras. Na Inglaterra, a classe proletária se desenvolveu juntamente com o capitalismo, mas no Japão, veremos quem sabe, aumentar as propriedades fundiárias. Hoje em dia, o pão é cozido num forno, mas amanhã, quem sabe, se o diabo intervir, os pinheiros passarão a produzi-lo.
Entretanto, na realidade ninguém pensa desta maneira. Todos sabem perfeitamente que as arvores nunca produzirão pães. Todos observam que existe uma certa regularidade, que há leis que regem os fenômenos, tanto na natureza como na sociedade. A primeira função da ciência é justamente descobrir esta regularidade.
Esta regularidade (lei) na natureza e na vida social não depende de maneira alguma do conhecimento humano. Em outras palavras, as leis são objectivas, independentes do conhecimento dos homens. A primeira função da ciência consiste em descobrir esta regularidade; em encontra-la no meio do caos dos fenômenos. Marx considerava o sinal característico do conhecimento cientifico o fato dele dar uma
"totalização de um numero importante de determinações e de relações" em oposição a uma "representação caótica" ("Introdução á critica da economia política", Stuttgart 1920, pag. 35).
Este caracter da ciência que "sistematiza", "ordena", "organiza", cria um "sistema", etc... é reconhecido por todo o mundo. É assim que Mach (no "Conhecimento e Erro") define o processo do pensamento cientifico como uma adaptação dos pensamentos aos fatos e de pensamentos a pensamentos. O professor inglês P. Pearson escreve:
"não são os fatos que constituem por si mesmos uma ciência, e sim o método pelo qual eles são interpretados".
O método original da ciência consiste em "classificar" os fatos, o que não constitue uma simples reunião de fatos e sim uma "reunião sistemática": (citado pela edição russa da "Gramática e Ciência" de P. Pearson, pag. 26 e 100). No entanto, a grande maioria dos filósofos burgueses contemporâneos considera que o papel da ciência não consiste em descobrir esta regularidade (estas leis), que existem objectivamente, e sim inventar estas leis com o auxílio do raciocínio humano; é claro porém que a alternância dos dias e das noites, das estações, a transformação regular dos fenômenos naturais e sociais, existe independentemente do que deseja ou deixa de desejar o raciocínio de um sábio burguês. A regularidade destes fenômenos, isto é, as leis ás quais eles estão submetidos, são de ordem objectiva.
Se esta regularidade, à qual nos referimos acima, aparece nos fenômenos naturais e sociais, trata-se agora saber em que consiste. Quando estamos em presença de um mecanismo de relojoaria de movimento regular, quando observamos a excelente maneira pela qual se acham ajustadas as engrenagens, começamos a compreender as razões de seu movimento. O relógio está construido de acordo com um plano preestabelecido; esse instrumento é construido para um determinado fim, e cada parafuso está colocado visando um certo fim. Mas passar-se-ão de forma análoga os fatos no universo? Os planetas evoluem segundo trajectórias determinadas; a natureza conserva sabiamente as formas mais desenvolvidas da vida. Basta estudar a construção do olho de um animal para se verificar imediatamente quão habilmente ele está construido para o fim que se destina. E tudo o que existe na natureza está, com efeito, de acordo com a sua finalidade: a topeira que vive debaixo da terra é cega, mas por outro lado, tem um excelente ouvido; os peixes que vivem à grandes profundidades e submetidos a uma forte pressão, têm a necessária resistência (fora da agua eles estouram), etc... E na sociedade humana, de que maneira se passam as coisas? Não tem a humanidade o seu grande fim — o comunismo? Todo o desenvolvimento histórico não a conduz a este fim? E se assim é, si tanto na natureza como na sociedade, tudo tem seu fim, que nós nem sempre compreendemos, mas que consiste em um aperfeiçoamento indefinido, não poderão todos os fenômenos ser estudados do ponto de vista deste fim? Assim, as leis de que nos referimos se apresentarão como leis de finalidade (ou leis teleologicas: "télos" em grego — "fim"). Esta é uma das maneiras de se apresentar a questão do caracter das leis.
Uma outra maneira de apresentar a questão provem do fato de cada fenômeno ter a sua causa. A humanidade marcha para o comunismo, porque na sociedade capitalista aparece o proletariado, que não encontra espaço suficiente dentro, dela; a topeira vê mal e ouve bem, porque, durante milhares de anos as condições naturais influíram nestes animais, porque as transformações provocadas por elas foram transmitidas por hereditaredade, e ao mesmo tempo, sobreviveram e se multiplicaram os seres que mais facilmente podiam sobreviver, isto é, os que melhor se achavam adaptados ao ambiente. O dia e a noite se alternam, porque a terra gira em torno do seu eixo e apresenta; ao sol alternadamente um e outro hemisfério, etc... Em todos estes casos não se apresenta a questão da finalidade (não se pergunta "por que?"), pergunta-se qual é a causa do fenômeno (isto é "como?"). Esta é a maneira que se apresenta a questão, seguindo o principio da causalidade (da palavra "causa"). As leis que governam a marcha dos fenômenos são assim submetidas ao principio da causalidade.
Há portanto um conflito entre a causalidade e a finalidade. Precisamos antes de mais nada solucionar esse conflito.
Não será difícil compreender a inconsistência da teleologia se considerarmos a finalidade como principio universal, isto é se considerarmos a concepção segundo a qual tudo está submetido a fins determinados. Com efeito, o que é o fim? A concepção do "fim" presupõe a existência de alguém que tenha em mira esse fim como tal, isto é, de uma maneira conciente. Um fim não pode existir separadamente daquele que o visa. Uma pedra não visa fim algum, nem tão pouco o sol, ou um planeta ou todo o sistema solar, ou mesmo a via-láctea. O fim é uma concepção que só pode ser aplicada a seres vivos e concientes, tendo os seus desejos, fazendo desses desejos um fim e tendendo a satisfaze-los (isto é, aproximando-se desse fim). Somente um selvagem não poderia conceber que um marco divisório se proponha a uma finalidade. O selvagem anima a natureza e anima a pedra. É por este motivo que nele domina a "teleologia", e uma pedra age para ele como se fosse um homem conciente. Os partidários da doutrina da finalidade parecem-se com este selvagem como duas gotas de água, pois para eles, o mundo inteiro tem o seu "fim" proposto por um desconhecido. Vemos assim, claramente que as concepções do fim, e de finalidade são simplesmente inaplicaveis ao mundo em geral, e que as leis a que obedecem os fenômenos não se acham submetidas a nenhuma finalidade.
Não é difícil descobrir as fontes da discórdia entre os partidários da teleologia e da causalidade. Desde a época em que a sociedade humana se dividiu em diferentes grupos, dos quais uns (a minoria) governam, ordenam, dominam, e os outros executam, são governados e obedecem, os homens começaram a encarar o mundo de conformidade com esse estado de coisas. Da mesma maneira que há sobre a terra reis, assim também deve existir no mundo inteiro um rei celeste, um juiz celeste, com as suas tropas celestes e seus generais (os estrategistas supremos). Começou-se a considerar o universo como o produto de uma vontade criadora que se ocupa em criar fins e traçar o seu "plano divino". É por este motivo que a regularidade dos fenômenos foi considerada como a expressão dessa vontade divina. O filósofo grego Aristóteles disse: "A natureza, é o fim".
A palavra grega "nomos" (lei) significava ao mesmo tempo a "lei natural" e a lei moral (isto é, uma regra moral, um preceito), e também simplesmente a ordem, a medida, a harmonia.
"Ao mesmo tempo em que se alargava o poder imperial, a jurisprudência da antiga Roma se transformou em uma espécie de teologia laica, e seu desenvolvimento ulterior seguiu paralelamente à teologia dogmática. A lei começou a significar uma norma (regra de conduta, N. B.), tendo sua fonte num poder superior, — no de um imperador celeste em teologia, ou bem de um deus terrestre em jurisprudência, — e prescrevendo aos seres submetidos a uma determinada regra de conduta" (E. Spektorsky: "Estudos sobre a filosofia das ciências sociais". Varsovia, 1907, pag. 158).
O sistema de leis da natureza foi considerado como um sistema de legislação divina. O celebre sábio Kepler dizia que o mundo fisico tinha as suas "pandectas" (pandectas: coleção de leis do imperador Justiniano). Encontramos concepções semelhantes, ainda mais tarde. Assim os fisiócratas (economistas franceses do tempo da Revolução), que foram os primeiros a descrever a sociedade capitalista, misturaram as leis às quais estão submetidos os fenômenos naturais e sociais, com as do Estado e com os decretos das potências celestes. Assim, por exemplo, François Quesnay escreve:
"As leis que constituem as sociedades são leis de ordem natural e as mais vantajosas para o gênero humano...
"Estas leis foram estabelecidas para a perpetuidade pelo autor da Natureza".
"A observância destas leis naturais e fundamentais do corpo político, deve ser mantida por intermédio de uma autoridade tutelar, estabelecida para a sociedade..." (François Quesnay: "O despotismo da China", Capitulo 8º, § 1 e 2).
Não é dificil verificar como estas leis da "autoridade tutelar" (isto é dos agentes policiais da burguesia) se apoiam habilmente sobre o "Criador celeste", que elas devem por sua vez sustentar.
Poder-se-ia citar um grande numero de exemplos. Todos eles provam a mesma coisa, a saber, que a doutrina da finalidade se apoia na religião. De acordo com a sua origem, ela transporta as relações grosseiras e barbaras de submissão e escravidão, de um lado, e de dominação, do outro, para o mundo inteiro. Na sua própria base, ela é constrangida à explicação cientifica, e se apoia sobre a fé. É uma doutrina de "beatos", qualquer que seja o caldo em que venha disfarçada. Mas como podemos então explicar os fenômenos cuja "conformidade ao plano preestabelecido" salta aos olhos (a estrutura dos diferentes organismos, "de conformidade com um plano", o progresso social, o aperfeiçoamento das espécies animais e do homem, etc...)? Se nós nos colocarmos num ponto de vista grosseiramente finalista e se responsabilizarmos Deus e seu "plano", verificaremos imediatamente a insanidade de semelhante "explicação". É por esta razão que a doutrina da finalidade é concebida por alguns de uma maneira mais séria e toma então a forma da "doutrina da finalidade imanente" (isto é, da finalidade ligada interiormente aos fenômenos naturais e sociais).
Antes de passar ao estudo desta questão, talvez seja melhor dizer algumas palavras sobre as "explicações" religiosas. Um economista burguês muito inteligente, Boehm-Bawerk, citou o seguinte exemplo:
"vamos supor, diz ele, que para explicar a estrutura do universo eu emita uma teoria segundo a qual todo o universo seria composto de uma quantidade incalculável de gnomos (diabinhos), cujo movimento incessante produziriam todos os fenômenos. Ora, estes pequenos gnomos são invisíveis, não emitem ruído, não têm cheiro e é impossível agarra-los pela cauda. Tente-se desmintir uma tal "teoria"! É impossível provar directamente que ela é falsa, pois ela se acha escondida atrás da invisibilidade dos fugitivos gnomos. Apesar disto, todo o mundo vê perfeitamente que isto não passa duma bobagem. Por que? Pela simples razão de não existir nem um fato que venha confirmar uma tal concepção".
Tais são, mais ou menos as pretendidas explicações de ordem religiosa. Elas são baseadas sobre um sistema de forças desconhecidas, ou então sobre a fragilidade da nossa razão. Foi assim que um Santo Padre da Igreja propoz como principio: "Eu creio porque é absurdo" (Credo quia absurdum). Segundo os princípios do Cristianismo, Deus é um, mas ao mesmo tempo, existe uma Trindade divina. Evidentemente isto é contrário à tabuada de multiplicação. Mas dizem-nos que "nossa fraca razão não pode compreender este mistério". Certamente, com um raciocínio desta espécie, é possível justificar qualquer estravagancia.
Em que consiste a teoria da "finalidade imanente"? Regeita-se nela a idéia duma força misteriosa no sentido grosseiro da palavra. Fala-se somente no fim que se revela pouco a pouco com a marcha dos acontecimentos, do fim, ligado interiormente ao próprio processo do desenvolvimento. Tomemos um exemplo. Vamos admitir que estamos em presença duma espécie de um animal. Com o tempo e como conseqüência de toda uma série de causas, ele se transforma adaptando-se cada vez mais às condições naturais. Os órgãos de um animal se aperfeiçoam gradativamente, isto quer dizer que eles progridem. Ou então, tomemos, se quiserdes, a sociedade humana. Qualquer que seja a maneira pela qual encaremos o seu futuro (que o seu futuro seja socialista ou que adote uma outra forma), não se pode negar que o tipo humano se aperfeiçoa, que o homem se torna cada vez mais "civilizado", "mais aperfeiçoado", e que nós, chamados solenemente os reis da natureza, "seguimos o caminho da civilização e do progresso". Do mesmo modo que a estrutura dos animais vai-se adaptando a um fim determinado, a sociedade humana se aperfeiçoa cada vez mais, isto é, torna-se mais adaptada a um fim. Aqui, o fim (a perfeição) se descortina no processo da evolução. Ele não é predeterminado por uma divindade, mas surge qual a rosa que desabrocha do botão, a medida que o botão se desenvolve e se transforma, devido a causas determinadas, numa rosa.
Será concludente esta teoria? Não, não é, É uma insanidade teleologica sutil e mascarada. Devemos protestar antes de tudo contra a concepção de um fim que não é proposto por ninguém. É o mesmo que se falar em pensamentos sem pessoas que pensam, de vento sem espaço vasio ou de humidade sem agua. Quando os homens falam do fim "ligado interiormente" ao fenômeno, eles presupõem tacitamente a existência de uma "força interior" incorporea, que se propõe a seus fins. Esta força misteriosa pouco se parece exteriormente ao deus que é pintado grosseiramente sob a forma de um velho de barbas brancas; mas, na realidade, trata-se ainda aqui de um deus presente e invisível, sutilmente imaginado pelo pensamento humano. Tornamos a encontrar aqui a mesma teoria da finalidade que já foi analisada acima. A teleologia "doutrina da finalidade" conduz assim diretamente à teologia (doutrina de deus).
Volvemos agora a finalidade imanente na sua forma pura. Para isto, o melhor é analisar a idéia do progresso geral (do aperfeiçoamento geral), idéia que sobretudo serve de base aos partidários da teleologia imanente.
Como se vê, é mais difícil neste caso combater o ponto de vista teológico, "o elemento divino" não aparece de uma maneira clara nesta teoria. No entanto não é difícil compreender em que se baseia esta teoria, se estudarmos o processo de sua evolução em conjunto, isto é, se estudarmos não somente as formas e as espécies (dos animais, das plantas, dos homens, da natureza inorgânica), que sobreviveram, mas ainda aquelas que têm perecido ou estão perecendo. O famoso progresso aplicar-se-á forçosamente a todas estas formas? Certamente que não. Os "mamutes" que já existiram não existem mais; é dos nossos tempos o desaparecimento dos "uros", e em geral, pode-se dizer que uma infinita quantidade de formas vivas desapareceram. E os homens? Dá-se o mesmo com eles. Onde estão os Incas e os Aztecas, que viveram outrora na America? Já nem nos lembramos deles. Entretanto, dentre as inúmeras sociedades e de espécies, algumas sobrevivem e "se aperfeiçoam". Que significa por conseguinte "o progresso"? Significa simplesmente que entre, digamos, 10.000 combinações desfavoráveis à evolução (combinações diferentes de condições), há uma ou duas favoráveis.
Se não enxergamos senão as condições favoráveis e os resultados favoráveis é evidente que tudo parecerá no mais alto grau "em conformidade com o seu fim" e perfeitamente milagroso. Mas os partidários da finalidade imanente não olham absolutamente o reverso da medalha: os inúmeros casos de desaparecimento de sociedades e de espécies. Entretanto, se reconduzirmos a questão ao fato de existirem boas e más condições de desenvolvimento, que os bons resultados correspondem às condições favoráveis e os maus às desfavoráveis (o que é muito mais freqüente), todo o quadro muda e perde o seu caracter divino e teleologico.
Um teleólogo russo, outrora marxista, e que se transformou em seguida em padre ortodoxo e pregador "progromista" do general Wrangel (Sérgio Bulgakof) escreveu numa coleção intitulada "Os problemas do Idealismo" (edição russa, Moscou pag. 8-9.):
"Juntamente com a concepção da evolução, do desenvolvimento sem fim e sem razão, nasce igualmente a concepção do progresso e da concepção teleólogica, onde a causalidade e a revelação do fim ultimo, se identificam completamente como nos sistemas metafisicos".
Vemos assim claramente qual é a base psicológica das concepções teleologicas. A alma de um burguês inquieto que sente a sua própria fragilidade é sedenta de consolação. A marcha da evolução, tal qual ela existe na realidade, não lhe aprás, não sendo dirigida por nenhuma razão ou finalidade salutar. É muito mais agradável adormecer, depois de um bom jantar, quando se sabe que existe alguém que toma conta de nós!
É necessário observar que se encontramos algumas vezes em Marx e Engels definições, que tem aparência exterior das condições teleologicas, isto não constitui senão uma metáfora e uma maneira de exprimir um pensamento por imagens; quando Marx diz que o valor é um agregado de músculos, nervos, etc...., somente os adversários mais encarniçados da classe proletária, tais como Pierre Strouvé, podem jogar com as palavras e procurar o valor nos próprios músculos.
Se falarmos da concepção teleólogica quando aplicada à natureza morta ou aos animais, exceptuando o homem, a insanidade desta teoria aparece claramente. De que finalidade pode-se falar quando não existe fim algum? Quando porém nos referimos á sociedade e aos homens, o caso muda de figura. Uma pedra não se propõe a fins; no caso duma girafa podemos ter duvidas; o homem pelo contrario, difere das outras partes da natureza, pelo fato dele se propor fins. Marx se exprime a este respeito da maneira seguinte:
"A aranha executa trabalhos que nos recordam os de um tecelão, e a abelha pode causar inveja, com seus alvéolos de cera, à um arquitecto de origem humana. Mas o que distingu logo a principio o último dos arquitectos da melhor das abelhas? é que o arquitecto concebe a sua construção antes de começa a executala. No fim do processo de trabalho, chegamos a um resultado que já existia ideologicamente desde o inicio na concepção do operário. Este último, não somente provoca uma mudança de formas na natureza, mas realiza ao mesmo tempo, na natureza, seu fim, do qual ele tem conciencia, fim que determina o aspecto e os meios do seu trabalho prático como uma lei, fim ao qual deve submeter a sua vontade. Esta submissão não constitue uma ação em separado. Além da tensão dos orgãos que trabalham na própria corrente do trabalho, o homem necessita de uma vontade dirigida para um fim, de uma vontade que se manifeste como a atenção". (Marx: O Capital, vol. I, pag. 140, ed. alemã).
Marx traça aqui uma nitida linha de demarcação entre o homem e o resto do mundo. Tem ele razão? Certamente, pois ninguém pode contestar que o homem se propõe a fins determinados. Veremos agora quais as conclusões que disso tiram os partidários do "método de finalidade" nas ciências sociais.
Vamos estudar para este fim a opinião do nosso mais eminente adversário, o sábio alemão Rudolph Stammler, que escreveu outróra uma grande obra contra o marxismo, intitulada: "A economia e o direito do ponto de vista do materialismo histórico".
Qual é o objecto das ciências sociais? — pergunta Stammler. E responde: as ciências sociais estudam os fenômenos sociais. Estes têm particularidades que não existem em nenhum outro fenômeno. Eis porque há necessidade de ciências particulares (sociais). Em que consiste o caracter particular, o sinal particular dos fenômenos sociais? A esta questão, Stammler responde: a característica dos fenômenos sociais reside no fato deles serem regulados de uma maneira exterior pelas normas do direito (leis, decretos, ordens, etc...). Se estas regras não existissem não existiriam nem o direito nem a sociedade. Se a sociedade existe, isto significa que a sua vida está encerrada dentro de certas normas, às quais ela se adapta, como o ferro fundido se adapta a um molde.
Stammler formula o seu pensamento da seguinte maneira:
"Este fato (determinante N. B.) é determinado por sua vez por uma regra de conduta e de vida comum estabelecida pelos homens. Uma regulamentação exterior das relações entre os homens, torna possivel pela primeira vez a concepção da vida social considerada como objecto particular. Esta regulamentação aparece como o ultimo acontecimento ao qual se reduz aparentemente todas as considerações sobre a sociedade e suas particularidades". (Pag. 83 da 2.ª edição alemã.).
Mas se a regularidade constitue um dos traços essenciais dos fenômenos sociais é bem claro, diz Stammler, que esta regularidade é de ordem teleólogica. Com efeito, quem "regula" a vida social e o que significa "regular"? São os homens que o fazem estabelecendo certas normas (regras de conduta) para atingir certos fins, propostos concientemente por eles mesmos. Resulta daí, segundo Stammler, uma diferença enorme entre a natureza e a sociedade, entre a evolução social e natural (vida social, segundo Stammler, é uma coisa de alguma maneira oposta á natureza), e por conseguinte entre as ciências naturais e as ciências sociais. As ciências sociais são ciências submetida à finalidade; enquanto que as naturais estudam os fenômenos do ponto de vista das causas e conseqüências. Justifica-se este ponto de vista? Será justo admitir duas espécies de ciências, das quais umas estão afastadas das outras assim como a terra do céu. Certamente que não, e vejamos porque.
Admitamos por um instante que a característica fundamen tal da sociedade consiste no fato dos homens regularem conscientemente, por meio do direito, as suas relações mutuas, de que não possamos indagar porque motivo os homens regulam as suas relações em um dado momento e em determinado lugar, de uma certa maneira, e em outros lugares e tempos diferentes, de maneira diferente. Tomemos um exemplo: A República burguesa alemã de 1919-1920 "regula" as relações sociais fuzilando os operários; a Republica proletária dos Soviets pelo contrario as "regra" fuzilando os capitalistas contra-revolucionários. A legislação dos Estados burgueses tem por fim consolidar, alargar e reforçar a dominação do capital; os decretos de um Estado proletário, têm por seu lado o fim de destruir a dominação do capital e garantir a do trabalho. Se agora quisermos compreender cientificamente, isto é, explicar estes fenômenos, será suficiente dizer simplesmente que os fins são diferentes? Todo o mundo compreenderá que evidentemente isto não é suficinte, pois pode-se perguntar porque motivo os "homens" se propõem em uma ocasião, um certo fim e noutra, um fim diferente? Esta pergunta acarreta a resposta seguinte: porque, num caso é o proletariado que está no poder, e no outro é a burguesia; a burguesia deseja uma coisa porque as condições de sua vida provocam nela certos desejos, enquanto que as condições de vida dos operários provocam outros desejos, etc... Em resumo, logo que queremos compreender na sua realidade os fenômenos sociais, somos obrigados imediatamente a nos propor a pergunta "porque" isto é, de indagar quais são as causas destes fenômenos, ainda que estes sejam a prova da existência de um fim humano. Por conseguinte, mesmo que se os homens regulassem tudo de uma maneira conciente e se tudo se passasse na sociedade conforme aos seus desejos, não é a teleologia que pode explicar os fenômenos, mas o estudo da causa desses fenômenos, isto é, a pesquisa da causalidade. Vemos assim, que nessa questão, não existe nenhuma diferença entre as ciências sociais e as ciências naturais.
Refletindo bem, verifica-se imediatamente que não pode ser de outra maneira. Com efeito, não fazem o homem e a sociedade humana, qualquer que ela seja, parte da natureza? Não faz o gênero humano parte do mundo animal? Aquele que o nega ignora o A.B.C. da ciência contemporânea. E se o homem e a sociedade humana fazem parte da natureza, seria altamente extranho que esta parte se achasse em plena contradição com todo o resto da natureza. Não é difícil perceber que ainda aqui, os partidários da teleologia deixam transparecer a idéia da origem divina da natureza humana, isto é, a mesma idéia ingênua que já examinámos anteriormente.
Vemos assim até que ponto a doutrina da finalidade é inaplicável, mesmo admitindo-se que uma regulamentação exterior (o direito) constitua o traço essencial da sociedade. Mesmo neste caso, a teleologia "para nada serve". Entretanto, na realidade, a regulamentação "exterior" não constitui de nenhuma maneira o traço essencial da sociedade. Quase todas as sociedades que existiram até hoje (e a sociedade capitalista em particular) distinguiram-se pela ausência de regulamentação, pelo seu regime anárquico no conjunto dos fenômenos sociais, a regulamentação que institue a ordem, como foi o desejo dos legisladores, não desempenhou de maneira alguma um papel decisivo. E como se passarão as coisas na sociedade futura (comunista)? Não haverá então nenhuma regulamentação "exterior" (jurídica). Com efeito, os homens do novo regime, concientes, educados no espirito de solidariedade no trabalho, não necessitarão de nenhum constrangimento exterior (tornaremos a falar nisto de uma maneira detalhada no capitulo seguinte). Assim, a teoria de Stammler não tem nenhum valor, mesmo deste ponto de vista. E o único método certo para estudar cientificamente os fenômenos sociais é aquele que os examina do ponto de vista da causalidade.
Através da teoria de Stammler, percebe-se claramente a ideologia de um funcionário de Estado capitalista, ideologia que considera como eternas, coisas que são apenas temporárias. Com efeito, o Estado e o direito são os produtos de uma sociedade de classe, cujas diferentes partes estão em luta constante, e as vezes extremamente encarniçada. É evidente que os princípios jurídicos e a organização de Estado da classe governante são as condições de existência dessa sociedade. Mas, precisamente, o quadro deve mudar inteiramente em uma sociedade destituída de classes. Não é por conseguinte possível considerar as relações históricas que constantemente evoluem (o Estado, o direito) como características permanentes de toda sociedade, qualquer que ela seja.
Por outro lado, Stammler se esquece de tomar em consideração um outro fato. Acontece freqüentemente que as leis e normas do poder do Estado, com o auxilio das quais a classe dominante quer atingir um certo resultado conduzem, em conseqüência de uma evolução elementar e da anarquia social, a outros resultados diferentes daqueles que eram almejados. O melhor exemplo disso nos foi trazido pela guerra mundial. Com efeito, por meio de uma série de medidas governamentais (mobilização do exercito e da marinha, operações militares sob a direção do poder de Estado, etc.) a burguesia dos diferentes países queria atingir fins bem determinados.
E o que foi que aconteceu?
Qual foi o resultado? Uma Revolução do proletariado contra a burguesia. Como é possível explicar isto, colocando-se questão sob o ponto de vista piedoso e teleologico de Stammler? É evidentemente impossível fazelo. Qual e o motivo desse engano? É que Stammler superestima a "regulamentação" e menospreza a marcha elementar da evolução, de maneiras que, no fim de contas, toda a sua concepção é destituída de base.
Resulta do que precede que somos obrigados a nos propor a questão da causa cada vez que queremos explicar um certo fenômeno, e em particular, o da vida social. Todas as tentativas de uma pretendida explicação de ordem teleólogica não se inspiram na realidade se não na fé religiosa e por isso nada esclarecem. Assim, a resposta à questão essencial de saber quais são as leis que regem os fenômenos naturais e sociais, qual a sua regularidade, é a seguinte: existe na natureza e na sociedade, objetivamente (isto é, quer queiramos, quer não, quer seja do nosso conhecimento quer não), uma lei causal dos fenômenos.
O que é uma lei causal? É uma relação necessária, constante e bem patente entre os fenômenos; por exemplo, o volume dos corpos aumenta com a temperatura, um liquido suficientemente aquecido se transforma em vapor, a circulação fiduciaria quando excessiva provoca a desvalorização da moeda; enquanto existir o capitalismo, haverá forçosamente guerras; se a pequena produção existe ao mesmo tempo que a grande produção em um mesmo país, esta ultima no fim de contas acabará vencendo a primeira; se o proletariado ataca o capital, este ultimo se defende por todas as maneiras que se acham ao seu alcance; se a produtividade do trabalho cresce, os preços baixam; se uma certa quantidade de veneno fôr introduzida no organismo humano, o homem morre, etc. etc... Pode-se dizer, em resumo, que toda lei causai se exprime pela fórmula seguinte: se estamos em presença de um certo fenômeno, forçosamente outros a ele se seguirão. Explicar um fenômeno, encontrar a sua causa, significa descobrir um outro fenômeno do qual depende o primeiro, explicar assim a relação causal entre eles. Enquanto esta relação não fôr estabelecida o fenômeno permanece inexplicado. Uma vez descoberta esta relação, e depois de verificado que ela é com efeito constante, estamos na presença de uma explicação cientifica (causal). Essa explicação é a única cientifica, tanto em relação aos fenômenos naturais quanto aos da vida social. Ela regeita todo caracter divino, toda intervenção de forças sobrenaturais, todos os restos inúteis dos tempos passados e permite ao homem dominar tanto as forças da natureza quanto as forças sociais.
Alguns se opõem á concepção da causalidade e da lei causai pelo fato desta concepção, como vimos acima, ter sua origem na errônea representação dum legislador divino. Na verdade esta é sua origem, por assim passar-se freqüentemente na linguagem humana. Diz-se por exemplo, o sol sobe, o sol se deita, apesar de ninguém acreditar que o sol ande sobre duas ou quatro pernas. Entretanto, era assim que se pensava outróra. O mesmo acontece com a palavra "lei". Quando se diz a "lei domina" ou então "rege" não se deve de modo algum compreender que, no primeiro dos dois fenômenos (causa e efeito), se encontra um pequeno deus invisivel que o governa. A relação causal é apenas uma relação entre fenômenos, que é encontrada constantemente, e nada mais. Esta maneira de encarar a causalidade não prejudica de forma alguma a ciência.
G. Plékhanov: Os problemas fundamentais do marxismo. — Critica de nossas criticas. — Korsak: A sociedade jurídica e a sociedade do trabalho (na coleção: Ensaios sobre a concepção realista do mundo, artigo contra Stammler). — Stammler: A economia e o direito. Os problemas do idealismo (coleção de artigos dos adversários do marxismo). — A. Bogdanov: Contribuição à psicologia da sociedade. — Max Adler: Causalidade e ieoleologia. F. Engels: — Anti-Dühring; Ludwig Feuerbach — N. Lenin: (Ulianov): O materíalismo e o empiro-criticismo.
Inclusão | 24/05/2011 |
Última alteração | 03/09/2011 |