Encontro com Stálin no Executivo Ampliado

Amadeu Bordiga

1926


Primeira Edição: ....

Fonte: Annali Feltrinelli 1966, p. 268-70

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Bordiga: Em 1917, o companheiro Stálin não estava também contra Lênin? E também quanto à questão da paz em 1919 não discordava de Lênin?

Stálin: Não, eu não discordava de Lênin. Todos eram contra a continuação da guerra. Nenhum comunista teria podido sustentar uma tese diferente.

Bordiga: No momento em que o companheiro Stálin se serve como argumento político do erro cometido em 1917 por um grupo de companheiros, por que razão, quando o companheiro Trótski recordou também estes fatos, se organizou uma campanha contra ele?

Stálin: Trótski não foi combatido por isto, mas porque detinha e sustentava a sua velha convicção acerca das relações entre o proletariado e os camponeses, segundo a qual, se não houver a revolução nos outros países da Europa, não se pode desenvolver a revolução na Rússia. Esta é uma concepção social-democrática e por essa razão Trótski vem sendo combatido.

Bordiga: Está claro, porém, que Trótski fez um confronto entre o Outubro russo e o outubro alemão e criticou as falhas destes companheiros que hoje estão na nova oposição. Naquela ocasião se disse que Trótski tomava posição contra a velha guarda. Hoje, ao contrário, as mesmas acusações são sustentadas pelo CC contra a oposição.

Stálin: A diferença está nisto: o companheiro Trótski começava com uma comparação e com base nela construía toda a sua crítica. Qual era sua finalidade? Ele queria mudar a direção dos cavalos durante a corrida sem levar em conta o essencial. Mas não se pode construir em cima de uma comparação. Se se começa com uma comparação deve-se terminar com uma comparação. E isso é fazer literatura, e não trabalho político.

Bordiga: Trótski se servia de uma comparação para investigar as causas da derrota acontecida na Alemanha em 1923. Não era de modo algum desprovido de importância histórica estabelecer que os mesmos homens que tinham errado em 1917 na Rússia estavam na cúpula da Internacional quando faliu a revolução alemã em 1923.

Stálin: Mas, no que diz respeito a 1923, Trótski não tinha razão. A posição mais extremada naquela ocasião foi assumida exatamente por Zinoviev e Trótski apoiou o grupo Brandler, que tinha um conteúdo incerto e mutável. Apesar disso, Trótski e Radek apoiaram-no.

Bordiga: Não acha que teria sido melhor se a confiança depositada por Trótski em Brandler fosse depositada em Fischer?

Stálin: Brandler merece seguramente mais confiança do que Fischer. Acontece porém, freqüentemente, que um homem digno tome uma posição errada e que, vice-versa, um homem indigno se encontre na posição correta. Em política se deve seguir a linha das posições e não a das pessoas. ... .)

Bordiga: Com a finalidade de precisar a questão das perspectivas, pergunta-se ao companheiro Stálin se ele pensa que o desenvolvimento da situação russa e dos problemas internos do partido russo está ligado ao desenvolvimento proletário internacional

Stálin: Esta pergunta nunca me foi formulada. Não acreditaria nunca que um comunista me pudesse fazê-la. Deus o perdoe por tê-la feito.

Bordiga: Peço, então, agora ao companheiro Stálin que diga o que acontecerá na Rússia se não se verificar dentro de um certo período de tempo a revolução proletária na Europa.

Stálin: Se soubermos organizar bem a economia russa, ela está destinada a se desenvolver e, com ela, é a revolução que se desenvolve. O programa do nosso partido diz — por outro lado — que nós temos o dever de difundir a revolução no mundo de qualquer maneira e nós o faremos. Não está absolutamente excluído que, se a burguesia não nos atacar primeiro, nós seremos obrigados a atacá-la. Certamente a burguesia deixou passar o momento propício para nos atacar, quando éramos fracos. Hoje estamos mais fortes. Temos, na grande indústria, dois milhões de operários e sete milhões na indústria média e a sua capacidade produtiva e a sua cultura continuam sempre aumentando. A marcha sobre Varsóvia foi um erro de tática, mas não um erro de princípio.

Bordiga: Acredita o companheiro Stálin que, na determinação da política do partido russo, seja necessária a colaboração dos outros partidos comunistas que representam a vanguarda do proletariado revolucionário?

Stálin: Sem dúvida é necessária e nós a desejamos. Com essa finalidade foi aprovada no nosso congresso a resolução segundo a qual os grandes partidos da IC devem colaborar de modo efetivo na direção da Internacional.

Bordiga: Esta colaboração já deveria ter lugar na recente discussão. As questões tratadas no congresso russo deveriam, portanto, ser tratadas na atual Executiva da IC.

Stálin: Mas é necessário observar que estas questões são essencialmente russas. Além disso os partidos ocidentais não estão ainda preparados para discuti-las. Para isto, a Central do PCR enviou aos partidos da IC uma carta na qual se pede que não se transponha a recente discussão russa para os outros partidos. Esta resolução foi aprovada até pela oposição e foi assumida pelo Presidium da IC. Fizemos isto para evitar que se repetisse o que aconteceu nas discussões precedentes com Trótski, as quais foram transpostas para alguns partidos de modo artificial e mecânico.

Bordiga: Não acredito que estes argumentos tenham valor decisivo. Antes de tudo, se não se queria discutir as questões russas neste Ampliado, devia ser o próprio Ampliado a ter o direito de decidir neste sentido. Em segundo lugar, os problemas que foram examinados na discussão não podem ser considerados como exclusivamente russos. Estes interessam aos proletários de todos os países. Enfim, o fato de a oposição ter consentido não tem nenhum valor.

Stálin: De um ponto de vista formal e de procedimento, certamente é verdade que não é de todo normal que o Ampliado não decida ele próprio o fato de não discutir a questão russa. Mas é preciso considerar a substância das coisas. A posição que tem o Partido Comunista russo na Internacional é tal que não se pode pensar que seja possível resolver com o procedimento os problemas que tocam as relações entre o partido russo na Internacional e os outros partidos. Certamente a posição do partido russo na Internacional é uma posi-. ção privilegiada. Temos consciência desse privilégio e sentimos também a responsabilidade que provém dele. Sabemos que, quando os companheiros falam do Presidium, é difícil que os companheiros dos outros partidos os contradigam e isto, aliás, não nos agrada. Nós temos também outros privilégios, por exemplo, o de a Internacional ter sede em Moscou e o de ter vencido a revolução. Como se vê, não se trata de uma questão de procedimento. Além do que, a dificuldade de procedimento é uma coisa muito pequena diante das dificuldades com que nos defrontaríamos se reabríssemos a discussão russa no Plenário do Ampliado. Isto quereria dizer, de fato, reabri-la no partido russo. E não só isso, mas quereria dizer colocar em minoria a oposição na Internacional, isto é, excluir da direção da Internacional o companheiro Zinoviev. Ora, isto, tenho certeza, ninguém o deseja. E não acreditamos que os partidos da IC tenham interesse em reabrir a oposição no partido russo.


Inclusão 28/09/2019