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Primeira Edição: Il Soviet, 22 de dezembro de 1918.
Fonte: Marxismo Heterodoxo. Editora Brasiliense: 1981. Organizado por Maurício Tragtenberg.
Tradução: Beatriz Berg.
Transcrição: Thiago Paulino.
HTML: Lucas Schweppenstette.
Bordiga, desde o primeiro número do “seu” semanário, enuncia alguns temas de fundo de sua luta política no período inicial do pós-guerra.
Neste, ele se opõe à proposta dos intervencionistas democráticos e dos reformistas da CGT a favor da Constituinte.
As objeções doutrinárias prevalecem sobre as que se acham vinculadas À situação específica. Assim, o plano dos princípios é O dos fatos, sobre: deste momento em diante, tendem a seguir paralelamente, ao invés de se fundirem.
O fim da guerra trouxe consigo um poderoso Sopro de inovação, e ninguém consegue se manter alheio à sua influência. Aliás, vimos até Salandra tornar-se revolucionário!
Para colocar esta Itália sofrida mais a par das tremendas convulsões que se desencadeiam e anunciam em outros países, várias tendências puseram-se como meta uma meia-medida: a Constituinte.
Quem a quer? Querem-na os intervencionistas “revolucionários” que sentem a necessidade de se tornarem um pouco mais aceitos pelas massas do que o são agora; querem-na os republicanos e os socialistas reformistas.
Mas integrou-a também, em seu programa, a Confederação Geral do Trabalho, e em seu nome defendeu-a na Câmara Dugoni, do grupo parlamentar socialista, dizendo falar também em nome do nosso partido. Mas a direção do PS, reunida recentemente em Roma, não fez dela a sua proposta; pelo contrário, numa deliberação que aprovamos na Íntegra, sancionou o programa da Ditadura Política do Proletariado. Não aprovamos, portanto, que o grupo parlamentar se permitisse realizar por sua conta uma ação política que, se corresponde às opiniões das organizações operárias, não provém da que deseja o partido donde o grupo emerge.
Que é a Constituinte?
Pas grande chose, diriam os franceses. É uma assembleia nacional, eleita, se quisermos, por ampla margem de votos, que, como tem função legislativa, é chamada a discutir e estabelecer uma nova constituição política do Estado. Trata-se da aplicação máxima do conceito burguês de soberania popular.
Ora, é justamente este conceito que em absoluto reflete a confiança dos socialistas, e é, aliás, exatamente aquele cuja extirpação é um dos objetivos precípuos da crítica marxista e da ação política socialista.
A soberania popular realizada com o voto, a liberdade e a igualdade política, é uma mera ficção, quando subsistem a divisão da Sociedade em classes e a desigualdade econômica. As câmaras eletivas, o Estado, permanecem constantemente nas mãos de uma minoria dominante e servem exclusivamente aos interesses dela. Apesar de tudo que disseram os póstumos comentadores de Mazzini ou de Washington, o domínio de classe, a opressão econômica sobrevivem, além de serem mais duros nos países que são célebres pelas declarações dos direitos humanos e do cidadão, nas repúblicas democráticas (em política) e plutocráticas (em economia) da França ou da América.
A crítica socialista demonstra claramente que toda a bagagem da filosofia liberal é uma ideologia própria da burguesia capitalista, que dela se serve para justificar sua luta contra os grilhões do regime medieval e, principalmente, a instauração do seu predomínio social sobre as massas trabalhadoras exploradas.
Não é pelo desenvolvimento e pela intensificação das formas democráticas que o socialismo espera atingir sua própria realização, mas pela luta social entre as classes e pela vitória revolucionária do proletariado.
A nefasta política de conciliação, que tanto prejuízo e confusão causou por meio da colaboração entre os socialistas e os democratas burgueses, fez perder de vista esta antítese programática, fundamental, entre socialismo e democracia.
Mas hoje, todo um grandioso movimento reconduz o socialismo às suas mais amplas concepções, a seu objetivo integral, que é à organização do proletariado como classe dominante.
A revolução socialista se realizará quando o poder político estiver nas mãos dos trabalhadores, não só porque os trabalhadores são a maioria, mas porque a minoria burguesa ver-se-á tolhida em qualquer ingerência na formação dos órgãos do poder.
A democracia quer salvar, em nome do proclamado direito das minorias, a representatividade das classes burguesas. Enquanto estas tiverem direito à representatividade, conservarão também a maioria nos órgãos eleitorais e manterão seu domínio.
O proletariado socialista quer, ao contrário, apossar-se do poder político para abolir, num segundo momento, o poder econômico da burguesia e, num terceiro, a divisão da sociedade em classes, realizando a igualdade social dos homens.
Na Rússia, vimos a Constituinte que se preparava para fazer o jogo das classes burguesas ser dissolvida pela força dos sovietes, órgãos da ditadura proletária.
Na Alemanha, vemos, hoje, claramente dois programas: o da burguesia e dos socialistas majoritários, pela Constituinte e a República democrática; e o do grupo Spartacus, pela transmissão do poder aos conselhos operários e dos soldados.
Na Itália, já se articulam os movimentos para uma defesa do poder burguês, e os socialistas intervencionistas, aliados perdidos da burguesia, fazem a propaganda da Constituinte.
A Confederação do Trabalho ingenuamente morde a isca, enquanto deveria, num empenho taxativo, deixar à solução desse problema entregue ao Partido Socialista, órgão político da classe operária, instrumento designado para assumir o poder.
Deseja-se uma Constituinte, sem que tenha havido a menor mudança nas diretrizes em que se baseia a ordem atual. Tal Constituinte, eleita sob a tutela dos órgãos administrativos do Estado, controlados por este governo, seria semelhante a uma gota d'água no parlamento atual, nascido do sufrágio universal, amoroso servo Giolitti.
A maioria seria não só burguesa, mas seguramente monárquica. Portanto, a Constituinte não nos seduz. Os socialistas não levantarão um dedo por ela.
(Censurado)
(Sem assinatura)