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No início dos anos 1980, a contra-ofensiva liberal, a nova corrida ao armamento iniciada pela administração Reagan, a guerra americana de "baixa intensidade" na América Central, a expedição britânica nas Malvinas (antecipando as novas intervenções imperiais), marcaram uma mudança radical relativamente à década precedente. A União Soviética enredava-se na estagnação brejneviana. O movimento operário internacional estava limitado à defensiva sob quase todas as frentes. Este recuo saldava-se por derrotas sociais severas, como a da greve dos mineiros britânicos em 1984, a derrota das mobilizações em defesa da escala móvel de salários, em Itália em 1985, as derrotas sindicais nos Estados Unidos e no Japão. Em França, a "viragem do rigor" selava a conversão do Partido Socialista ao social-liberalismo.
Nesse contexto de reacção, sinais de renovação emergiam porém, nomeadamente no Brasil, com a formação em 1979 do Partido dos Trabalhadores, que se torna em dez anos uma das grandes forças políticas do país, ou na Coreia, com as lutas estudantis e a formação de novos sindicatos. Em contrapartida, a revolução nicaraguense, que encarnava a esperança de um relançamento revolucionário na América Latina, não consegue estender-se a El Salvador ou à Guatemala, contida por uma estratégia contra-insurreccional assistida por conselheiros israelitas ou taiwaneses e pela guerra dita de "baixa intensidade" levada a cabo pelos Estados Unidos. No Cone Sul, a saída das ditaduras foi relativamente bem controlada pelas classes dominantes no Brasil, na Argentina, no Uruguai, no Chile, onde o movimento social penava para se restabelecer dos golpes sofridos sob a bota militar. A última grande greve dos mineiros bolivianos, em 1985, marca o fim do ciclo iniciado nesse país pela revolução de 1952. Altamente simbólica, a vitória fraudulenta de Salinas de Gortari contra Cuahautemoc Cardenas nas eleições mexicanas de 1988 abria o processo de desmantelamento do Estado social populista e inaugurava as grandes reformas neo-liberais: privatizações, contra-reforma agrária, adesão ao tratado de livre comércio com os Estados Unidos.
Na IV Internacional, uma direcção colectiva rejuvenescida e fortemente internacionalizada (reunindo americanos, mexicanos, espanhóis, suecos, japoneses, belgas, italianos, suíços, australianos, britânicos, franceses) impulsiona no início dos anos 80 uma política dinâmica concretizada pela criação de uma escola internacional permanente de quadros, uma renovação da imprensa, um apoio à criação de organizações de juventude, a criação de coordenações continentais. Contudo, as divergências reactivadas pela revolução na América Central revelavam um sufoco.
Saído da Conferência Mundial aberta de Dezembro de 1980, o Comité Internacional tem uma existência efémera de alguns meses. A sua unidade negativa — contra os "liquidadores" do Secretariado Unificado — carecia de fundamentos sólidos. Fiel a um pragmatismo manobrerístico, Lambert não se aventura muito sobre as questões de fundo, já que a revolução nicaraguense reavivava os velhos debates surgidos a propósito da caracterização das revoluções chinesa, jugoslava ou cubana. Moreno resolve a dificuldade, afirmando que a revolução de Outubro foi a única revolução social autêntica e que o pós-guerra não tinha assistido senão a "revoluções de Fevereiro" sem verdadeira auto-organização de massa; estas revoluções eram, porém, "categoricamente socialistas", na medida em que tinham desmantelado o aparelho de Estado existente. Estas contorções teóricas encontraram a sua expressão sistemática num livro de Moreno, assinado Dariush Karim, sobre a ditadura do proletariado, distinguindo uma etapa de confronto com o imperialismo de uma etapa de construção do socialismo propriamente dito. Esta visão sacrificava os princípios da democracia socialista ao realismo e conduzia a relativizar a luta contra a burocracia durante a etapa anti-imperialista.
Por detrás da unidade de fachada do XI Congresso contra a cisão orquestrada por Moreno e Lambert, existem fissuras no seio da maioria internacional. Sobre as questões controversas da unidade do movimento trotskista e da "viragem para a indústria" mas também sobre as questões não-resolvidas reanimadas pelos desenvolvimentos na América Central e na Polónia. A dificuldade estava, de novo, no desajuste entre o acto revolucionário de conquista do poder e a transformação das relações de produção. Nos últimos dias de 1979, surgem novas divergências com a entrada das tropas soviéticas no Afeganistão, sob pretexto de defender o regime laico contra a reacção tribal e religiosa apoiada pela ditadura paquistanesa. O SWP norte-americano, confrontado com o clima de Guerra Fria da era Reagan, apoia a intervenção soviética. Mais prudente, a maioria do Secretariado Unificado condenava a intervenção como obediente, antes de mais, aos interesses geo-estratégicos da burocracia mas não exigia a retirada das tropas soviéticas, já que a internacionalização do conflito opunha os progressistas laicos apoiados pela União Soviética à reacção religiosa apoiada e armada pelos Estados Unidos. A posição mais correcta foi defendida por uma minoria (Tariq Ali, Gilbert Achcar, Michel Lequenne), considerando que a intervenção soviética não podia senão obscurecer o sentido da luta anti-imperialista e beneficiar as forças nacionalistas e religiosas mais reaccionárias. Ela exigia a retirada imediata das tropas soviéticas e o apoio aos elementos mais progressistas da resistência afegã. Em 1982, a Internacional adoptava um documento autocrítico nesse sentido. Este passo em falso ilustrava a dificuldade de orientação nos novos conflitos armados, como os das Malvinas ou da guerra entre o Irão e o Iraque, pondo em evidência as dinâmicas centrífugas da nova situação internacional.
No início dos anos 1980, acontecimentos como a luta anti-burocrática do Soiidarnosc (Solidariedade) na Polónia e o desenvolvimento da revolução na América Central pareciam propícios a pensar a situação mundial segundo as características actualizadas da revolução política e da revolução permanente. Foi esse o desfecho do debate preparatório do XII Congresso Mundial de 1985. O SWP norte-americano e o SWP australiano acentuam a sua aproximação com a direcção castrista, assumindo o preço de uma revisão da sua ortodoxia tradicional. Num artigo de 1983, intitulado: "O Trotsky deles e o nosso", o principal dirigente da secção americana após o desaparecimento da velha guarda, Jack Barnes, coloca os pontos nos i: "A mudança que proponho é uma das mais importantes no nosso movimento desde a sua fundação." As teses da revolução permanente teriam constituído "um obstáculo para retomar Marx, Lenine e os primeiros congressos da Internacional Comunista". A recaída de Trotsky nos seus pecados esquerdistas de juventude teria cortado a IV Internacional do movimento histórico real. A reivindicação selectiva de um trotskismo amputado da sua luta contra o estalinismo permitia assim apagar a revolução anti-burocrática e voltar sub-repticiamente a uma linha de reconfiguração do campo socialista. Silenciar o apoio ao levantamento polaco, a pretexto de que ele arriscava enfraquecer o campo socialista no momento em que Reagan se empenhava numa nova Guerra Fria, confirmava-o. O artigo de Barnes insistia unilateralmente sobre o facto de a defesa do Estado Operário Soviético "se ter revelado vital para a extensão da revolução socialista mundial", omitindo de passagem o preço da sua política para os povos coloniais e para os trabalhadores da Europa ocidental e silenciando as tragédias grega, espanhola, indonésia, chilena, ou o preço pago pelos chineses, os cubanos e os vietnamitas pela ajuda condicional do "grande irmão soviético".
Esta deriva da parte de militantes que se tinham sempre reivindicado depositários da ortodoxia traduzia uma desmoralização e uma renúncia ao papel central da luta de classes, substituída pela luta entre Estados e campos. Ela parecia tanto mais injustificada quanto, desde a conferência da OLAS, as experiências na América Latina e noutras regiões tinham levado a um regresso crítico às estratégias etapistas da época estalinista e conduzido a descobrir no peruano José Carlos Mariatéguy, no cubano António Mella, no salvadorenho Farabundo Marti, nos nicaraguenses Augusto César Sandino e Carlos Fonseca Amador, uma outra filiação histórica. Paralelamente, as reivindicações do movimento polaco e do Congresso do Solidarnosc em 1980, resumidas pela palavra de ordem: "Entreguem-nos as nossas fábricas!", surgiam como uma defesa e ilustração da revolução política.
Mais preocupados com uma inserção real na acção política do seu país e não tendo de gerir a mesma herança política que os dirigentes americanos, os delegados australianos explicam com franqueza na tribuna do XIII Congresso que a revolução permanente era "um fetiche inútil", responsável pela degenerescência sectária da Internacional e do "subestimar do lugar da revolução política contra as castas no poder nos estados socialistas burocráticos". Na sua franqueza, os australianos chegavam ao ponto de justificar a repressão estalinista contra os trotskistas no Vietname, limitando-se a fazer eco de uma autocrítica tardia do Partido Comunista vietnamita que considerava a violência (anti-trotskista) "excessiva relativamente à situação"!
Os documentos maioritários do Congresso sublinhavam que a crise de direcção revolucionária internacional já não pode ser colocada nos termos dos anos 30. Já não se trata de fornecer uma direcção de mudança a um movimento operário internacional formado numa cultura revolucionária no seguimento da revolução russa. A água tinha passado sob as pontes. A tradição tinha sido destruída pela longa noite estalinista e pela adesão assumida da social-democracia à ordem capitalista. Uma renovação sindical e política do movimento operário à escala planetária estava a partir de agora na ordem do dia. Tratava-se então de ligar-se ao processo desigual e prolongado de uma reconstrução de longo fôlego. A IV Internacional podia ter aí um papel insubstituível, com a condição de não se tomar por um "partido mundial" imaginário:
"Na ausência de acontecimentos de dimensão mundial susceptíveis de mudar radicalmente as relações entre as classes e de determinar um reali-nhamento geral das forças, a recomposição do movimento operário internacional será lenta, desigual e profundamente diferenciada. O momento não é de proclamação abstracta de uma Internacional de massas, nem de procura de quaisquer atalhos para esta via. Não estamos senão no início de transformações profundas que devemos abordar combinando a construção da Internacional e a colaboração com as vanguardas emergentes nos diferentes continentes."
Sem fazer tábua rasa do passado, esta abertura implicava não vender a herança programática, quer se trate da luta contra o totalitarismo burocrático ou da lógica de revolução permanente.
Os grandes acontecimentos anunciados não tardaram a produzir-se, com o derrube dos regimes burocráticos em 1989, a reunificação alemã, e a desintegração da União Soviética em 1991. Concluía-se assim aquele a que os historiadores chamam "o curto século XX", da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa ao afundamento do totalitarismo burocrático. Longe de fundar uma nova esperança e um novo projecto, estes eventos participavam da destruição criativa, do trabalho necessário do negativo e da decomposição mais do que da recomposição.
Após esta viragem de 1989-91, a dinâmica da restauração capitalista chegava ao Leste, sem grandes mobilizações populares em defesa dos Estados supostamente operários, sem sinais de revolução política autogestionária, sem sequer o aparecimento de correntes significativas de um renascer revolucionário. Ao mesmo tempo, o Partido dos Trabalhadores brasileiro perdia por pouco a eleição presidencial de 1989, os sandinistas perdiam as eleições de 1990 na Nicarágua, as guerrilhas salvadorenhas, após várias tentativas insurreccionais, depõem as armas. Em Cuba, o julgamento e a execução, em 1989, do general Ricardo Ochoa, num processo digno dos de Moscovo, revelava o grau de decomposição burocrática de um regime cada vez mais caudilístico.
Para uma pequena minoria da Internacional, pelo contrário, a queda do despotismo estalinista e a boa nova trazida pelos ventos de Leste deviam ser celebradas com grande reforço de champanhe. A maioria da Internacional reagia, porém, à maneira espinoziana: sem rir nem chorar, tentando compreender. Não havia nada a lamentar, bem pelo contrário, na queda de regimes cuja função, a partir dos anos 1930, tinha sido a de preservar uma ordem mundial negociada com as potências imperialistas e de sufocar o movimento operário dos seus próprios países. O seu afundamento era o epílogo de uma contra-revolução burocrática há muito consumada. Mas, no contexto dos anos 1980, a sua queda não beneficiava os povos, mas sim os dominantes, os abastados, e os burocratas reciclados em capitalistas mafiosos. Champanhe? Seja, mas seguido de uma forte dose de Aika Seitzer. As ditaduras burocráticas tinham certamente caído sob a pressão de movimentos populares e de revoluções de veludo na Alemanha do Leste, na Checoslováquia, na Polónia, na Roménia, mas também sob a pressão do mercado mundial e da corrida aos armamentos imposta pelo imperialismo. A repressão burocrática com mais de meio século tinha despedaçado as tradições políticas, atomizado o proletariado, destruído o espaço público e pulverizado a sociedade civil desses países. Se as aspirações à reforma ou à revolução política se tinham manifestado bem nos levantamentos de 1956 na Hungria e na Polónia, e na Primavera checoslovaca de 1968, nas lutas operárias de 1976 e de 1980 na Polónia, o aparecimento do Soiidarnosc marcava o fim de um ciclo antigo mais do que o início de um novo. Longe das promessas Khrushchovianas de alcançar/ultrapassar o capitalismo, a União Soviética afundava-se na estagnação desde o meio dos anos 70. O seu regime soçobrava na senilidade, a esperança de vida começava a regredir, a economia sufocava sob os controles e os desperdícios de uma burocracia petrificada. Contrariamente ao que se tinha passado nos anos 1960, o movimento operário dos países ocidentais, encostado à defensiva pelas reformas liberais, era incapaz de exercer a menor atracção sobre os movimentos de protesto no Leste. Enquanto os trabalhadores russos, polacos ou alemães sonhavam com um nível de vida à sueca, a lei implacável do desenvolvimento desigual e combinado condenava-os, porém, a uma inserção subalterna no mercado mundial, a uma degradação massiva das suas condições de existência e a uma instabilidade política, entre democratização mutilada e tentações autoritárias, mais próximas dos países do Terceiro Mundo do que das "democracias ocidentais".
Estas mudanças radicais recolocavam em questão a razão de ser das organizações que se reclamam do trotskismo. À sua maneira, os dirigentes do SWP americano, os primeiros na interpretação dos acontecimentos da Europa do Leste, tinham respondido ao deixar a Internacional em bicos de pés numa perspectiva de "fusão com a corrente castrista". O SWP australiano tinha-o precedido nessa via, esforçando-se por se ligar às novas formas de radicalização, nomeadamente na Ásia e na Oceania. Inversamente, uma minoria da secção francesa pretendia ver na queda das direcções burocráticas o anúncio de uma revolução política iminente. O relatório maioritário do XIII Congresso Mundial, reunido em Janeiro de 1991, em vésperas da Guerra do Golfo e da implosão da União Soviética, sublinhava a contradição entre esta euforia e o facto do trotskismo ortodoxo, do qual esta corrente se queria campeã, estar, segundo juízo próprio, cercado e encurralado em alguns lugares santos residuais, Paris ou São Francisco. Se a situação era tão boa como eles pretendiam, porque é que estavam eles mesmos reduzidos a uma ínfima minoria em organizações já de si minoritárias? Esta contradição não era muito sustentável. Esta minoria sofre a desilusão em cheio e não tarda, no essencial da sua componente francesa, a juntar-se ao Partido Socialista, sob impulsão de Gérard Filoche e de Daniel Assouline. Ela confirmava assim a lei segundo a qual ortodoxia mais ostensiva prepara por vezes as capitulações mais espectaculares. Ela segue nessa via, com um tempo de atraso, o movimento de transferência para o Partido Socialista no qual se tinham empenhado, no início dos anos 1980, Julien Dray, Henri Weber, Harlem Désir, Pierre Moscovici (provenientes da LCR), Jean-Luc Mélanchon, Jean-Christophe Cambadélis e mais de 400 militantes (provenientes da OCI lambertista). Esta adesão exprimia a aspiração de uma geração ao realismo gestionário e ao exercício do poder, na qual Mitterrand soube perfeitamente apostar com o apadrinhamento paternalista do SOS Racismo. Este retorno à velha casa, de que Léon Blum se tinha declarado guardião no congresso de Tours, era também um adeus ao proletariado e às ilusões líricas do pós-1968. A mudança silenciosa de Lionel Jospin resume esta reconversão.
Este texto foi uma colaboração |
Inclusão | 20/04/2010 |
Última alteração | 14/04/2014 |