Marxismo e propriedade
Um tema que frequentemente nos manteve ocupados é o da fórmula que justamente contrapõe no programa comunista a época histórica pós-burguesa com a atual. O antigo estudo de Prometeo, Volume I, Proprietà e Capitale(1) foi dedicado a este tema. Discutimos e nos aprofundamos, na última reunião em Turim, na fórmula de propaganda mais comum do socialismo do pré-guerra: a abolição da propriedade privada dos meios de produção (e de troca). Metemos o parêntesis porque é assim que está num texto de Engels indicado.
O substantivo “abolição” nunca foi satisfatório. Parece um ato de vontade e cai bem com anarquistas e — logicamente — com reformistas. O adjetivo (propriedade) privada coloca em dúvida se a relação, definida como propriedade, deve desaparecer na sociedade comunista ou apenas trocar de sujeito.
Na busca desse novo sujeito, está no fundo a base dos descaminhos e do imediatismo, o velho e o novo, e sempre filisteu. Será a propriedade passada do setor privado (os grandes patrões, vulgarmente falando) para grupos de produtores, distritos de produção-consumo, ao Estado, à categoria profissional ou até mesmo para as subclasses sociais?
A nossa pesquisa retorna a Turim e aos Corollarii(2) que em suas páginas (ver números 13, 14, 15, 16 e 17) nos conduziram à tese de que nenhum sujeito da propriedade deve ser mantido como nas estéreis ideologias pequeno-burguesas; e não deve sobreviver nenhum objeto: meio de produção ou troca, terra, instalações industriais, nem bens de consumo; nem mesmo bens de consumo individual.
Já que as fórmulas estudadas se faziam terrivelmente resistentes, os Corollarii se dedicaram a provar que essa não é uma tese nova, mas como sempre, uma tese clássica do marxismo, e fazemos isso com as páginas brilhantes de Engels e Marx. Seguimos com a demonstração até estabelecer, com base numa passagem fundamental do Terceiro Livro d’O Capital, que o comunismo não é definível com a passagem da propriedade de terra do indivíduo para a sociedade, porque a relação entre a sociedade e a terra, caso queiramos usar um termo jurídico convencional, não é de propriedade, mas de uso transitório.
Mas, alguns podem pensar que existem enunciados de Marx que fazem exceção à propriedade pessoal, individual dos bens de consumo, pelo menos do trabalhador assalariado que com certeza não a conseguiu como fruto do trabalho de outro. É preciso mostrar que tal modo de pensar não se baseia no marxismo, mas em uma filosofia vaga e estéril da exploração que está na base de um grande número dos falsos esquerdismos atuais (ver Socialisme ou Barbarie de Chaulieu, como teórico não imprudente, mas condenado ao triste círculo imediatista).
Para o marxista, qualquer mercadoria da sociedade atual é capital — já que o Capital não é senão a massa de mercadorias que circulam; e isso é o ABC! — e contém uma parte de mais valor, de trabalho extorquido e não pago. Quem com dinheiro compra e consome aquela mercadoria se apropria do trabalho do outro, mesmo que, no ciclo produtivo, também tenham se apropriado do seu.
Nessas buscas é necessário, quando se encontram essas aberrações de aparência inocente, retornar às características que diferenciam o capitalismo das formas de produção pré-capitalistas e se perguntar qual é no marxismo clássico a definição exata do modo capitalista.
Seria ingênuo dizer que o capitalismo é o sistema no qual há exploração do homem pelo homem, já que a exploração aparece antes em outros modos de produção como a servidão e o escravismo, que não eram capitalistas, e porque nossa definição não deveria se preocupar com a relação entre um e outro indivíduos, mas interpretar por inteiro a dinâmica que se desdobra entre as classes. Até a fórmula de exploração de uma classe por outra, apesar de melhor, não é completa.
Em teoria, pelo menos, é possível uma sociedade de propriedade privada, e portanto nem um pouco socialista, sem a exploração do homem pelo homem e de uma classe por outra. Basta pensar em uma sociedade de pequena produção mercantil ou até em uma sociedade de produtores independentes autônomos, agricultores e artesãos, que consomem apenas os produtos de seu trabalho.
Expropriação, não apropriação
Para a nossa escola, definir o capitalismo não significa definir uma estrutura fora do tempo, mas caracterizar seu aparecimento histórico. Como fica claro em qualquer texto do partido, para Marx, o capitalismo é definido pela separação dos trabalhadores das condições de seu trabalho. O capital se forma com a expropriação dos produtores livres que ao perderem suas terras, instrumentos de trabalho, perdem qualquer direito ao produto de seu trabalho. Estas são as relações e condições das quais são forçados a romper, se tornando apenas portadores da força de trabalho que irão a vender em troca de um salário em dinheiro. O capital não cria o “privatismo” que nós socialistas viemos destruir; isso não é assim tão banal. O capital, em vez disso, “socializa” porque concentra em grandes massas os meios fragmentados que extraiu dos produtores livres, assim obtendo um resultado econômica e historicamente positivo; isso enquanto conduz à vasta cooperação dos trabalhadores. No começo, esse sistema melhor satisfazia, não só as necessidades dos capitalistas, mas de toda a sociedade e até dos próprios trabalhadores, sobretudo no campo dos produtos manufaturados que os pobres do tempo pré-burguês praticamente ignoravam.
A dialética da expropriação dos expropriadores — lida por nós centenas de vezes no Manifesto, no Capital, e no Anti-Duhring — não se reduz à um pecado perdoado, a uma restituição daquilo que foi retirado indevidamente, a um banal “dar a César o que é de César”, como para o fanatismo imediatista; mas, é a soma histórica de um passo em frente a outro, de uma revolução a outra, em geral distantes entre si ao longo do tempo, mas que no geral fizeram seu trabalho.
No capitalismo, a forma de produção mais coletiva substituiu a privada; e em substância a tese também se aplica para a apropriação dos produtos. Estes que eram antes divididos em quantidades mínimas entre os produtores autônomos, que podiam consumi-los ou trocá-los, agora se amontoam em grande parte à disposição dos poucos, e cada vez menos numerosos proprietários de empresas.
A porção de produtos que chamamos hoje de bens capitais ou bens instrumentais (o primeiro termo é melhor porque compreende não só outras ferramentas e máquinas, mas também produtos semi-acabados que passam por outro ciclo de processamento) seguem circulando em grandes quantidades, enquanto apenas a porção de produtos finais que chamamos de bens de consumo encontram no mercado uma oportunidade de serem melhor subdivididos e largamente distribuídos ao serem trocados contra o dinheiro vindo do salário dos proletários, isto é, dos rendimentos dos capitalistas, ou até de outras classes herdadas da sociedade antiga.
O capitalismo, portanto, não é mais um modo de produção individual, mas social e apenas sua forma de repartição é individual. No entanto, essa segunda parte da tese nem mesmo se refere aos bens capitais, que são a maior porção, mas sim aos bens de consumo direto, para os quais todos disputam para adquirir, mesmo que não em quantidades iguais.
Note-se que, nem mesmo esta desigualdade, como a anterior injustiça, serve a nossa doutrina para definir o capitalismo, que é de preferência definido pela supressão da liberdade dos produtores. Tudo isso não impediu sua superestrutura política de ser revestida de igualdade e justiça.
O socialismo virá de fato a propor muito mais do que a subdivisão da terra, dos meios de produção e dos produtos em tantas partículas quanto se tem de cabeças, algo que seria manifestamente absurdo quando se trata dos bens que não são diretamente consumíveis, assim como infantilmente expresso para os próprios consumidores.
Rigor teórico de Lênin
Um escrito de Lênin do fim do século XIX, que nos será útil futuramente, trata do tema vital da teoria das crises, e tem o título (para zombar dos revisionistas): Sobre as características do romanticismo econômico.(3) Talvez os leitores se lembrem que várias vezes aplicamos a definição de romanticismo para a degeneração stalinista da revolução russa.
Esse escrito nos é útil por algumas citações que demonstram como por muito tempo certas formulações, que alguns ainda têm dificuldade de pôr na cabeça, foram a herança pacífica de nossa escola.
Lênin ridiculariza o economista russo Efrussi por sua definição mutilada das crises, que é comum aos grandes Sismondi e a Rodbertus(4) (o alemão afirmou que Marx o plagiou com a teoria do salário). Lênin mostra como tais deformações dos pós-marxistas não fazem mais que repetir os erros que foram superados e eliminados por Marx; podemos estender a verdade até hoje, ou seja, por muito mais que meio século. Keynes e os partidários do estado de bem estar social na verdade entendiam onde Efrussi parou, assim como onde Rodbertus e Sismondi pararam; a crise é uma relação ruim entre produção e consumo, e para resolvê-la deve-se estimular e exaltar o consumo, sobretudo por parte dos trabalhadores assalariados.
Lênin zomba dessa Lapalissada(5) que diz que a crise surge porque não se compra tanto quanto se produz, porque não há equilíbrio entre produção e consumo, ou que o equilíbrio se perdeu pois o produtor (capitalista) não previu a demanda. Aqui está o efeito mas não a explicação da causa. Lenin percebe que o subconsumo é um fenômeno de todas as economias, enquanto que as crises são apenas da economia capitalista.
Malthus e Sismondi se colocam contra os economistas clássicos porque para eles a riqueza social deriva não da produção mas do consumo, Rodbertus deu apenas um pequeno passo em frente, pois culpou o pouco consumo por parte dos trabalhadores e deu origem ao imediatismo reformista e etapista. Seguindo a mesma linha, estão os economistas de hoje que acreditam poder dizer mais que Marx e (como falamos em nosso encontro em Asti) exaltam Malthus que delegou o consumo aos nobres donos de terra e padres para resolver a charada econômica! Na América, o tipo ideal desse sacerdote moderno é o empregado que compartilha dos lucros com seu carro, casa, televisão, etc.
Mas, lancemos a bomba. Lênin desculpa Sismondi e Rodbertus, mas nós não podemos desculpar Chaulieu ou Keynes. Os primeiros não “poderiam” saber que “a base da crítica do capitalismo não pode ser meter simples frases sobre o bem comum (Sismondi) ou sobre a injustiça de uma circulação abandonada para si mesma (Rodbertus), mas é necessário meter o caráter da evolução das relações de produção”. Não tinham como saber porque escreviam antes do surgimento do marxismo.
O que eles não sabiam? Ninguém dirá melhor que Lênin: “as crises são inevitáveis porque o caráter social da produção entra em conflito com o caráter individual da apropriação”. Esse teorema fundamental do marxismo é repetido pouco depois junto de parênteses: “contradição própria de apenas um sistema que é o capitalismo, isto é, a contradição entre o caráter social de produção (que o capitalismo tornou social) e o modo de apropriação privado, individual”.
Lênin acrescenta: “anarquia de produção”, “ausência de um plano para a produção”: o que nos dizem essas (já bem conhecidas) expressões? Exprimem o contraste e a contradição já referidos acima.
Desta citação de Lênin retiramos a noção de subconsumo. Muitas épocas apresentaram esse fenômeno, para o qual se reagiu com a dizimação da população. A era capitalista finge abominar (enquanto persegue) o mito da superprodução, para o qual o sobreconsumo e superpopulação são necessários. É tempo de nos livrarmos de outro complexo imitativo da forma burguesa: a revolução proletária não pode hesitar em atravessar, se necessário para derrubar o capitalismo, uma época de subconsumo. A revolução de Lênin há quarenta anos nos ensinou que não se deve hesitar; no entanto, o objetivo deve ser a vitória do sistema socialista; e não do capitalista. Sobra, todavia, um grande ensinamento para o proletariado e seu partido: a ditadura revolucionária terá o caráter de uma ditadura sobre o consumo, única maneira de desintoxicar os servos do Capital Moderno, e os livrar do estigma de classe que foi impresso em sua carne e mente.
É algo incompreensível para todos os círculos imediatistas: comuna, distrito, categoria e grupos de produtores (temos também de recordar a frase escultural de Marx sobre o controle da sociedade não poder ser passado a uma classe de produtores(6) — ou seja, nem para uma classe não ociosa e não exploratória). E isso é algo que se soma a cadeia de impotência que restringe todas as formas organizativas que não o partido político: sindicatos, conselhos de fábrica, conselhos locais.
A formulação justa
Mais uma vez reivindicamos a forma completa da declaração marxista.
A forma capitalista é a separação dos trabalhadores das condições materiais de seu trabalho. Ao implementar tal separação por meios violentos e até desumanos, o capitalismo transforma a produção individual em produção social, mas mantém individual a apropriação dos produtos.
Os produtores livres expropriados pelo capitalismo são reduzidos a proletários que não possuem nenhuma garantia e vivem de vender por dinheiro sua força de trabalho, dinheiro esse que será usado para comprar parte dos produtos para consumo pessoal, ou seja, para a reprodução da força de trabalho.
Na forma socialista, a produção se mantém social e com isso não há propriedade por parte de ninguém sobre os instrumentos de produção, mesmo a terra ou instalações físicas. Nessa sociedade, até mesmo para fins de consumo não haverá apropriação individual, a distribuição será social e para fins sociais.
O consumo social difere do consumo individual na medida em que a alocação física dos bens de consumo não se dá através da compra mercantil e com meios monetários.
Quando a sociedade satisfaz todas as necessidades — que não contradizem o melhor desenvolvimento social — de seus próprios membros, independentemente de sua menor ou maior contribuição ao trabalho social, qualquer propriedade individual cessa e com ela sua medida (ou seja o valor) e seu símbolo (o dinheiro).
No início da luta do proletariado moderno, foram usadas várias vezes fórmulas incompletas, o que não é dizer que estas continham a expressão integral da doutrina. A isso é atribuída a frequente recorrência das expressões: “socialização dos meios de produção”, ou em vez disso: “respeito pela propriedade pessoal do trabalhador”. Historicamente isso não produziu graves equívocos quando era ainda muito recente o saque generalizado das propriedades mínimas pessoais de instrumentos e produtos dos trabalhadores autônomos. É algo parecido com o que Marx sofreu por terem sido mantidas no discurso geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, frases sobre justiça e liberdade dos indivíduos, do povo, que ele tentou relegar para onde não causariam prejuízos.
Hoje a corrida do capitalismo está em um grau mais elevado da curva, ou seja, aquele que o marxismo clássico previu integralmente; e para que uma fórmula de agitação seja útil à classe operária não basta que combata os poderes constituídos, como era antes.
Continuando o trabalho dos Corollarii, temos o dever de continuar a demonstração que para a Primeira Internacional é feita com a carta de Marx e Engels, para dar cabo a qualquer dúvida que tenhamos tido, onde os outros cortam o marxismo, façamos nossas próprias associações.
Grande esquema da sociedade futura
As investigações sobre literatura marxista — cada vez mais vastas e disseminadas, assim como as obras das correntes que sustentam que é preciso cessar tudo que se refere a Marx (alegando que ele envelheceu demais) — acabaram por rastrear e estampar até simples notas de rodapé que Karl Marx escrevia sobre as páginas dos livros que se dedicava a ler e criticar.
O trecho que iremos utilizar agora merece uma leitura atenta; e é com lamento que o interromperemos com um comentário que retira sua continuidade, ou seja, sua força. O trecho é retirado das notas escritas sobre as obras de James Mill, pai do mais conhecido economista inglês e filósofo James Stuart Mill, que Marx cita extensivamente em suas últimas obras e na história das teorias da Mais-Valia. Se tratam de seis páginas escritas em um caderno de anotações e, mais do que uma crítica ao sistema de Mill (pai), o texto nos interessa como uma excursão livre da mente de Marx sobre o campo da sociedade comunista, da qual ele sempre disse estar alheio.
Precisamos ter em mente que o jovem Marx já tinha desenvolvido a crítica completa do idealismo de Hegel, que ele afirmava ter construído plenamente já em sua obra sobre a Crítica da filosofia do direito de Hegel, que data desses anos. Todavia, a forma de exposição preferida por ele, ainda mais em uma nota não dirigida ao público, não podia deixar de “flertar” com o método hegeliano, algo que ele mesmo admitiu ter feito no prefácio do primeiro livro do Capital, mais de duas décadas depois.
Não é de se maravilhar portanto, que este excerto, que escolhemos como um verdadeiro Manifesto contra qualquer individualismo, imponha a polêmica sob a forma individual de um diálogo entre os personagens “Eu” e “Você” (ou “ti”); o que provavelmente se deve ao fato de que o texto de Mill, ao tratar da teoria da troca entre produtores de bens que satisfazem necessidades diversas, segundo a moda antiga dos economistas do comércio (que ainda não morreu mesmo depois de tanto tempo), baseou toda sua análise que viria em defesa do mercado e da lei de troca no caso elementar de Tício que produziu uma mercadoria necessária a Semprônio.
Marx se apodera desse cenário de uma relação pessoal e começa dialeticamente a partir dela a construção de uma crítica na qual o egoísmo das duas pessoas individuais, mensurável de acordo com os economistas burgueses em valor e moeda e nos termos precisos em que ambas entram num negócio, se eleva para além dos limites baixos e vis de uma sociedade de mercado. É evidente durante todo o texto a preocupação de fundamentar tudo em relações materiais e reais, apesar da forma literária poder ter um sabor abstrato.
“Certamente você, enquanto homem, tem uma relação humana com o meu produto: você tem necessidade do meu produto. com isso ele existe para ti como objeto do teu desejo e de sua vontade. Mas a sua necessidade, desejo e vontade são impotentes em relação ao meu produto”.(7)
Pedindo desculpa pela interrupção, queremos deixar claro que estamos no caso da descrição de uma sociedade de proprietários de produtos. Você não pode simplesmente estender a mão e pegar no produto de Eu, que tanto deseja, porque é proibido pela forma social.
“Mas tua carência, teu desejo, tua vontade são carência, desejo e vontade impotentes para meu produto. Isso significa, então, que tua essência humana, essência que, portanto, está necessariamente em uma relação interna para com minha produção, não é o teu poder, a tua propriedade nessa produção, pois não é a tua particularidade, não é o poder da essência humana o que é reconhecido em minha produção”.(8) Com permissão, traduzimos o sentido: a forma social não reconhece o direito de consumir a minha produção a qual seja o ser humano, apenas o reconhece a mim ou a quem me paga, e passamos a linguagem trivial. Aqui deu uma de Hegel.
“Eles são antes o laço que te faz dependente de mim, pois te põem em uma dependência do meu produto. Longe de eles serem o meio que te daria poder sobre a minha produção, elas são antes o meio para me dar poder sobre você”.(9)
Até aqui é descrita a exorbitante sociedade mercantil. A troca, como substituto em duas fases do escambo primitivo, é descrita pelos diferentes Mill como resultado das vontades livres que sorriem umas às outras quando se encontram. Mas, em vez disso, se tratam de dois atos de consumação de um poder desumano. O meu poder sobre o pão que te tirará a fome é o de te fazer morrer, e você só pode sobreviver caso tenha dinheiro para passar para mim, dinheiro que recebeu porque vendeu uma peça de roupa, que se não fosse comprada acabaria com o comprador morrendo de frio. Um medo infundado do jovem Marx? Mas quem não reconhece aqui o capítulo do Capital sobre o caráter fetichista da mercadoria e o seu segredo, no qual a relação entre mercadorias — marcada por uma franca igualdade aritmética — se torna uma relação entre homens, e se mostra uma relação pior do que a que existe entre lobos?
No recente congresso de filósofos, parece que se preocuparam muito com Marx. Um jesuíta diz que ele foi mais frutífero como filósofo nas suas obras mais jovens, outro professor diz que ele foi mais maduro quando era velho, alguns pró-russos dizem que ele foi sempre coerente. Por agora basta de congressos, mas o nosso ponto de vista é que nenhum dos três grupos compreendeu Marx, e que os alunos de Stálin o transformaram em um “dualista”!
A fuga no tempo
O autor dá então um salto (sem avisar, como sempre faz para confusão dos censores) para além da forma histórica mercantil e, supõe com uma abordagem audaciosa que os cidadãos Eu e Você continuam o seu diálogo; nós sabemos que agora é o Homem Social que fala com si mesmo. Mas o fibóstofo(10) está lá para dizer que nós matamos a pessoa nele, que travamos com nosso coletivismo sua ascensão para a Liberdade e o Valor, pregando o Espírito à matéria para tornar os dois um só.
Marx não se limita a aniquilar seu adversário de todos os tempos com um de seus sarcasmos inflamados. Ele vai mostrar como, tendo matado o egoísmo mercantil no ser humano, este sobe às alturas na alegria de uma vida desconhecida até então.
“Suponhamos que nós tivéssemos produzido enquanto homens”.(11) Precisamos parar; agora o leitor vai querer reler pulando nossa modesta interrupção. Hoje não produzimos como homens, mas como servos e como comerciantes. Uma vez que supomos que produzimos sem sermos pagos e não para sermos pagos, isso significa supôr que nos transportamos para a sociedade comunista.
“cada um de nós teria, em sua produção, afirmado duplamente a si mesmo e ao outro. Eu teria 1) objetificado minha individualidade e sua peculiaridade em minha produção e, assim, fruído tanto de uma manifestação vital individual durante a atividade como, na contemplação do objeto, da alegria individual de saber minha personalidade como um poder objetivo, sensivelmente contemplável e, por isso, elevado acima de toda dúvida. 2) Em tua fruição ou em teu uso de meu produto, eu teria imediatamente a fruição tanto da consciência de ter satisfeito em meu trabalho uma carência humana, isto é, de ter objetificado a essência humana e, assim, de ter proporcionado à carência de um outro ser humano seu objeto correspondente, 3) de ter sido para ti o mediador entre ti e o gênero, de ser sentido e sabido por ti mesmo como complemento de teu próprio ser e como uma parte necessária de ti mesmo, portanto, de me saber confirmado tanto em teu pensamento quanto em teu amor, 4) de ter produzido imediatamente em minha manifestação vital individual a tua manifestação vital, portanto de ter confirmado e efetivado imediatamente em minha atividade individual o meu ser, minha essência humana, minha comunidade”.(12)
Na admirável redação desta passagem, pode-se dizer que o indivíduo e o eu se mantém em jogo como assunto lógico e como categoria filosófica; nada disso é contraditório, mas é um jogo válido de nossa dialética materialista: não queremos chegar à expulsão do indivíduo da história e da sociedade com exercícios metafísicos sub specie aeternitatis (sob o aspecto da eternidade), mas como resultado do desenvolvimento histórico. Parece que o Eu e o Você são as nossas dramatis personae (expressão utilizada para se referir aos personagens principais de uma obra teatral em forma de lista), enquanto que o epílogo é seu confundir em nossa categoria (desconhecida pelas superestruturas ideológicas das épocas pré-comunistas) da natureza humana, o ser social; em que encontramos (no epílogo) o Homem Social dos Grundrisse de 1859 já conhecido por nós, confirmando a invariância histórica do pensamento de Marx, o que coincide com este ponto de chegada de 1844 “sua essência, a comunidade humana, o ser social”.(13)
Não temos motivos para ficarmos surpresos ao encontrar estas frases nos textos de estudo de Marx e não naqueles destinados à publicação. Marx escrevia numa época em que a Alemanha ainda não tinha completado a transição da filosofia crítica (burguesa) para a política revolucionária liberal, que são dois aspectos complementares da luta contra a autoridade teológica escolástica e o despotismo político absoluto. Nós, marxistas, destruímos o indivíduo, mas precisamos historicamente que esse tenha sido emancipado pela revolução liberal.
Marx partiu da crítica de um economista que queria provar que a bilateralidade da troca é uma “lei natural”. Tão poderosa é sua dedução em seu caminho luminoso, que despe a relação da sua caraterística de ir e voltar, de pacto recíproco, e liberta o ato produtivo da condição mercantil. Na sociedade mercantil, o produtor trabalha para encontrar um comprador, como nos diz o texto examinado; mas na sociedade comunista que a irá substituir, o produtor vai trabalhar não para vender e para encontrar o seu “contratante” individual, mas para um fim unilateral, que se explica na sequência gloriosa na qual já não há dependência na produção do outro, nem no dinheiro do outro. O diálogo histórico entre o Eu e o Você já não se desfaz, como sempre aconteceu na história, com a subjugação de um dos dois, nem mesmo com o seu equilíbrio e equivalência numa sociedade de produtores livres, uma democracia mercantil ou, se quisermos, “democracia popular”, uma vã ideologia pequeno-burguesa. O diálogo resolve-se após a vitória do comunismo proletário com a confusão das duas personagens tradicionais na realidade única do Homem Social.
A visão elevadíssima do produtor que tem sua satisfação não na necessidade e consumo do produto do outro, mas apenas no fato unilateral de produzir, e então de fornecer, como definido aqui doutrinariamente, não pode ser compreendida como relacionada à uma sociedade de produtores autônomos, mas apenas a uma sociedade de produtores cooperantes, não mais divididos por alguma fronteira territorial ou estatística.
Trata-se de ter alcançado a forma de produção social integral ligada ao usufruto social integral, na qual o fim da produção não é o consumo do produtor, mas a dádiva de seu produto à sociedade, na qual ele se reconhece.
Como prova de que essa não é uma adição nossa, ou um véu que apenas o século passado nos permite levantar sobre os ditos proféticos, podemos citar as palavras que encerram o texto para nós: “Nossas produções seriam assim vários espelhos desde os quais nossa essência luziria em reflexo”.(14)
A invariância vitoriosa
Mas todos os textos de Marx dispersos pela imensa obra são convergentes. O que expusemos até agora permite-nos integrar a exegese (ou exégésis, no sentido de trazer os fatos para fora) do escrito sobre a propriedade fundiária nos Corollarii de Turim, que continham o teorema clássico ao qual acabamos de nos referir: “Abandonar o solo nas mãos de trabalhadores rurais associados seria fazer a sociedade render-se a uma classe exclusiva de produtores.”(15)
Marx vê a nacionalização das terras — uma medida transitória — como um fato “que produzirá uma mudança completa nas relações entre trabalho e capital e, finalmente, porá de lado a forma capitalista de produção, tanto industrial como rural. Então, distinções de classe e privilégios desaparecerão juntamente com a base econômica sobre que repousam. Viver do trabalho de outrem tornar-se-á uma coisa do passado. Não haverá mais qualquer governo ou poder do Estado distinto da própria sociedade!”.(16)
Lembremos que este texto é posterior a 1868. Que esplêndida invariância! O texto continua: “A agricultura, a mineração, a manufactura, numa palavra, todos os ramos da produção, serão gradualmente organizados da maneira mais adequada. A centralização nacional dos meios de produção tornar-se-á a base nacional de uma sociedade composta por associações de produtores livres e iguais, prosseguindo os negócios sociais segundo um plano comum e racional.”.(17)
Mesmo literalmente, esta passagem é suficientemente clara para se fazer entender que qualquer economia organizada por Regiões (Rússia) ou, pior ainda, por Comunas (China) está fora do caminho histórico que passa pelo socialismo de primeira fase e oferece a única base para chegar ao comunismo total; e então, para convencer do incurável erro doutrinário que é o voto de 23 de agosto de 1958 do Comité Central do Partido Comunista da China, que diz em conclusão: “O objetivo fundamental das Comunas Populares (nas quais o sistema salarial pode ser introduzido!) é acelerar a construção socialista, e o objetivo fundamental do socialismo é preparar ativamente a transição para o comunismo. Parece que a realização do comunismo na China não é um acontecimento de um futuro distante (sic!). Devemos nos servir das comunas do povo para explorar a forma mais prática de transição para o socialismo”. Enquanto outro texto se intitula: “A Comuna, unidade primária da futura sociedade comunista”.
Se possuir uma doutrina não é uma bagagem inútil, essa exploração já foi feita e já não são necessárias sondas espaciais! O caminho não é, como gostam os chineses: comunalismo, socialismo, comunismo; mas é, pelo contrário, concentração nacional, socialismo (internacional e não mercantil!), comunismo.
Mas a passagem de Marx pode ainda levar os leitores um tanto… covardes, a um mal-entendido: de que a descrita sociedade comunista é composta por múltiplas associações, no sentido de que cada uma tem o seu próprio produto e o troca por outros. Isso seria um mal-entendido desmedido. Tornaria a cometer o erro, muito antes superado, de entregar a sociedade às cooperativas de produtores agrícolas ou à sua confederação. As associações de produtores da sociedade futura, cujos membros, por norma, também serão trocados muitas vezes ao longo da vida ativa de um homem, serão associações com o fim único do ato, da alegria de produzir. Não apenas na medida em que seguem um plano racional comum, como na medida em que a sociedade terá se transformado numa associação de produtores, como no mesmo contexto, mas sobretudo como agrupamentos técnicos e não econômicos de produtores que metem todos os seus produtos à disposição da sociedade e do seu plano central de consumo.
Consideramos ter chegado à prova de que, no marxismo invariante, a sociedade comunista não admite a propriedade coletiva (assim como não admite proprietários individuais), nem mesmo sobre o produto do seu trabalho e o objeto do seu consumo. Produzir, viver e gozar são, neste sistema, um só e mesmo ato que se recompensa a si mesmo, e que já não é realizado sob o vil chicote dos apetites do consumo. A síntese dialética trabalho-necessidade só se faz à escala do Homem Social.
Naturalmente — para o filisteu burguês — a história russa já demonstrou que este foi um sonho generoso, louco, impossível.
Mas o filisteu ocidental compreenderá que não pode cantar vitória, quando o filisteu russo cuspir a confissão de que não tem nada a ver com o comunismo marxista.
Os vários materialismos
O que Marx pretende quando fala de materialismo vulgar em oposição ao seu materialismo histórico? Algo semelhante de quando contrapõe a economia vulgar com a economia clássica anterior, embora ambas fossem burguesas. O materialismo vulgar não é o primeiro, mas o que vem depois da Revolução Francesa. Na Enciclopédia há um materialismo filosófico que Marx chama de clássico, e ao qual atribui o poder de levar à destruição todo fideísmo e espiritualismo na sociedade humana. Mas, a vitória da sociedade capitalista interrompe estes desenvolvimentos doutrinários clássicos e reduz a ciência econômica a uma economia vulgar, que disfarça a extorsão da mais-valia e do trabalho excedente, assim como reduz o materialismo clássico de Diderot e d’Alembert a uma filosofia vulgar que não mina a dominação burguesa e faz a apologia da opressão econômica depois de condenar a opressão cultural e jurídica. O materialismo vulgar, como Marx entende, é aquele que mais tarde evoluiu para o positivismo, hoje justamente ridicularizado e cientificizado de Spencer, Comte, Ardigo e várias versões nacionais, que há décadas atraiu os socialistas revisionistas anglo-latinos, enquanto o velho idealismo atraiu os alemães e os russos.
Tentaremos indicar de forma mais linear a distinção entre o materialismo vulgar e o materialismo marxista. Assumamos que, em ambos, são colocados como base e subestrutura os fatos materiais, e que a partir da sua dinâmica se quer induzir a ciência dos fatos e comportamentos humanos e a explicação das opiniões e ideologias humanas. A miopia do materialismo vulgar está em situar essa relação no campo fechado do indivíduo humano.
Para o nosso materialismo histórico, termo que Marx considerava equivalente ao determinismo econômico, a questão é colocada no campo de toda a sociedade e de sua história, e a investigação já não incide sobre o comportamento e o pensamento do indivíduo, mas sobre a atitude e a ideologia das classes sociais e das formas que se sucedem na história.
O determinismo dos positivistas reduz-se a uma causalidade entre a fisiologia e a psicologia; o dos materialistas marxistas parte da economia social para construir sobre ela a explicação do direito, da religião, da moral e mesmo da filosofia das sucessivas épocas.
A primeira visão é estéril e insuficiente e, além disso, segue um caminho obscuro e sem fim. Leva em conta, assim como nós, o efeito do meio físico exterior ao homem, mas em mil particularidades irredutíveis, enquanto nós nos interessamos em circunstâncias e relações gerais, como a que existe entre um clima geográfico e a adaptação e comportamento que induz nas pessoas que o habitam, como uma média constante para todos os indivíduos.
A ciência está muito, muito longe de poder estabelecer, a partir dos dados físicos do ambiente em que vive um organismo humano e do… menu de alimentos que lhe é servido à mesa, a geração de pensamentos no seu cérebro; Pois ainda não foi descoberta a ligação que une o sistema vegetativo e neuropsíquico. Mas no nosso materialismo acreditamos que podemos tratar com rigor científico, isto é, com uma boa redução dos efeitos do erro, a relação causal entre as condições materiais de vida de uma coletividade humana, como a relação com a natureza e as relações entre os homens (entre classes sociais) e as características da sua organização jurídico-política e coisas assim.
A diferença entre os dois materialismos não está, portanto, no fato inventado de que Marx teria abandonado o terreno monista para estabelecer a vazia paridade dignitária entre a natureza e o homem, uma espécie de neo-dualismo, mas no critério fundamental de que nós não passamos pela determinação elusiva que atua no organismo individual e no cérebro pessoal, não procuramos a fantasia vazia da “personalidade”, mas fundamentamos a relação sobre as condições materiais de uma comunidade social e toda a série de suas manifestações e desenvolvimentos históricos.
Sobre esta base, acreditamos firmemente e com uma riqueza de provas históricas, que a influência de uma personalidade é nula para os acontecimentos sociais, e que a história e a sociologia humana devem ser consideradas como um dos campos de descrição em que é permitido considerar o conhecimento da natureza dividido, sem que tal distinção e separação tenham qualquer valor proeminente sobre todas as outras; é por isso que é muito correto dizer que na doutrina marxista a ciência da sociedade humana está incluída na da natureza material; na verdade, a segunda na sua construção deve necessariamente preceder a primeira.
Porque materialismo dialético
Mesmo que o materialismo dialético tenha sido muito mal apresentado por Stálin em seu livro, com o único objetivo de justificar — com concessões a um voluntarismo histórico aberrante — a tentativa de construir o socialismo artificial na isolada e retraída Rússia -, podemos esclarecer agora o quanto se pode admitir a expressão materialismo dialético como equivalente total do materialismo histórico. Não se deve entender que a dialética consiste em dizer que: a economia faz a política, mas depois a política (basicamente reduzida a prática do estado) refaz a economia à sua maneira. Essa é uma inversão das teses e não uma síntese fértil de uma tese e uma antítese. Marx disse que os homens fazem sua própria história, velha objeção de meros remastigadores. É certo que o fazem com as mãos, pés, boca e até com armas; materialmente o fazem, mas o que negamos é que fazem com a cabeça, ou seja, estão longe de “construir” (termo exagerado e do empresariado burguês) sobre um modelo ou projeto, completamente pensado. Fazem, mas não como acreditavam ou tinham noção do que faziam, nem como previam ou desejavam. Aqui está o ponto.
A dialética surge na pergunta: essa impotência, o livre arbítrio humano negado, é de preocupação do indivíduo ou também da sociedade humana?
A resposta marxista para isso é clássica. O sujeito pessoal, ainda mais forte na sociedade de estrutura individualista, é imerso ao máximo nessa impotência de prever e guiar. Nessa sociedade, e sobretudo na que a ideologia é o liberalismo, quanto mais alto o indivíduo está na hierarquia, mais será uma marionete puxada pelos fios deterministas.
Até a sociedade como um todo, enquanto for uma sociedade dividida em classes não possui visão e direção do próprio futuro; haverá nela, no decorrer da história, interesses de classes cujo confronto está coberto de previsões (profecias) e de ideologias em contraste, mas que não chegam à capacidade de prever e preparar o futuro.
Só uma classe, presente na sociedade capitalista, tem interesse na abolição da sociedade dividida em classes, e portanto pode aspirar a capacidade de lutar por esse fim e ter sobre isto uma consciência e uma visão, e essa classe (descoberta pelo marxismo), é o proletariado moderno.
Mas enquanto esta classe vive na sociedade capitalista, a visão consciente de seu futuro não poderá existir em cada um de seus membros, e nem mesmo em sua totalidade, e é tolice esperar tal consciência e vontade na maior parte dela; essa ideia não é se não uma das tantas derivações burguesas que turvam a mente dos proletários e que apenas uma sucessão de gerações pode apagar.
Portanto um indivíduo não pode ascender à visão da sociedade comunista como efeito do reflexo de suas conveniência e interesses pessoais, isso seria materialismo vulgar. E nem mesmo pode concentrar em si a visão da classe e o futuro da sociedade senão como convergência das forças de classe.
A contradição é que o um não pode e a coletividade também não; e isso iria conduzir à impotência eterna não só de querer o futuro, mas de prevê-lo.
A saída dialética dessa dupla tese (que o proletariado pode e não pode; que é a primeira classe que tende à sociedade aclassista; quando ainda não paira sobre a espécie humana a luz que brilhará só depois da morte das classes) está no duplo passo contido no Manifesto Comunista: primeiro período: partido; segundo período: ditadura. O proletariado como massa amorfa se organiza no partido político e se eleva à classe, apenas ao atingir sua primeira conquista que se organiza como classe dominante. Ele vai para a abolição das classes com uma ditadura de classe. Dialética!
A capacidade de descrever em antecipação e acelerar o futuro comunista, dialeticamente procurada não no indivíduo e nem no universal, é encontrada nessa fórmula que sintetiza o potencial histórico: o partido político ator e sujeito da ditadura.
Passividade determinada do indivíduo
A tese que havíamos estabelecido mete no lugar do materialismo vulgar ou burguês, o materialismo comunista. O primeiro joga, até em sua origem clássica, sobre a pessoa. Quando o francês d’Holbach diz: “Nihil est in intellectu quod non sit prius in sensu”, ou seja: “Nada está no intelecto que não tenha estado primeiro nos sentidos”; ele estabelece uma relação direta entre a influência material da natureza sobre o indivíduo e sua manifestação mental, sua opinião. Isso era, até para Marx, um passo em frente, porque permitia superar o fideismo, segundo o qual a mente de cada um é um dado inato (alma) que vem da divindade; assim como no idealismo saxão para o qual — até fazendo pouco de deus — há um substrato ideal que não se desenvolve pelas sensações materiais colocado em todas as mentes.
Mas a posição do materialismo burguês está muito aquém comparado ao nosso. A relação, em Marx, se estabelece pela condição material média na qual vive um determinado aglomerado social e suas correspondentes manifestações no campo do intelecto: a religião, ideologia, arte, cultura e política. A passividade do “espírito” em respeito à matéria na pessoa individual se mantém um fato estabelecido, mas sua mecânica se mantém irreconhecível para a ciência do tempo capitalista, hoje em plena crise degenerativa, que a perseguiu em vão. O pensamento oficial, pior ainda nos congressos filosóficos, não possui a chave dialética para explicar sua contradição. Para o fideísta, Deus pôs tudo na mente do homem (como em qualquer canto da natureza física que o cerca), mas ao primeiro é dada uma personalidade, com livre arbítrio de opiniões e comportamentos, e uma responsabilidade (complemento inevitável do fetiche importuno que é a personalidade) e então o sistema de recompensas e castigos.
O ateu burguês em um primeiro momento jogou fora o livre arbítrio e amarrou a cabeça ao estômago, mas como, para resumir, a sua nova “forma de produção” precisava dos estômagos vazios, autorizou os cérebros relevantes a pensar e opinar, e então fundou o sistema da democracia eletiva geral e da responsabilidade jurídica, chegando a fazer seu Estado de classe dominante a ética social Absoluta. A cultura moderna, na qual sordidamente convergem os desertores da revolução, oscila entre esses dois fantoches de papel machê: o indivíduo responsável, e o ético e cego Estado.
Nós consideramos o resultado da passividade inconsciente do indivíduo mas em nosso determinismo não pretendemos a previsão e a verificação em escala individual. Nós a demonstramos no campo social com a análise histórica (e econômica), e não excluímos que a regra média geral seja contrariada em variados casos individuais, sem interferir em nossa teoria. Não procuramos a prova do determinismo nas opiniões que estão nas cabeças dos homens de um a um, nem a sua ruptura na consciência, vontade e iniciativa de ação da pessoa, mínima ou máxima.
A ruptura no entanto vem, e em geral na história sempre precedeu sua exata consciência teórica. A ruptura que se seguirá à determinação da época burguesa, com cuja ideologia pensavam as vítimas do sistema, em geral vai vir, mas pela primeira vez na história (e portanto não por efeito inato do ato criativo de Deus ou da imanência da Ideia) — e com isso virá a “reversão da práxis” — com a aparência de um sujeito consciente, com vontade e agente da própria iniciativa que não é uma pessoa mas sim o partido revolucionário. Isso exprime a organização da classe proletária moderna, mas mais do que representar a classe em um sentido burguês de uma delegação democrática, a representa em seu programa e em sua futura atuação, representa a sociedade comunista do amanhã, e isso é o sentido do salto (Marx-Engels) do reino da necessidade para o da liberdade, salto que não é feito pelo homem em respeito à sociedade, mas pela Espécie humana em respeito à natureza.
Ortodoxia poderosa
Negação do indivíduo, afirmação do Homem social, da Espécie emergida de sua conturbada pré-história. Se trata do contínuo — e sem acusar cansaço — ato de mostrar que a tese é originária da escola marxista, e que ela limpa o campo de todo imediatismo teimoso e infectado, cujo diagnóstico comum é a paralisia da dialética, universal, não contingente e tagarela, própria do marxismo revolucionário.
Para o primeiro efeito, repetimos o trecho mais clássico de Marx, no prefácio da Crítica da Economia Política. Quando nós fazemos entrar em campo, em vez do indivíduo, o complexo dos homens, não fazemos apenas uma integração quantitativa, de um para muitos, como algo apenas espacial, mas também temporal. A vida da espécie não tem limite temporal comparável ao da Pessoa efêmera; e no marxismo a Produção não mantém apenas o animal humano individual mas é um elo de sua Reprodução. O já citado filósofo Barone(18) (emergido como pessoa de seu determinismo feudal de classe) não havia descartado a hereditariedade: cada cérebro não bombeia apenas pela sensação de sua vida, mas também pela de seus ancestrais. Tal declaração é totalmente científica, mas não menos científica é a constatação, mais que materialista, de que cada um pensa também com o cérebro dos outros, mesmo aqueles que coabitam. Seria brilhante dizer que o cérebro é uma glândula que secreta o pensamento, mas nesse caso seríamos materialistas vulgares, e não esperamos que seja descoberto o hormônio-pensamento; para nós, verdadeiros materialistas, há um cérebro coletivo, e o Homem Social verá um desenvolvimento, ignorado pelas antigas gerações, do Cérebro Social. Mas pensar com a mente dos outros é um fato positivo antigo e contemporâneo.
“Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais.”(19) O texto segue definindo como base as relações de produção que constituem a estrutura econômica da sociedade.
Sobre tal base real “se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social”.(20) Como em nossa fiel reconstrução, a pessoa em cena não aparece de modo algum. Não é a posição econômico-social do indivíduo que determina sua ideologia; isso é dito tantas vezes assim como é dito de um jeito ruim: a fórmula de Marx é: “O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual”.(21) Segue a conhecida apresentação do contraste entre a força produtiva e a forma de produção ou relações de propriedade; a teoria das revoluções (de todas as revoluções). Neste ponto a crítica investe de maneira lapidária, depois de colocar fora de questão a consciência da pessoa e de qualquer sociedade, a mesma: “consciência que a revolução tem de si mesma”. O texto diz: “Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento (e acrescentamos, ainda mais as de conformismo)(22) a partir da sua consciência”.(23)
Onde Marx, pouco depois de ter elencado a série clássica dos modos históricos de produção, enuncia que com a forma burguesa “encerra-se então a pré-história da sociedade humana”,(24) pois as forças produtivas tornaram-se tais que pode-se resolver o antagonismo entre relações e forma de produção, portanto a transição à uma sociedade sem classes; é especificado que essas relações burguesas, as últimas a serem antagonistas, são “antagônicas não no sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida dos indivíduos”(25)
É portanto rigorosamente clássica nossa redução do fator individual a zero na história, na revolução, e na revolução comunista. Assim como a eliminação da pessoa individual como sujeito da ação revolucionária, e até do antagonismo social (luta de classes).
Epicédio do imediatismo
A forma democrática do oportunista é a forma clássica (assim como infame) da Segunda Internacional, enterrada por Lênin e exumada por Kruschev, que diz ser possível com o mecanismo parlamentar a maior parte da atuação do socialismo. O tosco raciocínio é uma paródia vil da fórmula polêmica do Manifesto: o comunismo é o movimento autônomo da maioria imensa no interesse da maioria imensa.(26) Nesse caso, a revolução proletária seria a primeira a… não ser uma revolução e a resolver de maneira incruenta o contraste entre força produtiva e forma de propriedade, o antagonismo social próprio da forma anterior, do tempo capitalista! A negação marxista de tal possibilidade está na tese base do determinismo: a ideologia dominante de cada época é o reflexo superestrutural de sua base econômico-produtiva: a propriedade capitalista hoje. A ruptura da superestrutura seria então, o efeito da ruptura em sua base; os operários, classe oprimida, se moveriam em massa para a revolução violenta, mas só depois adquiririam — em massa — a nova superestrutura: a ideologia comunista. Consultar previamente suas opiniões, mesmo que a maioria dos eleitores sejam proletários, significa tornar impossível a revolução assim como eternizar o capitalismo.
Aqui está o fundamento de todo o oportunismo, assim como dos reformistas do começo do século, legalistas revoltados, assim como é hoje com os elogiados marxistas-leninistas paridos por Stalin e chocados por Kruschev e galinhas similares.
Mas falamos disso para resumir uma negação análoga da tese base, do princípio primeiro do marxismo quanto às posições imediatistas. Essas fazem parte do oportunismo? Sem dúvidas sim, quanto sua substância, mas um pouco menos quanto sua forma; ou seja, é falsa a “consciência que têm de si mesmas”. Como uma espécie de Sífilis terciária. Não é mortal, mas é hereditário: é preferível o contrário.
A posição libertária é incorrigivelmente individualista. Adquirida a consciência que a sociedade é injusta, o rebelde, com sua generosidade talvez heróica, considera que dela saiu: o espírito antes do corpo. O exato inverso do determinismo. Quanto aos outros, não querem usar sua violência: gostariam de dizer que aceitam a posição de Marx-Engels: a revolução é um fato autoritário por excelência. Todos então deveriam liberar deveriam se libertar subjetivamente, e começando tanto com a pessoa como com a superestrutura. O reverso do marxismo. (Apenas isso nos importa: qualquer um pode negar o marxismo… até que o verdadeiro marxismo chegue ao poder).
A posição trabalhista, que engloba tanto o trabalhismo de direita quanto o sindicalismo de esquerda, cai na mesma análise. Não é um partido político que deve conduzir a luta revolucionária, mas as organizações econômicas nas quais estão todos os trabalhadores e apenas os trabalhadores; é o que dizem. Mas a associação de trabalhador com trabalhador (e então no limitado círculo da categoria) não impede que o trabalhador, que vive como assalariado na relação burguesa de produção seja destinado à ideologia burguesa superestrutural. Associar os trabalhadores comprimidos pelas relações capitalistas, e acreditar que assim se estabelecem as condições da sociedade socialista, esse é o erro colossal. Pedir que tais organismos de proletários, e suas democracias internas, elaborem doutrina e programa e que dirijam a ação, aqui está a ilusão imediatista. Tal mecanismo não se elevará para além do contato imediato com a estrutura burguesa de produção, assim como com sua ideologia derivada, que deve ser destruída antes de ser negada; e que por tal via não seria negada e nem destruída.
Uma negação do imediatismo que está na raiz de qualquer falso esquerdismo (imputável a todos os grupos históricos que não nossa dita Esquerda italiana) é admitir, em acordo com o marxismo sadio, que assim como um membro da classe operária pode muito bem estar no partido da classe dominante, ao contrário pode muito bem estar no partido revolucionário aquele que não seja membro da classe oprimida. Por uma via mediada e não imediata, a revolução recebe a contribuição de elementos que não tem interesse direto nela. Isso é incompreensível para o imediatismo.
Mas como diz o Manifesto, valorizando a história social, ao descrever o ápice revolucionário: “em tempos em que a luta de classes se aproxima da decisão, o processo de dissolução no seio da classe dominante, no seio da velha sociedade toda, assume um carácter tão vivo, tão veemente, que uma pequena parte da classe dominante se desliga desta e se junta à classe revolucionária, à classe que traz nas mãos o futuro…”(27) e continua; mostrando que os ideólogos burgueses se juntam ao proletariado e à revolução, como aconteceu com a nobreza iluminista, com os filósofos ou talvez os sans-culottes.
Aqui o imediatista é dupla ou até triplamente mais hipócrita e demagogo: o perigo oportunista não estaria na cegueira imediatista, mas em aceitar ideólogos e dirigentes não operários! Onde se encontrará o remédio? A nossa resposta é sem hesitação: no partido político, uma vez que tenha superado seus males oportunistas e imediatistas, e se afirme como critério decisivo que prevalece a causa da revolução a despeito de qualquer maioria consultiva.
É recente nossa citação de Engels no fim de sua vida, tão obscura e desinteressada quanto a de Marx: “No nosso partido podemos por certo admitir indivíduos de todas as classes da sociedade, mas de modo nenhum podemos admitir quaisquer grupos de interesses capitalistas, médio-burgueses”.(28) Reduza o partido depositário da revolução a um complexo de ligas econômicas ou de conselhos empresariais, e pode-se gabar o quanto quiser de como ele é estritamente operário, mas na verdade o terá tornado escravo da influência pequeno burguesa e burguesa. Os exemplos históricos disso são incontáveis, principalmente o inglês. Não lembraremos então da posição decisiva de Lênin sobre tal ponto, ilustrado em nossos estudos russos como em Que Fazer? e da práxis histórica revolucionária bolchevique, na condenação de todos os ridículos “economismos” e “corporativismos”.
A via revolucionária direta só pode estar ligada à classe trabalhadora. Mas não basta uma colagem rápida, uma adesão inerte. Existem, termos mediados dialética e dinamicamente, indispensáveis e capazes: a teoria revolucionária do determinismo histórico, o programa da sociedade comunista, a organização partidária, a única em que se realizam o sujeito e o motor, a vontade e a força da revolução completa.
Liberdade e valor
Um dos temas do congresso filosofante comoveu os stalinistas, que não souberam entender como o tema Homem e Natureza é trazido com intenções burguesas, e a isso se aplica conformisticamente o binômio banal: Eu e Cosmos, levando à criação de duas esferas autônomas e pior, a tornar o Cosmos uma deformada função do Eu; e certamente não são os ex-marxistas oportunistas ou imediatistas que saberão propôr a formulação correta: Natureza e Espécie, com a qual não se constrói um dualismo, mas um monismo que atribui à ciência das espécies o lugar de um dos setores da natureza, com uma metodologia científica própria, ou como uma filosofia única, até que o substantivo e a profissão tenham sido abolidos. Somente enquanto falarmos de filósofos se discutirá a nobreza ou a dignidade dos elementos: mas se por um momento quiséssemos entrar no uso de tal linguagem, declararemos então mais Beleza, Harmonia, e dignidade na natureza extra-humana que ofereceu até agora a história da natureza humana.
Estaríamos de certo modo no segundo tema do congresso, também binomial: Liberdade e Valor. Os ex-marxistas também pastaram no campo da ideologia pequeno-burguesa; se trataria de uma eterna e frenética busca na qual a humanidade é lançada tragicamente; e todas as batalhas revolucionárias teriam chegado ao mesmo tema: dar um passo em direção à Liberdade absoluta e à Descoberta do verdadeiro valor da vida. Os mais audaciosos dos filósofos admitiram que esta corrida não terminou, porque o Homem — sempre pensando na pessoa — mesmo não sendo mais escravo ou servo feudal, ainda não é livre. Mas não porque é fabricante assalariado das mercadorias, mas sim porque agora usa a violência nas guerras de Estados e de classes, usa do poder totalitário e da repressão das opiniões. Portanto, uma vaga aspiração sobre o fim da “exploração” e da guerra, que os impediu de falar de liberdade e de valores. Semelhante proibição do pacifismo e do tolerantismo foi assumida pelos stalinistas em uma reunião com a exigência fundamental marxista: a do humanismo! E aqui está outro horrível lugar-comum que está abrindo caminho para vários dos repertórios filisteus.
Deve-se gritar bem forte que o marxismo revolucionário não tem nada a ver com a enunciação vaga do humanismo, que historicamente se pode definir de diversos modos, mas todos imensamente distantes de nós.
Historicamente se chamou os humanistas dos primeiros burgueses que no campo da arte e da filosofia reagiram à dominação teológica redescobrindo os valores reais e não místicos da vida pagã clássica. Valores úteis à revolução burguesa no sentido amplo mas que não tem nada a ver com a revolução proletária, que vai contra a burguesia ateia assim como contra a mística. Mais modernamente, o termo humanismo, usado em excesso, não é mais que o disfarce de todos os enganos com que determinados setores do mundo capitalista saqueador recitaram sua comédia infame, causa primeira das traições oportunistas, da condenação à agressão, da crueldade, do personicídio e do genocídio.
Para essas pessoas, Marx colocou classicamente que o caminho necessário da história até agora, para outra fase ainda por vir — pior se não prevalecer nossa teoria ultra otimista na qual somos a última das sociedades de classe, como gostariam os filisteus — foi trilhado passando por pessoas e indivíduos, e portanto seus corpos e seus “espíritos” humanos; e também, é muito legítimo acrescentar mesmo que não tenhamos a citação em mãos, sobre povos inteiros (e algo sobre isso é de conhecimento da civilidade da América Ultra humanística!)
A posição marxista
O primeiro tema do Congresso que uma série de professores fez em Veneza deu a deixa para nossa pequena reunião em Parma destacar nossa tese anti-individualista que desata os nós do antigo emaranhado entre monistas e dualistas, entre matéria e espírito. O segundo tema, além das conexões óbvias entre os dois, nos ofereceu a oportunidade de reiterar nossa tese antimercantilista. Assim como somente nossa revolução — e pela primeira vez — dará o salto para fora do personalismo, assim como sozinha e pela primeira vez sairá de outra praga multiforme: o mercantilismo.
A categoria valor, em voga atualmente, não é senão a mesma superestrutura vazia da base econômica do valor de troca, própria da economia do mercado. Não compomos o desfile de caçadores dos novos valores, nem mesmo tomamos sua frente. Quando o produto do trabalho humano e o próprio trabalho não tiverem como fim a troca por outro produto, ou por meios monetários, e trabalhar e produzir tiverem como fim a alegria intrínseca sem a barreira do consumir, aí então não restarão valores ideológicos em torno dos quais se discutiriam literária ou congressualmente. Assim como a categoria liberdade, que historicamente tinha sempre o significado da luta dos homens contra os opressores, perde seu sentido subjetivo em uma sociedade sem antagonismos, pois não haverá trabalho mercenário, e a liberdade não terá mais como sujeito a pessoa ou a classe oprimida, mas o Homem Social, que não poderá perdê-la se não pelo limites da necessidade física natural; assim a categoria valor esvaziada no campo econômico, desaparecerá como tema de exercitação verbal, por trás da qual é nula.
Podemos ler poucas páginas adiante na Crítica da Economia Política:
“Atividade útil que busca a apropriação dos produtos da natureza sob uma ou outra forma, o trabalho é a condição natural da existência humana, a condição, independentemente de todas as formas sociais, do intercâmbio da matéria entre o homem e a natureza. Ao contrário, o trabalho que cria valor de troca é uma forma de trabalho especificamente social”.(29)
O texto dá o exemplo do alfaiate que produz roupas, mas não valores de troca, na qualidade de trabalho específico, mas o produz hoje como trabalho abstratamente genérico, que é próprio de um certo nexo social (mercantilismo artesanal ou capitalista) “que não foi costurado com a agulha do alfaiate”.
Na antiguidade, os tecelões produziam as roupas sem produzir seus valores de troca, acrescenta Marx. E nós seguramente acrescentamos: na sociedade comunista, serão produzidas as roupas, como qualquer outra coisa, sem produzir valor de troca. Socialismo — sempre o diálogo com Stálin! — é a economia sem valor de troca (no estado inferior e no superior).
Se então os marxistas, em sua concepção, eliminam o valor da estrutura econômica de base, quais valores restam para buscar na superestrutura? Onde surge um valor econômico, pela lei da troca por outro, esse desaparece. Se forma valor onde se forma exploração. A mesma abolição da exploração econômica é uma fórmula (ver acima) inadequada e historicamente incompleta; e dizemos mais exatamente que se tratará da abolição de qualquer valor de troca e de qualquer produção de valor de trabalho. Se não forem produzidos com o trabalho, quais valores deveriam sobreviver na esfera, que abandonamos aos filisteus, da pesquisa “filosófica”? Em conclusão o binômio liberdade e valor ecoa com um certo significado no único ambiente de uma sociedade, como a atual, na qual a enganação do homem seja, não digamos um acidente mais ou menos criminoso, apenas a razão muito íntima da sua estrutura no produzir e no consumir, e portanto no pensar.
A busca da liberdade e do valor então não interessa ao marxismo revolucionário, que na doutrina de seu partido estabelece a luta do proletariado de maneira absolutamente diferente de qualquer participação em um concurso universal por uma nova fórmula para esta série enganosa que as sociedades antagônicas ofereceram aos homens em sua pré-história. Na presente época burguesa, na qual não resta um único degrau a subir, essa série vê seu fim, enquanto é a rival e mais hostil negadora, assim como a mais merecedora de uma destruição totalitária, dos valores mentirosos sobre o qual sobe tortuosamente — degenerando agora ao limite extremo — em suas mascaradas oficiais.
Pessoa e Partido
A armadilha vulgar que nossos adversários tendem a usar na formidável construção marxista da teoria do partido revolucionário consiste em reapresentá-la tendenciosamente, depois de nossa crítica ter superado o problema da relação entre o indivíduo e a sociedade, o da relação entre a pessoa e o partido e, em outras palavras, o velho argumento do líder e das hierarquias. Tal argumento diz respeito a toda forma de organização e não apenas ao partido político, pois todo tipo de organização tem seu famigerado “aparato”. Assim, em várias circunstâncias (entre outras, a Reunião de Pentecoste),(30) mostramos que se existem perigos, eles podem ser domados e superados apenas na forma-partido ao contrário de todas as outras, cujas histórias estão cheias de fenômenos degenerativos que acompanharam as ondas de oportunismo. O clássico “bonzismo”(31) dos dirigentes, tratados com grandes salários e tornados invioláveis por uma estúpida reverência, contra a qual nos degladiamos no tempo de Lênin, era o tecido conjuntivo da Segunda Internacional e havia se espalhado para as formas sindicais e eleitorais, o que sufocou a vitalidade dos centros orgânicos do movimento político e os subjugou. Aqui está o ponto crucial da crítica leniniana destrutiva ao oportunismo em todos os países.
Ao responder a essa insinuação dos detratores do marxismo, não esqueçamos que não defendemos o “partido” em geral, um partido histórico qualquer entre tantos, mas a forma especial e única que é o partido revolucionário que primeiro e sozinho personifica a tarefa histórica da classe proletária moderna e faz dessa não apenas um fim em si mesma, mas um meio para a realização do programa comunista. O socialismo, disse Engels em seu primeiro esboço catequista do Manifesto, é a doutrina das condições da emancipação do proletariado. Não menos geral é a citação da frase de que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. Essas são posições em confronto dialético à alegação de que o proletariado moderno já foi emancipado do liberalismo burguês como etapa final e a pior, desenfreada atualmente, de que ele pode ser emancipado da massa “popular” pequeno-burguesa ou do populismo.
Assim como outra máxima bem conhecida de Lênin, de que a revolução deve servir ao proletariado, mas não o proletariado à revolução, deve ser entendida dialeticamente (cada tese nossa deve ser utilizada depois de esclarecer a antítese que a ergueu historicamente) no sentido de que a classe trabalhadora não é uma força a serviço de qualquer revolução (falava naquele momento da que criou a República de Weimar alemã), mas que a luta revolucionária deve ser conduzida para os próprios fins do proletariado, ou seja, para o programa comunista.
A alegação de que os dirigentes arruínam tudo é um recurso secular da polêmica antissocialista dos nascidos em berço de ouro, que diziam aos trabalhadores: querem se unir para se defenderem de si mesmos? Bem, vocês precisarão daqueles que os organizam, e terão de fazer por eles os mesmos sacrifícios que afirmam fazer por nós, seus patrões. A modéstia ultramoderna, como solteironas amarguradas da revolução, contra a reivindicação corajosa, leal e desinteressada da ditadura do partido comunista como a única forma real da ditadura do proletariado, é apenas uma enésima edição desta tradicional objeção reacionária.
Pelo contrário, a única forma de evitar a degeneração bonzista é aquela em que a declaração aberta de que o partido tende a ter toda a direção da luta revolucionária não será substituída pela hipócrita oferta de consultar democraticamente a massa, mais ou menos popular, para se pôr à serviço da vontade manifestada por ela, qualquer que seja. A fórmula servir ao proletariado, na experiência prática antes de tudo, tem sido usada por todos os traidores históricos da revolução, vendidos e demagogos; e além disso ecoa uma porca mentalidade burguesa. Servir (o lucro é maior para quem melhor serve) é a marca do Rotary Club internacional, ou seja, da organização mundial de predadores de mais-valia, interessados em mostrar que seu fim é o bem universal comum.
A história das provações do partido operário de classe, longa e sangrenta, terminará quando o partido tiver superado a fase vergonhosa do cortejo estúpido do proletariado, que com ele quer tornar eleitor ou pagador de contribuições sindicais, mas sem sacudí-lo revolucionariamente das correntes de sua servidão, menos visíveis e contra as quais nenhum heroísmo é suficiente, que ele carrega dentro de si.
Não refaçamos então a história e os perigos da forma apartidária. Seria um remédio, por exemplo, como alguns ideólogos chineses parecem se iludir, descentralizar do Estado para a comuna local, frente ao perigo de líderes prepotentes ou de temidos grupinhos e gangues de poder, e similares histórias criativas dos esquerdistas? A essa infantilidade basta se responder com um episódio que se reconta aos jovens há séculos. Júlio César, a antonomásia de ditador (na presença do qual os modernos não passam de pobres mijões pendulares), ao atravessar um vilarejo alpino pobre, exclamou com coragem: “Prefiro ser o primeiro neste vilarejo do que o segundo em Roma!
Se a pessoa é um perigo — na verdade ela não passa de uma divagação milenar dos homens nas sombras que os separam da história de sua espécie -, a maneira de combatê-la está apenas na unidade qualitativa universal do partido, na qual se realiza concentração revolucionária, para além dos limites da localidade, da nacionalidade, da categoria de trabalho, da empresa-prisão-perpétua dos assalariados; na qual vive em antecipação a futura sociedade sem classes e sem trocas.
O partido “carismático”
Burgueses divididos e alguns esquerdistas que deram errado, vendem como um remédio para as formas recentes da degeneração burguesa, à oligarquia, aos grupos pretorianos, gangues criminosas, bandos de vampiros de poder e outras figuras quadrinescas das quais estão cheias a imprensa e a tagarelice atual sobre a ingenuidade dos idiotas, uma “garantia” não menos idiotamente emprestada do arsenal burguês, a “democracia”, transportada pela universalidade constitucional aos campos mais restritos — onde é principalmente uma ilusão inútil — da classe e do próprio partido.
Dentro dos limites históricos bem definidos, o mecanismo eleitoral e consultivo tem um certo jogo, enquanto não pode mais sair do círculo mercantil e constitucional burguês, mas pode servir para afiar — para fins nitidamente contrarrevolucionários — certos delitos extremos de desadministração e exploração, que beneficiam a componentes isolados da classe dominante mas não a causa conservadora da própria classe dominante. Mas também nesse campo concreto, queremos relevar, a garantia de que o abuso seja evitado ou reprimido não está na autonomia periférica ou de categoria mas na extensão do círculo de organização e de poder, que à medida que se estendem e se elevam, valem por instâncias superiores e de poder corretivo comparadas às inferiores e restritas.
A organização interna do partido tem sido capaz e poderá servir-se para fins puramente mecânicos, de tal sistema parecido, que, sem dúvida, tem as formas de uma hierarquia, mas não contém, na virtude de sua engrenagem, qualquer “garantia” contra crises históricas, cuja causa está em outro lugar. Assim, por décadas e décadas a Esquerda deixou claro que o partido contingentemente não é infalível, e que sofre dialeticamente em sua estrutura com os efeitos de ações externas; ele sofre doenças e crises, e paga o preço, com divisões curativas e longas esperas históricas, por ter se desviado da doutrina clássica invariante, por ter confundido sua organização interna e sua manobra estratégica: daí nossa condenação de blocos, frentes, fusões, redes infiltradas em outros partidos e assim por diante. Não é esse o lugar para mostrar como todos os colapsos no oportunismo são historicamente ligados a episódios dessa natureza, e a “história” da luta da Esquerda, em preparação, mostrará isso melhor.
Esse árduo problema da vida contemporânea é visto de modo banal pelos ideólogos burgueses que tratam metafisicamente de uma evolução na estrutura de todos os partidos modernos, em geral, em todos os países, e qualquer que seja seu programa, ou como melhor dizemos, a sua base de classe.
Na revolução liberal, teria se desenvolvido a forma saudável e pura do partido político, baseada na democracia interna e na livre adesão dos membros que se dava pelo fato de opiniões nutridas, de confissões. Esse mecanismo é apresentado como uma predominância da “cultura” sobre a “política”. Ele não exclui que o partido genérico tenha uma hierarquia, mas se desculpa por ela de acordo com um esquema ingênuo: o líder será o mais erudito e sabido, e a liderança política, no doce século XIX liberal burguês, seria conduzida por mestres sobre alunos, de modo que a autoridade nos partidos teria um conteúdo intelectual. Esse aparato político seria até mesmo um corretivo para a pesada burocracia administrativa!
É óbvio todavia, que a panaceia era a democracia e que, nesses partidos-escolas, os alunos elegiam a si mesmos como mestres. No século passado tal ilusão caiu por terra, isso porque surgiram os “partidos de massa”, nos quais as bases perderam seus direitos democráticos e os líderes vieram de cima e foram misteriosamente aceitos. Toda a explicação que nos é dada para essa regeneração histórica consiste em dizer que o gregarismo segue o líder e a corte próxima que o apoia porque vê nele um “carisma”, ou seja, uma graça divina, que só ele possui e pode administrar aos outros se quiser. A cultura seria mandada à merda, a política colocaria a “cultura” sob seus pés, na sociedade do século XX. O líder não se torna o líder por ser o mais sábio, mas é sobre sua palavra que se faz o texto e o Lider; embora seja um idiota, torna-se o Melhor.
Força ou razão
Conduzimos notoriamente a crítica da concepção de partido de massa e da forma de liderança dos partidos comunistas introduzida na Terceira Internacional sob o nome deformado de bolchevização; mas nunca quisemos ver essa nossa crítica confundida com aquela que pode ser ditada por posições apologéticas da democracia genérica, que idealiza um tipo bom para partidos de todas as cores e deságua para onde desaguaram os stalinistas, como facilmente previmos: em um pacifismo social raso.
São então duas questões muito distintas: a natureza do partido comunista e a evolução da forma do partido nos tempos burgueses, ou a relação política-cultura.
Essa fórmula atual, do capotamento de uma relação mais próxima em favor do termo política e contra o de cultura, já foi encontrada atribuída em artigos do Perticone ao notório sociólogo alemão Max Weber, que, pelo menos na época da outra guerra, teria teorizado o partido “democrático-cultural”, sendo então atropelado pela ilusão hitlerista-stalinista. Portanto, são sempre os ex-semimarxistas que ficam no caminho.
Interessa estabelecer, antes de falar das mais recentes formas totalitárias e da explicação-deploração “carismática”, que o marxismo nunca teve nada em comum com uma teoria “dos partidos” em que estes têm em sua dinâmica o equilíbrio ponderal das opiniões de seus aderentes. Em nossa concepção de partido revolucionário, este tem sua própria doutrina, e todos os seus componentes a aceitam e compartilham, mas não é por isso que tenham o poder de mudá-la com consultas numéricas a cada rajada de vento, porque ele nasce coletivo, mas unitário, pela força dos acontecimentos históricos e não por uma associação de células subjetivas. Mas é a concepção de um único partido.
Quanto aos outros partidos, rimos da lenda de uma época de ouro, democrática, e do tipo escolástica e miúdo-instrutivo. Na revolução burguesa, eles também se assentavam na ditadura e no terror; eles se diziam iluminados, mas essa ilusão foi destruída não por Marx, mas por Babeuf, quando teorizou que, na luta social, a força tem mais direitos do que a razão; e, portanto, o partido racional visto por Weber não tem qualquer origem proletária-socialista. Ainda estamos lá; a escola dos proletários será a revolução vitoriosa, que por enquanto pede deles mãos armadas, mas não pode pedir um diploma político; mesmo aos membros do partido não se pede que façam um “teste de cultura”. Desde as lutas da Segunda Internacional, a esquerda tem zombado da tese do partido “culturista”.
Desde que surgiram, os partidos burgueses expressam e defendem interesses de classe, e não opiniões professadas e cristalizadas: os muitos partidos de classe média e pequeno-burgueses constituíram mecanismos para a transformação das exigências do alto capital em superstições políticas das classes médias e da dócil pequena-burguesia. Aqueles que mais recrutaram seus adeptos nas classes “intelectuais” são aqueles que viram menos claramente a história e a sociedade, e forneceram heróis ingênuos para as explorações e conquistas do capitalismo europeu, deixando-se serem inculcados como ideais os seus apetites obscuros: em todo o Ressurgimento italiano, encontramos só uma grande exceção a essa racionalidade corrompida e ao “culturismo” da luta política, no marxista que não teve tempo de ler Marx, Carlo Pisacane, e que no entanto, deu sua vida à causa nacional, morto pelo campesinato analfabeto e aclassista, antes que o fosse pela polícia.
A ridícula era dos grandes
Enquanto que a contraposição feita por Perticone entre a fase dos partidos de democracia voluntária e os de disciplina cega frente a um centro motriz, reconhecido pela base em determinados nomes ou, pior, em um único Nome; — onde se remove todo saudosismo à la Weber pelo primeiro tipo, assim como se remove qualquer perspectiva de sua reparação futura em uma nova montanha-russa liberal pluripartidária (que nunca foi jogada no passado realmente) — só pode ser compreendida enquanto se realiza a crítica à degeneração contemporânea da sociedade burguesa, deve-se saber que não se deve diagnosticar metafisicamente o caminho contrário seguido por exemplo pelo partido de Stalin, e pelos de Hitler, Mussolini, ou digamos hoje, De Gaulle.(32)
A característica dessas organizações monstruosas, cuja causa real é a passividade das massas em uma sociedade em decomposição, passividade essa que não é efeito de uma falta de “cultura” ou de “mestres”, mas da falta de uma força mecânica revolucionária por conhecidas causas complexas e remotas; é o estranho absurdo de que de todos os lados, o moderno sistema “carismático” — que torna o líder um ídolo em todos os lugares e sob todos os céus e climas (como é frágil e caduco!) — se defende justamente fazendo apologia da estúpida panaceia democrática e se vangloria de adesões consultivas e plebiscitos de supostas “consciências”.
Os Estados totalitários como a Alemanha, a Itália e o Japão foram varridos pela guerra e, com eles, seus partidos governantes. Entre os vencedores, os ocidentais são democracias parlamentares permanentes e, sob essa forma jurídica, são sempre os mais esforçados em organizar os países do mundo sobre os quais têm influência. A Rússia e os Estados ligados a ela internamente mantiveram o sistema monopartidário e não têm partidos concorrentes no poder; mas a política conduzida no exterior pelos partidos nomeados comunistas é inteiramente sobre a apologia aberta da democracia eletiva, que eles exigem dos governos locais. Na polêmica entre os dois blocos de Estados e partidos, a reivindicação democrática está sempre na linha de frente, e a acusação mais frequente é a de que eles ofenderam a manifestação eleitoral da vontade popular. Cada um dos concorrentes usa como verdade óbvia a acusação de que o outro comete tal infâmia.
Apesar desse desperdício de invocações à soberania popular de base ampla, toda vez que essas potências mundiais se reúnem, continua sendo uma regra comum, e aceita em contradição por cada uma delas, que os milhões de homens cujos interesses (nem vamos dizer cujas opiniões) estão em jogo são espectadores distantes de uma reunião de quatro ou cinco pessoas acampadas no alto da cúpula que representa os quatro ou cinco governos dos Estados mais monstruosos, e tudo é decidido, nesse mundo democrático e popular, por esses cinco no máximo, “grandes”; isto é, por cinco tipos entre dois bilhões de membros da espécie humana, todos “democrático-soberanos”; por cinco figuras eleitas responsáveis por um poeta esquecido, ironicamente citado como o mais belo hendecassílabo da literatura italiana: “Ó gran’ piramidal, o que faz aí?”.
Poderia a democracia ser mais decadente e humilhada do que isso?
Quais chances tem a sociologia racional frente às opiniões das elites, às escolhas dos homens cultivados, que deverão conduzir, na ilusão de Weber, a vida política mundial, ocasionalmente trocando tanto poder com um elegante jogo limpo, com um cavalheirismo tolerante?
Foi dito contra a esquerda marxista, negadora do partido monstruoso e da adulação das massas, que defendíamos a teoria das elites intelectuais. Mas somos tanto contra a democracia na sociedade, na classe e no partido, para os quais invocamos uma centralidade orgânica, como somos contra a função das elites dirigentes, um substituto ruim para a pessoa-Líder, uma marionete participativa colocada no lugar da isolada, o que em dados desenvolvidos, é um passo atrás. A diferença substancial está no fato de que nossa doutrina não considera uma constelação de partidos, mas a função de um único, cujo diálogo com todos os outros não é intelectual nem cultural, e jamais eleitoral ou parlamentar, mas para quem é confiada à violência de classe, à força material que tem como objetivo subjugar e destruir todos os outros.
O partido que estamos seguros de que iremos ver ressuscitar num futuro luminoso será constituído por uma minoria vigorosa de proletários e de revolucionários anônimos, que poderão ter funções diferentes como órgãos de um mesmo ser vivo, mas todos estarão ligados, no centro ou na base, à regra primordial e inflexível do respeito pela teoria; da continuidade e do rigor na organização; de um método preciso de ação estratégica cuja lista de eventualidades permitidas, em seus vetos invioláveis por todos, deve ser extraída da terrível lição histórica das devastações do oportunismo.
Num tal partido finalmente impessoal, ninguém poderá abusar do poder, precisamente devido à sua caraterística não imitável, que o diferencia no fio ininterrupto que tem origem em 1848.
Esta caraterística é a de nenhuma hesitação do partido e dos seus aderentes em afirmar que é sua função exclusiva conquistar o poder político e exercê-lo de forma centralizada, sem nunca esconder este objetivo, e até que todos os partidos do Capital e os seus servos pequeno-burgueses tenham sido exterminados.