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Primeira Edição: Il Soviet, 9 de fevereiro de 1919
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Neste artigo não chegamos ainda à proposta de abstencionismo eleitoral, mas dela nos aproximamos. O parlamentarismo é concebido como um mecanismo de integração do socialismo, através de um poder fictício dado a deputados sempre burgueses.
É a tese de que o Estado burguês deve ser destruído e não apenas modificado.
A dissolução bolchevique da Constituinte adquire um valor paradigmático. que, na realidade, não houve.
É, pois, notória, como antecipação dos tempos, a ameaça final de uma cisão no PSI.
Há alguns anos e pode-se dizer até que desde quando se constituiu em partido isolado, separando-se das outras frações democráticas com que estava comprometido, o Partido Socialista desenvolveu sua ação política segundo o conceito teórico de que a conquista dos poderes públicos, por parte do proletariado, deveria se efetuar por meio da ação eleitoral.
Um cálculo muito pueril, que fascinou e ainda fascina não poucos, sustentava que, no dia em que se obtivesse um verdadeiro sufrágio universal, pelo qual todos teriam o direito ao voto, fatalmente a maioria das assembléias legislativas seria constituída de representantes socialistas.
Os ditos representantes, ou deputados socialistas, como se queira, que tivessem conseguido a maioria, expulsariam, assim, tranqüilamente, com base numa lei rigorosa, os poderes burgueses e, com todas as devidas formalidades legais, tomariam o poder, em nome do proletariado. Sob o fascínio dessa miragem, qualquer sucesso eleitoral, e especialmente a conquista de uma nova cadeira no parlamento, era, de bom grado, considerado, e portanto exaltado como um passo àfrente em direção à mesa, como uma nova pedra colocada no grandioso edifício da conquista dos poderes públicos, por parte do proletariado.
As cifras dos pleitos eleitorais permitiam a muitos, com facilidade, exercer o ingrato ofício de leitores do futuro e até de fixarem a data precisa do vencimento das letras que a burguesia teria de pagar ao proletariado; a outros, a estranha ilusão de se sentirem mais próximos do grande evento, do surgimento do proletariado na ribalta da história, o verdadeiro dono do mundo, pelo único fato de saber que, à câmara dos deputados, chegaram um Cabrini, um Bissolati, um Turati ou um Cicotti, para completar.
Pobre revolução proletária de touca e chinelo, um pouco reumática e com um ou outro dente banguela!
A prática trazia continuamente desilusões incríveis.
Apesar do crescimento desse perigoso núcleo revolucionário, pronto para estourar e capaz de fazer em frangalhos a velha casca, o regime burguês nada sofria; muito pelo contrário, reforçava-se. Os fervorosos revolucionários, no ambiente burguês parlamentar, se aplacavam, se domesticavam; em pouco tempo, este se tomava reformista, aquele reacionário, aquele outro ministro, e assim por diante.
O pobre proletariado, ao menos sua parte mais consciente, acabou por se convencer de que, quando, com muito custo, tivesse conseguido, numa região, enviar a uma assembléia legislativa a cifra fatal, ou seja, a metade mais um dos seus componentes, todos autênticos e fiéis defensores dele, seria finalmente desenganado. Aqueles formidáveis revolucionários, na maior parte dos casos, seriam capazes de presentear-lhe com uma república burguesíssima, do tipo americano ou modelo Ebert, que fundamenta sua precária força de resistência no assassinato.
E não poderia ser de outro modo.
É absolutamente paradoxal a concepção de que as atuais formas políticas, que foram criadas pela burguesia para a própria dominação de classe, possam, elas próprias, tornarem-se os órgãos de uma função absolutamente contrária.
Se a burguesia devesse, derrubado o velho regime, criar novas formas estatais, com muito mais razão deverá fazê-lo o proletariado.
Bem mais profunda é a transformação social produzida pela conquista do poder pelo proletariado, porque, abolindo a propriedade privada, destrói-se automaticamente, sem mais nada, a classe burguesa, constituída exatamente de proprietários privados dos meios de produção.
Para regulamentar, organizar, disciplinar as novas relações sociais, fundadas não mais no direito da propriedade privada, mas na associação dos trabalhadores, deverão necessariamente surgir novos institutos, adaptados para essas funções, profundamente diversas das que constituem as bases do Estado burguês.
Se a imaturidade política, a herança das idéias democráticas infiltradas no pensamento de alguns socialistas, se, sobretudo, a falta de realidade do poder, permitiram a formação e a crença em concepções tão errôneas, hoje temos a grande experiência dos fatos que deveria servir de ensino a todos.
Na Rússia, a ditadura do proletariado se afirma e vence, derrubando todos os órgãos burgueses e impedindo a formação de novos órgãos que possam ser criados com O mesmo mecanismo burguês da ação eleitoral. A assembléia constituinte, resultado do sufrágio eleitoral, foi combatida pelos bolcheviques na Rússia, a princípio com a propaganda, depois suprimida pela força. Na Alemanha, contra a Constituinte desejada pelos sociais-democratas (socialborghesi) Ebert e Scheidemann, lutam os espartaquistas. Contra as propostas da Constituinte formuladas pela Confederação do Trabalho e apoiadas por alguns deputados s6cialistas, devem se insurgir os bolchevistas italianos.
A questão é muito diferente, não apenas teórica; na falta da realidade do poder, a teoria é o guia da ação.
A campanha eleitoral se aproxima.
O Partido Socialista necessita determinar se deve participar e com qual programa.
O proletariado não deve ser iludido e entorpecido com a luta eleitoral; deve convencer-se da ineficácia revolucionária da conquista das cadeiras no parlamento e deve conhecer qual é o caminho a seguir e em que sentido seu esforço pode tomar-se útil. Se se achar conveniente ter deputados socialistas, deverá definitivamente estabelecer os limites da ação e os poderes dos mesmos no seio do próprio partido.
O partido só reconhece como órgãos seus as assembléias que deliberam e a sua direção que executa e presta contas todos os anos do seu desempenho.
O grupo parlamentar como tal, isto é, como grupo, não existe para o partido, da mesma forma que não existe a condição de deputado no partido. Esta é uma condição precisamente burguesa; obtém-se com votos não inscritos no partido, desenvolve uma função alheia a ele e está destinada a desaparecer assim que o partido tiver conseguido realizar seu programa supremo da conquista do poder.
A direção do partido, extraindo da confiança dele as próprias energias, deve enfrentar as responsabilidades que lhe competem, executando as deliberações do próprio partido, interpretando fielmente seu espírito, utilizando, para casos particulares, o referendo.
Não é admissível que a direção, em deliberações que contem com as propostas de ação do partido, dele se afaste, formando um conselho com o grupo parlamentar. Ela assim reconhecerá neste último, implicitamente, um poder que ele não tem, uma função que é, em verdade, inexistente.
Ë absolutamente indispensável disciplinar estas relações agora, especialmente depois da última ordem do dia, apresentada ao próprio grupo por Turati, ordem do dia totalmente contrária às diretrizes claramente manifestadas pela grande maioria do partido.
Se esta delimitação de relações vier a provocar novas cisões, tanto melhor.
(Sem assinatura)
Inclusão | 19/06/2019 |