O Imperialismo e a Economia Mundial

N. Bukharin

Quarta Parte: O Futuro da Economia Mundial e o Imperialismo


Capítulo XII — "Necessidade" do Imperialismo e o Super-Imperialismo


capa

1 — Concepção da necessidade histórica. Necessidade histórica e marxismo prático. “Necessidade” histórica do imperialismo; 2 — Questão econômica do super-imperialismo (entente dos trustes capitalistas nacionais). Possibilidade econômica abstrata de um truste universal; 3 — Prognósticos concretos. Condições econômicas da formação dos trustes e de sua solidez. Internacionalização e nacionalização dos interesses capitalistas. Importância da política imperialista para a burguesia; 4 — A vitória sobre o imperialismo e a condição da possibilidade dessa vitória.

Compreender tudo, é tudo perdoar, diz um provérbio francês... Todavia, um provérbio não exprime forçosamente uma ideia justa. No caso, temos diante de nós um “julgamento” manifestamente errôneo. Compreender uma coisa é, efetivamente, estabelecer uma relação de causa e efeito entre esta e outra ou outras coisas, o que não significa, absolutamente, porém, que seja necessário sempre justificar a coisa compreendida. Se assim fosse, tudo o que na língua dos “moralistas” chama-se “mal” seria para todo o sempre vedado à razão humana e não poderia ser compreendido. Na realidade, a coisa não se passa dessa maneira. Não podemos julgar algo, isto é, classificá-lo como positivo ou negativo, se não o compreendermos. Consequentemente, mesmo quando não estamos dispostos a “perdoar” de modo algum, devemos, antes de tudo, “compreender”.

Esta verdade elementar é também aplicável aos acontecimentos históricos. Compreender um acontecimento histórico é representá-lo como efeito de uma ou várias causas históricas, é representá-lo não como um valor “acidental” que nada condiciona, mas como um valor necessariamente consequente de um conjunto de condições determinadas. O elemento de causalidade é igualmente um elemento de necessidade (“necessidade causal”). O marxismo ensina que o processo histórico, e portanto cada anel da corrente histórica dos acontecimentos, é um valor “necessário”. Extrair daí um fatalismo histórico seria absurdo, pela simples razão de que os acontecimentos históricos desenrolam-se não à revelia, mas pela vontade dos homens, pela luta de classes, se nós temos uma sociedade de classes. A vontade das classes é sempre determinada por uma situação concreta; neste sentido, ela não é de forma alguma “livre”, mas constitui, por sua vez, um fator determinante processo histórico. Se nos pusermos a ignorar os atos dos indivíduos, as lutas de classe, etc., perdemos de vista, igualmente, todo o processo histórico. O “marxismo” fatalista foi sempre uma caricatura burguesa da doutrina de Marx, que os teóricos burgueses imaginaram como o meio mais cômodo de “vencer o marxismo”. É conhecido o sofisma, muito divulgado, segundo o qual os marxistas que anunciam o advento inevitável do regime pós-capitalista, fazem pensar em um partido que lutaria para provocar um eclipse da lua. Mas, por outro lado, esse “marxismo”, que erige o presente em absoluto e que supõe no presente um limite não ultrapassável, foi sempre o manto no qual gostam de envolver-se os apologistas de burgueses, desejosos de encontrar uma fórmula “rigorosamente científica” para sua aspirações. “Tudo o que é real é racional”, eis uma máxima de Hegel, que eles várias vezes utilizaram para justificar seus objetivos. Enquanto que, para Marx, “a sabedoria de tudo o que é real” era somente uma relação de causa entre o presente e o passado, relação cujo conhecimento constitui o ponto de partida para vencer priticamente o “real”, para os panegiristas, essa “sabedoria” servia para sua justificação e sua perpetuação(1).

Die Geschichte hat immer Recht (“a história tem sempre razão”). É assim que o “marxista” Heinrich Kunow explica sua “mania” de imperialismo(2): toda tentativa para vencê-lo é simplesmente “ilusória”; a sistematização desse intento equivale a “cultivar a ilusão” (Illusionenkultus). É evidente que não há nada de mais simplório do que essa interpretação do marxismo, à qual Marx respondeu muito bem, ao responder a um outro economista burguês, Berk. “As leis do comércio — escreveu este último — são leis naturais, logo leis divinas”. “Nestes tempos de sórdida pusilanimidade e de crença fetichista nas “leis do comércio”, somos de novo obrigados a estigmatizar todos os Berks, que somente o talento distingue de seus discípulos”(3).

Ora, se a realidade histórica está sujeita a uma variedade de apreciações, o que define então a “prática” onde se situa os limites do accessível? Para responder a estas questões, supomos duas eventualidades extremas. Admitamos, inicialmente, que temos um proletariado fracamente desenvolvido, em um país que começa apenas a engrenar na evolução capitalista e cujas classes sociais estão naquele estágio em que constituem uma massa desorganizada. O próprio proletariado não chegou ainda, segundo a expressão de Marx, a ser uma classe “para si”. O desenvolvimento econômico é tão fraco que faltam as condições objetivas para a organização da economia em escala social, podendo-se adiantar que as condições necessárias para vencer as contradições capitalistas não existem. Reconhecendo em princípio o caráter condicional do capitalismo, os marxistas sustentam que, uma vez que não é possível desviar a evolução social da via capitalista, é-se obrigado — levando em conta, precisamente, que a evolução buscará essa via — a organizar suas forças para atacar ativamente o capitalismo no futuro, utilizando, no presente, a progressividade relativa deste último, lutando contra as sobrevivências feudais que entravam o progresso social, etc. Em consequência, as fases decisivas na definição dos princípios da prática são em número de duas: primeiro, “a apreciação das condições objetivas”, isto é, apreciação do nível do desenvolvimento econômico; segundo, apreciação da influência social da força do progresso social em si, que se refere, evidentemente, à primeira fase. No estado de coisas a que nos referimos acima, os marxistas falam da ncessidade do capitalismo, mesmo no sentido da impossibilidade relativa de vencê-lo.

Suponhamo-nos, agora, diante de um organismo capitalista altamente desenvolvido', permitindo a obtenção de um desenvolvimento metódico da produção social; por outro lado, a relação das forças de classe é tal que uma importante fração da população pertence à classe mais progressista. Nesse caso, seria absurdo querer considerar o capitalismo como um estágio “necessário” da evolução, (com o que não se quer dizer, evidentemente, que o capitalismo e sua situação são os produtos da evolução histórica: “necessidade” é, aqui, sinônimo de impossibilidade de vencer(4).

Se abordamos agora a necessidade (impossibilidade de vencer) do imperialismo, descobriremos imediatamente que não há razão de falar de sua necessidade neste sentido, mas bem ao contrário. O imperialismo é a política do capitalismo financeiro, do capitalismo altamente desenvolvido e que impõe certa maturidade — no caso, muito importante — da organização produtiva. Em outros termos, a política imperialista, pela razão de sua própria existência, atesta que as condições objetivas de uma nova forma social e econômica apareceram, e, consequentemente, toda discussão sobre a “necessidade” do imperialismo, considerado como termo da prática, é liberalismo ou semi imperialismo. A questão da existência ulterior do capitalismo e do imperialismo torna-se uma questão de relação das forças sociais em luta, e nada mais.

Ora, pode verificar-se um outro desvio oportunista, contrário, em aparência, ao fatalismo, fogosamente explorado na literatura por Karl Kautsky(5). Constatando, muito justamente, que a manutenção do imperialismo depende da relação das forças sociais, Kautsky desenvolve seu raciocínio mais ou menos da seguinte maneira:

O imperialismo é um método bem definido da política capitalista; esta é possível sem procedimento violentos, da mesma forma que o capitalismo é concebível com um dia de trabalho, não mais de 10 ou 12 horas, mas de 8 horas. No quadro capitalista, o proletariado contrapõe, à tendência da burguesia a aumentar o dia de trabalho, sua tendência proletária a diminuí-lo, assim como é necessário contrapor, à tendência da burguesia imperialista à violência, a tendência pacífica do proletariado. Assim, assegura Kautsky, o problema pode ser resolvido no regime capitalista.

Parecendo radical, à primeira vista, trata-se de uma teoria fundamentalmente reformista. Mais adiante, analisaremos em detalhe a possibilidade de um capitalismo “pacífico” do tipo Kautsky (“super-imperialismo”). Limitemo-nos, por ora, a uma objeção de ordem geral e formal, a saber: não é possível inferir, do fato de ser o imperialismo uma questão de relação de forças, que ele possa desaparecer nos quadros do regime capitalista, como aconteceu com o dia de 15 horas, os salários anormais, etc. Se a questão fosse resolvida tão simplesmente, poder-se-ia traçar a seguinte perspectiva: sabe-se que o capitalismo pressupõe a apropriação da mais-valia pelos capitalistas; todo novo valor decompõe-se em duas partes: N=V+m; esta repartição, considerada quantitativamente, depende da relação das forças sociais (o antagonismo de interesses já foi definido por Ricardo). Mediante uma resistência crescente da classe operária, é bem possível que V aumente em detrimento de m e que a totalidade de N seja repartido numa proporção mais favorável aos operários. Mas, considerando que o aumento progressivo da parcela que cabe ao proletariado é determinada pela relação de forças, e que esse aumento não tem nenhum limite fixado previamente, ao reduzir a parte dos capitalistas às proporções de simples salário, a classe operária liquidará o capitalismo, transformando os capitalistas em simples empregados ou, indo mais longe, em pensionistas da coletividade. Este quadro idílico é, manifestamente, uma utopia reformista. Assim como o “super-imperialismo” de Kautsky é igualmente utópico.

Contudo, Kautsky e seus partidários pretendem que o próprio processo do desenvolvimento econômico contribuiu para o desenvolvimento dos elementos sobre os quais o super-imperialismo poderia apoiar-se. A interpenetração internacional do capital tende precisamente a suprimir a concorrência entre os diferentes grupos capitalistas nacionais. Esta tendência “pacífica” é ainda reforçada por um impulso que vem de baixo. E assim o imperialismo rapace dará lugar ao manso super-imperialismo.

Examinemos a questão a fundo. Em linguagem econômica, é necessário situá-la da seguinte forma: como se poderia realizar a entente (a fusão) dos trustes capitalistas nacionais? Pois, na realidade, o imperialismo nada mais é que a manifestação da concorrência entre trustes capitalistas nacionais, em uma organização mundial única, em um truste universal, ao qual o proletariado mundial fará contrapeso.

Se partimos de um raciocínio puramente abstrato, esse truste é muito concebível, pois que, de uma forma geral, não há limite absoluto para a “cartelização”. Pensamos assim que Hilferding teria inteiramente razão quando diz, em seu “ Capital Financeiro”:

Se se pergunta onde estão os limites da “cartelização”, é-se obrigado a responder que não há limites. Observa-se, ao contrário, uma tendência da “cartelização” a estender-se constantemente. Os ramos independentes... caem cada vez mais na dependência dos ramos “cartelizados”, em definitivo, são a eles anexados. Esse processo deveria dar como resultado a formação de um cartel universal. Toda a produção capitalista seria aí regularizada racionalmente por uma só instância, que definiria o volume da produção, em todas as suas esferas... Ter-se-ia uma sociedade regularizada racionalmente sob forma antagonista, a qual seria um antagonismo de repartição... A tendência à formação desse cartel universal e a tendência à formação de um banco central conduzem ao mesmo ponto e sua reunião cria a imensa potência concentrada do capital financeiro(6).

Ora, essa possibilidade econômica abstrata não significa, no entanto, que tal raciocínio seja realizável, e é com muita razão que Hilferding escreve em outro lugar:

Um cartel universal, dirigindo a totalidade da produção e suprimindo, assim, as crises, seria economicamente possível; pode-se muito bem concebê-lo economicamente, mas, social e politicamente, essa obra é irrealizável visto que o antagonismo de interesses, que ele levaria ao extremo, acabaria forçosamente por estraçalhá-lo(7).

Na realidade, razões de ordem política e social se oporiam à formação desse truste universal. Procuraremos demonstrá-lo.

Uma igualdade aproximada de posições no mercado mundial é a condição necessária para a formação de um acordo mais ou menos sólido. Se essa igualdade deixa de existir, o grupo que dispõe da posição mais favorável no mercado mundial não tem razão para participar do acordo: é preferível, ao contrário, que leve avante a luta, em razão das esperanças que tem de vencer seu concorrente. Esta é a regra geral na formação das ententes. Aplicada aos trustes capitalistas nacionais, pois é do acordo entre eles que se trata no momento, tem o mesmo valor que nos outros casos. É necessário levar em conta, todavia, duas espécies de condições.

Em primeiro lugar, a igualdade puramente econômica, logo a igualdade aproximada dos custos de produção. Em última análise, esta igualdade de custos de produção repousa sobre a dos valores de trabalho e, em consequência, sobre um nível mais ou menos idêntico de desenvolvimento das forças produtivas. Se a diferença das estruturas econômicas é importante e se há, portanto, desigualdade de despesas de produção, o truste capitalista nacional, cuja técnica é mais elevada, não terá vantagem em particular da entente. Esta é a razão porque — se se toma o exemplo das ententes de certos ramos industriais — a indústria altamente desenvolvida da Alemanha prefere, em suas principais subdivisões, trabalhar isoladamente no mercado mundial. Evidentemente, quando se trata de um truste capitalista nacional, leva-se em conta uma certa média da totalidade de ramos da produção; no caso, a base não é mais os interesses dos grupos capitalistas de tal ou tal ramo de produção, mas os interesses de uma “indústria de conjunto”, onde, aliás, o tom é dado pelos capitalistas da grande indústria, cuja importância econômica relativa aumenta constantemente. Aos custos de produção propriamente ditos, vêm-se a juntar as despesas de transporte.

Além dessa igualdade “puramente econômica”, a igualdade econômica-politica é também condição necessária para a formação de ententes duráveis. Vimos, anteriormente, que a associação do capital com o Estado transforma-se em força econômica suplementar. O Estado mais poderoso reserva-se os tratados de comércio mais vantajosos e estabelece direitos alfandegários elevados em detrimento de seus adversários. Auxilia também seu capital financeiro a monopolizar os mercados do escoamento da produção, os mercados de matérias primas e, sobretudo, as esferas de investimentos de capital. É, pois, natural que, visando às condições de luta no mercado mundial, os trustes capitalistas nacionais levem em conta, não somente as condições puramente econômicas, mas também condições econômicas-políticas. Assim, mesmo admitindo a existência de estruturas econômicas mais ou menos idênticas, se há entre os trustes capitalistas nacionais uma diferença importante de forças militares, o mais forte tem interesse em continuar a luta, muito mais que em participar de uma entente ou uma fusão. Se, desse ponto de vista, examinaremos a situação das nações em luta, devemos reconhecer que não se deve esperar em futuro mais ou menos próximo ententes ou uma fusão de trustes capitalistas nacionais e sua conversão em truste mundial único. É suficiente comparar a estrutura econômica da França e da Alemanha, da Inglaterra e da América, países desenvolvidos, àquela de países como a Rússia (ou quais, embora não entrem na categoria dos trustes capitalistas nacionais, têm uma certa importância no mercado mundial), para compreender o quanto estamos longe de uma organização capitalista universal(8). O mesmo acontece às forças militares. Se a guerra atual revela uma igualdade aproximada entre adversários (pelo menos até o presente momento), não se deve esquecer que estamos em presença de uma combinação de forças que não constitui de forma alguma uma grandeza constante.

Não é possível limitarmo-nos a examinar estas considerações relativas à unificação sob um aspecto estático, temos que examiná-las, sobretudo, em seu aspecto dinâmico. Os grupos nacionais da burguesia, constroem seus planos não somente sobre o que “é”, mas também sobre o que provavelmente “será”. Desde então, é necessário levar em conta a menor possibilidade de um desenvolvimento desse gênero, que permitiria, no fim de certo tempo, a um grupo qualquer ultrapassar todos os outros, ainda que, na atual fase, esse grupo possua política e economicamente a mesma força que os outros concorrentes. Tal circunstância agrava ainda mais o estado de desequilíbrio(9).

O processo de internacionalização dos interesses capitalistas, que descrevemos na primeira parte da nossa obra (participação e financiamento de empresas estrangeiras, cartéis internacionais, trustes, etc.), orienta-se seriamente para a criação de um truste capitalista estatal internacional. Qualquer que seja, porém, o seu vigor, esse processo é contrariado por uma tendência mais forte, que o arrasta para a nacionalização do capital e à restrição das fronteiras. As vantagens que os grupos da burguesia nacional retiram da continuação da luta representam um valor muito maior que as perdas dela consequentes. Não se deve superestimar a importância das ententes industriais internacionais existentes atualmente. Já tivemos ocasião de provar que muitas dentre elas apresentam caráter dos mais precários, e que se constituem em organizações industriais de tipo relativamente inferior, com uma centralização relativamente fraca e englobando frequentemente ramos de produção muito especiais (sindicato de garrafas). Somente as uniões dos setores de produção que se apoiam sobre um monopólio natural (o petróleo) possuem caráter relativamente estável. E certo que, no fim das contas, a tendência à internacionalização será, apesar de tudo, a predominante, mas somente após um longo período de áspera luta entre os trustes capitalistas nacionais.

Seriam, contudo, tão pesadas as despesas militares, a ponto de não permitir à burguesia a obtenção de nenhum lucro? Fatos como a continuação da militarização na Inglaterra, por exemplo, não constituem talvez mais que uma “tolice” da burguesia, que não sabe qual é seu interesse? Absolutamente, não! A tolice é mais própria dos pacifistas ingênuos, nunca, entretanto, da burguesia. Esta sabe muito bem equilibrar seu ativo e seu passivo. O fato é que, em presença dessas objeções, perde-se geralmente de vista a multiplicidade das funções da força militar, a qual, como mostramos anteriormente, age, não só em tempo de guerra, mas também em tempo de paz, representando uma utilidade comum na “concorrência pacífica”. Por outro lado, esquece-se que a carga militar, através do jogo dos impostos, pesa sobretudo sobre a classe operária e, em parte, sobre os grupos econômicos intermediários expropriados no processo da guerra (e, consequentemente, no processo de intensa centralização industrial).

Destarte, o processo material do desenvolvimento econômico opera-se através de uma luta acentuada dos trustes capitalistas nacionais e de outras organizações econômicas. Uma fieira de guerras é inevitável. No processo histórico, que nos espera em breve prazo, o capitalismo mundial orientar-se-á no sentido da formação de um truste capitalista nacional universal para a absorção dos mais fracos. Terminada essa guerra, novos problemas deverão ser resolvidos pela espada. É exato que, em tal ou qual circunstâncias, ententes parciais são possíveis (por exemplo, a fusão da Alemanha com a Áustria é muito provável), mas toda entente ou consolidação só servirá para reproduzir a luta sanguinária em uma nova escola. Se a Europa Central unificar-se e os planos do imperialismo alemão realizarem-se, a situação permanecerá mais ou menos a mesma; mas, se a Europa inteira unificar-se, o “desarmamento” não se realizará por isso. O militarismo retornará mais forte, às antigas lutas suceder-se-á uma luta monstruosa contra a América e Ásia. À luta dos pequenos (pequenos!) trustes nacionais suceder-se-á a luta dos gigantes. Querer pôr-lhe fim, através de métodos de feitiçaria ou de água benta, equivaleria a atirar em um elefante com bolinhas. Pois o imperialismo é um sistema não somente intimamente ligado ao capitalismo moderno, mas um elemento essencial deste último.

Vimos, na segunda parte, em que consiste o caráter específico do capitalismo moderno e de que maneira íe formam os trustes capitalistas de Instado. A toda essa estrutura econômica junta-se uma política bem definida: a política imperialista. Esta política deve ser entendida não só no sentido de que o imperialismo é um produto do capitalismo financeiro, mas também no de que o capitalismo financeiro não tem condições para fazer outra política senão a política imperialista acima definida. O truste capitalista nacional não pode ser partidário do livre câmbio, pois perderia assim boa parte de sua razão de ser capitalista. Com já fizemos notar, o protecionismo permite, de um lado, obter um lucro suplementar e de outro, fazer a concorrência no mercado mundial. Da mesma forma, o capital financeiro não pode, enquanto expressão dos monopólios capitalistas, renunciar à monopolização das “esferas de influência”, à conquista dos mercados de produtos manufaturados, dos mercados de matérias primas e das esferas de investimentos de capital. Se um truste capitalista nacional não toma posse de um território desocupado, um outro o faz em seu lugar. A rivalidade mundial da época do livre câmbio e de quando havia total ausência de organização da produção no interior do país, torna-se impossível em um momento que apresenta uma outra estrutura de produção e que se caracteriza pela luta entre trustes capitalistas nacionais. Esses interesses imperialistas são de tal forma importantes para os grupos financeiros capitalistas, e de tal maneira ligados às raízes de sua existência, que um governo não se detém em face de despesas militares as mais exorbitantes unicamente para assegurar-se uma posição sólida no mercado mundial.

A ideia do “desarmamento” no quadro do capitalismo é particularmente absurda no caso dos trustes capitalistas nacionais que ocupam posições avançadas no mercado mundial, trustes que têm diante de si a possibilidade de subjugar o mundo, um campo de exploração e uma amplidão desconhecida, que os imperialistas franceses chamam: a organização da economia mundial, e os imperialistas alemães: Organiserung der Weltwirtschaft. E é esse ideal “elevado” que a burguesia trocaria contra o prato de lentilhas das “vantagens“ do desarmamento! Quem garante a um truste capitalista nacional que um astucioso rival, mesmo depois de contratos formais e outros compromissos, não recomeçará a luta “interrompida”? Todo homem, que conheça a história da luta dos cartéis, mesmo no interior de um país, sabe quão frequentemente, ao sabor de uma mudança de situação, por exemplo da conjuntura econômica, as ententes desaparecem como bolhas de sabão. Seria suficiente que um só grande truste capitalista nacional, os Estados Unidos, por exemplo, marchasse contra os outros, para que, ainda que estes estivessem “reunidos”, todas as “ententes” voassem pelos ares. (No caso, teríamos uma imensa organização, construída sob a forma de sindicato de uma espécie inferior, da qual os trustes capitalistas nacionais, seriam partes componentes. Um acordo entre os trustes capitalistas nacionais não poderia certamente passar de chofre ao estado de truste centralizado. Um tipo de acordo desse gênero, que implicaria uma luta interna intensa, seria muito sensível à influência das “conjunturas”). Admitimos uma hipótese em que se produziria uma eventual “unificação” formal. Ora, esta não se pode realizar porque a burguesia de cada país é menos ingênua que muitos bravos pacifistas que se esforçam por convencê-la e provar-lhe que ela não sabe quais são os seus interesses.

Todavia., dir-nos-ão, Kautsky e seus amigos admitem que a burguesia renunciará aos métodos imperialistas, forçada por um impulso vindo de baixo. Ao que responderemos: em tal hipótese, há duas possibilidades: ou esse impulso será muito fraco e, então, tudo ficará como dantes; ou essa pressão será antes uma “reação”, e anunciará, então, o início, não de uma nova época super-imperialista, mas de uma nova época de evolução social sem antagonismo.

Destarte, toda a estrutura da economia mundial moderna impele a burguesia para a política imperialista. Assim como a política colonial pressupõe métodos violentos, assim também toda expansão capitalista leva, cedo ou tarde, a um desenlace sangrento.

Os métodos de violência, escreve Hilferding, são da essência da política colonial, que, sem eles, perderia: seu sentido capitalista. Constituem o elemento integral da política colonial, assim como a existência de um proletariado desprovido de propriedade constitui a condição sine qua non do capitalismo. Querer urna política colonial e falar, ao mesmo tempo, em abolir seus métodos de violência, eis uma fantasia que se não pode levar mais a sério do que a ilusão de suprimir o proletariado conservando-se o regime capitalista(10).

Pode-se dizer o mesmo do imperialismo, que é o elemento integral do capitalismo financeiro e sem o qual este perderia seu sentido capitalista; a crença de que os trustes, essa incarnação dos monopólios, tornaram-se agentes de uma política de expansão pacífica é fruto da fantasia profundamente funesta de um utopista.

A época “super-imperialista” é, porém, talvez uma possibilidade que se realizará pelo processo de centralização? Os trustes capitalistas nacionais devorar-se-ão uns aos outros até o momento em que uma potência reinará sobre a derrota de todos? Poder-se-ia conceber essa possibilidade, se se mecanizasse todo o processo social e se ignorassem as forças hostis à política imperialista. Na realidade, uma série de guerra que se sucedem, uma às outras, em proporções cada vez mais monstruosas, devem produzir forçosamente um deslocamento das forças sociais. O processo de centralização, em sua definição capitalista, esbarra fatalmente em uma tendência sócio-política que se lhe opõe, não consegue chegar a seu fim lógico, aborta e termina em uma nova fórmula depurada, não capitalista. A teoria de Kautsky, não é, pois, de modo algum, realista, porquanto considera o imperialismo, não como o inelutável satélite do capitalismo desenvolvido, mas como um dos “lados sombrios” do desenvolvimento capitalista. A exemplo de Proudhon cujas utopia pequeno-burguesas Marx criticou com tanta aspereza, Kautsky tenta suprimir o “sombrio” imperialismo sem tocar na inviolabilidade dos traços “radiantes” do regime capitalista. Sua concepção implica o disfarce das formidáveis contradições que dilaceram a sociedade moderna e, como tal, é uma concepção reformista. O traço mais característico do reformismo teórico está em que constata escrupulosamente todos os elementos de adaptação do capitalismo sem discernir-lhe as contradições. Em compensação, para um marxista consequente, todo o desenvolvimento capitalista nada mais é que um processo de reprodução 'acrescido continuamente das contradições do capitalismo. A futura economia mundial, em sua fórmula capitalista, não está salva dos elementos imanentes que impedem sua adaptação, mas os reproduz constantemente sobre uma base mais ampla. Tais contradições encontrarão sua verdadeira solução em uma outra estrutura de produção do organismo social, na organização social, metódica, socialista da economia.


Notas de rodapé:

(1) A propósito da “escola histórica”, Marx observa, maliciosamente, em algum lugar, que, como Jeová a Moisés, a historia só lhe mostra seu “a posteriori”. Esta observação atinge em cheio os atuais renegados do marxismo. (retornar ao texto)

(2) Ver Heinrich KUNOV: Partei-Zusammenbrauch? Ein ottenes “Wort zum inneren Parteistreit, Berlim, 1915. (retornar ao texto)

(3) Karl MARX: O Capital. (retornar ao texto)

(4) Vimos que não há, para os marxistas, impossibilidade absoluta de vencer o capitalismo. Mas, quando há impossibilidade relativa (como, por exemplo, quando o capitalismo encontra-se no início do seu desenvolvimento), os marxistas não tomam de maneira alguma a si a sagrada tarefa de “implantá- lo”, ou de “frequentar a escola do capitalismo”. Deixam esse cuidado a homens como Strouve e tutti quanti já que têm outra coisa a fazer. (retornar ao texto)

(5) Karl KAUTSKY: Nationalstaat, imperialisticher Staat und Staatenbund e artigos na Neue Zeit dos anos 1914-1915. Nessa ocasião, Kautsky colocou-se bem adiante da posição exposta a seguir, como, por exemplo, na questão do “desarmamento” . (retornar ao texto)

(6) R. Hilferding: op. cit., tradução russa, págs. 353-354. (retornar ao texto)

(7) Ibid, pág. 447. (retornar ao texto)

(8) A fim de evitar mal entendidos, frisemos que esta nossa afirmação não contradiz absolutamente a que expendemos sobre o fato de o desenvolvimento econômico dos países avançados ter criado as “condições objetivas” para a organização social da produção. Sob esse ponto de vista, os países avançados encontram-se aproximadamente no mesmo nível. Não há contradição entre as duas afirmações, de vez que os termos de comparação não são os mesmos. (retornar ao texto)

(9) A burguesia compreende isso perfeitamente. Veja-se, por exemplo, o que diz o professor alemão Marx Krahmann (ver seu livro: Krieg und Montanindustrie, 1.ª edição da série Krieg und Volkswirtschaft): “Tanto na atual pequena guerra mundial, quanto na próxima grande guerra que oporá a América do Norte ao Extremo Oriente, não é possível que um grupo de Estados agrários enfrente uma coalizão de Estados industriais... A paz universal estaria, portanto, assegurada, se os Estados industriais pudessem pôr-se mutuamente de acordo. Tendo em vista que, no momento, essa eventualidade é impossível...” (página 15). (retornar ao texto)

(10) Hilferding: op. cit., pág. 481-482, trad. russa. (retornar ao texto)

Inclusão