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Enquanto, na Alemanha, se procurava propagar as ideias do socialismo francês e criar uma base filosófica para o socialismo alemão, Carlos Marx, em Paris, elaborava a sua doutrina, que logo iria eliminar todas as outras e tornar-se o patrimônio comum de todos os socialistas. A partir desse momento, o socialismo passou a ser uma doutrina inerente a classe operária. E esta, por sua vez, tornou-se o principal objeto da ciência política. Antes de Marx, o proletariado era a Cendrillon da política, um simples motivo de piedade para os sociólogos. Marx elevou-o ao lugar de pretendente ao trono, de futura classe dominante, chamada a derrubar a antiga ordem e edificar a ordem nova.
Antes de Marx, o socialismo extraía toda a sua força da idade de ouro da pré-história, do direito natural, do cristianismo primitivo, da ideia de Humanidade, da ética social. Depois de Marx, passou a ser a doutrina política do proletariado revolucionário: passou a ter por objetivo o desenvolvimento de todas tendências materiais e intelectuais do corpo social, que trabalham para a socialização das forças produtoras. Antes de Marx, o socialismo não era mais do que uma vaga esperança, um sonho piedoso. Com Marx, converteu-se no método de ação e no objetivo final da classe operária, que luta pela sua emancipação social.
Na época de Marx, o socialismo era um simples artigo de fé, uma doutrina rígida, dogmática, com um valor eterno. Marx transformou-o numa força ativa propulsora do desenvolvimento da sociedade em evolução para a organização da propriedade coletiva.
Antes de Marx, proletariado e socialismo eram coisas distintas, separadas. Marx uniu-as intimamente, como corpo e alma. Realmente, Marx deu alma ao proletariado. Nesse ponto, pode-se dizer que o proletariado moderno é, intelectualmente, obra de Marx. Ele não poderia realizar essa obra se não possuísse a faculdade de penetrar no âmago das coisas e dos acontecimentos da História e de desvendar os seus “segredos”. O gênio e a grandeza de Marx foram o resultado de seu olhar penetrante, diante do qual caem todas as máscaras, todas as frases, todas as hipocrisias, todos os detalhes secundários, exteriores.
Marx nasceu em Treves, no dia 5 de Março de 1818. Seu pai era advogado e descendente de uma família de rabinos. Em 1824, seus pais converteram-se ao cristianismo. O jovem Carlos fez os primeiros estudos no colégio de sua cidade natal. Frequentou, depois, as Universidades de Bonn e Berlim, e, em 1841, doutorou-se em filosofia na Universidade de Iena. Esperava ser nomeado catedrático da Universidade de Bonn. Mas logo compreendeu que nunca poderia seguir a carreira universitária. Verificou que só tinha diante de si a carreira de escritor. Em 1842, Marx entrou para a redação da Gazeta Renana, que fora pouco antes fundada em Colônia. Algum tempo depois, foi nomeado seu diretor. Como, porém, os artigos que publicava atraiam para o jornal as iras da censura, pouco depois se demitiu. No outono de 1843, foi a Paris estudar o socialismo e editar com Arnoldo Ruge Os Anais franco-alemães. Nesta revista, nos seus dois únicos números publicados, foi que apareceram os primeiros estudos marxistas, particularmente o intitulado: Crítica da filosofia do direito de Hegel.
Já vimos que Marx se distinguiu dos seus predecessores por ter ligado estreitamente o socialismo com o proletariado em luta, e com o conjunto do desenvolvimento social, fundindo estes três fatores num sistema único. Como chegou Marx a isso?
Quando Marx foi a Paris, em 1843, já conhecia profundamente a filosofia e desejava ardentemente lutar e estudar o socialismo a fundo. O que caracteriza um espírito culto é a facilidade de orientação, a faculdade de desentranhar o essencial da diversidade dos fenômenos e de descobrir as relações profundas entre as coisas. Marx possuía esta faculdade no mais alto grau. Que encontrou Marx em Paris? Abundância de teorias socialistas e muitas tradições revolucionárias, da época da Revolução Francesa, da conspiração de Babeuf e das sociedades secretas de Blanqui. Estudou também o cartismo inglês, que em 1842 atingiu o seu ponto culminante. Uniu todos esses fenômenos entre si, por meio da dialética hegeliana; nessa época, Marx ainda acreditava que a dialética de Hegel poderia revelar-lhe a lei fundamental do desenvolvimento histórico.
Em que consiste a dialética de Hegel?
Dialética, para os antigos gregos, era a arte do discurso e da contradição, a arte de refutar o adversário, destruindo suas conclusões. Se examinarmos mais de perto esta maneira de discutir, veremos que apesar de suas refutações e negações — ela é muito útil, porque o entrechoque de opiniões faz surgir a luz e estimula o trabalho do pensamento.
O filósofo alemão Hegel (1770-1831) introduziu a ideia da evolução na lógica; retomou a expressão “dialética” e aplicou-a a seu método de pensamento. De acordo com esse método, cada conceito tem o seu contrário, ou, para falarmos em linguagem comum, toda afirmação pode ser negada. Mas isso não se verifica por um simples exame superficial. Por este verificamos que o mundo está cheio de coisas contraditórias, como o ser e o não ser, o frio e o calor, a luz e a escuridão, a alegria e a dor, a riqueza e a pobreza, o capital e o trabalho, a vida e a morte, o vício e a virtude, o idealismo e o materialismo, etc. Mas poderemos não perceber que temos diante de nós um mundo de antagonismos e contradições. Só a razão crítica percebe, sob a simples diversidade das coisas, o choque do negativo e do positivo, dos antagonismos e das contradições. Só depois desse choque é que aparecem coisas mais elevadas. O que Hegel entendeu por contradição não é o resultado da confusão, não é um pensamento confuso que se contradiz a si mesmo. São contradições exteriores, como, por exemplo, as que aparecem quando com o correr do tempo a justiça se transforma em injustiça, o racional em irracional, a utilidade em prejuízo; quando as leis e as instituições úteis se tornam caducas e entram em contradição com os interesses vitais e as concepções novas da sociedade; quando, por conseguinte, sobrevêm lutas sociais para pôr estas leis e instituições em harmonia com os novos interesses e as novas concepções, e para que seja alcançada uma fase superior do desenvolvimento social. Hegel chama essa fase superior de negação da negação, ou síntese.
É possível expor este método ainda mais claramente, Vejamos um ovo. O ovo é uma coisa positiva. Mas contém um germe, que, ao desenvolver-se, devora (nega), pouco a pouco, o conteúdo do ovo. Esta negação não é pura e simplesmente uma destruição, porque ela, pelo contrário, produz o desenvolvimento do germe, e o transforma num ser vivo. Terminada esta negação, o pinto que se formou dentro do ovo rompe a casca. Eis a negação da negação (ou síntese), em virtude da qual aparece uma coisa que, no ponto de vista orgânica, é superior ao ovo.
Segundo Hegel, o mais importante fator do processo vital, ou do desenvolvimento das coisas e das ideias, é o aparecimento de forças negativas, contraditórias: “A contradição — diz Hegel — é a fonte de toda vida. Só na medida em que encerra em si uma contradição é que uma coisa se move, tem vida e atividade. Só o choque entre o positivo e o negativo permite o processo de desenvolvimento e o eleva a uma fase mais elevada. Quando faltam forças para o desenvolvimento e para a agravação da contradição, a ideia ou a coisa morre em virtude desta contradição, sem nada de novo engendrar”.
Quem compreendeu essa concepção dialética do mundo, compreendeu, ipso facto, a essência do marxismo.
Bem entendido, Hegel não expôs seu método de modo tão simples.
Porque Hegel é um idealista. Para ele, a ideia, o espiritual, o absoluto, o divino, desempenha o papel de força primária, que se move por si mesma e que movimenta todo o universo. O universo seria apenas o envoltório exterior desta força que, de etapa em etapa, se eleva a um nível cada vez mais alto até que, no homem, ela se transforma em divindade. Segundo Hegel, diferentes períodos históricos são fases sucessivas de um processo de desenvolvimento do Espírito absoluto da etapa de ideia até à de divindade. Desse modo, seria possível falar de Providência divina na História. Em outras palavras; o próprio Deus é um futuro que no homem alcança sua mais elevada forma. Eis o ponto culminante da mística alemã. Mas não é disso que se trata. Agora só nos interessa o método dialético de Hegel, porque nele se baseia a doutrina marxista.
O movimento alemão no seu conjunto, a partir de 1830, começou a afastar-se do idealismo para se tornar, pouco a pouco, materialista. Com ele, Marx, em 1840-1841, também passou ao materialismo. Para Marx, o elemento primordial, a força motriz da evolução já não é mais o espírito; é a matéria. E esta evolução realiza se através de contradições.
Durante sua permanência em Paris, Marx consagrou-se inteiramente ao estudo do socialismo e do movimento operário francês. A dialética mostrou-lhe que o proletário era a negação da ordem existente, de que a luta pelo socialismo é a síntese. O elemento positivo é aqui a ordem baseada na propriedade privada e na concorrência. A luta do proletariado contra esta ordem é a contradição. Foi também a dialética que mostrou a Marx a necessidade de apoiar tal luta, porque dela deverá resultar uma fase superior da vida social. Eis em que consistem as ideias sociológicas fundamentais de Marx: antagonismo irredutível entre os partidários da ordem antiga e da ordem futura. Mas, quem são esses partidários? Não são indivíduos mais ou menos notáveis nem grupos de homens que se inclinam para tal ou qual ponto de vista por motivos de ordem mais ou menos ideal, e sim “classes” com interesses econômicos bem definidos e absolutamente antagônicos e que, por isso, devem necessariamente chocar-se violentamente. Nessa época, em França, já se conhecia o antagonismo existente entre a burguesia e o “povo”, entre o capital e o trabalho. Também já se conhecia o fenômeno da concentração do capital e do desaparecimento progressivo da classe dos pequenos produtores. Por meio da dialética, Marx estabeleceu entre todos esses fenômenos uma relação filosófica e assentou as bases de sua doutrina. Esse trabalho, depois de realizado, forneceu-lhe um programa bem claro: estudo da economia política, análise do mecanismo do regime capitalista, estudo da missão do proletariado e das forças que se desenvolvem no seio da antiga sociedade, que elas um dia terão de destruir para criar uma organização social mais elevada.
Os estudos de Marx, publicados nos Anais franco-alemães (1844), já contém os germes de sua doutrina. Um ano mais tarde, ele desenvolveu-a na Santa Família, depois, na sua obra contra Proudhon, Miséria da Filosofia (1847), e, por último, no Manifesto Comunista, que redigiu de colaboração com Engels nos fins de 1847.
Marx consagrou-se cada vez mais ao estudo da economia política, da formação e do crescimento do capital, porque estava convencido de que na economia política estava a base da sociedade burguesa e porque já compreendera que a evolução intelectual, no fundo, é apenas o reflexo da evolução econômica. Examinemos mais de perto esta concepção da Historia. Um rápido estudo na Historia mostra-nos que, nas diferentes épocas, os homens tiveram concepções diferentes sobre o direito, a moral, a religião, o Estado, a filosofia, a agricultura, o comércio, a indústria, etc., que tiveram instituições e formas sociais diferentes e que passaram por imensa série de guerras e conflitos de toda espécie. Como explicar tão perturbadora diversidade de formas da atividade humana e do pensamento humano? Ao formular esta pergunta, Marx não se preocupa apenas com descobrir a origem do pensamento, do direito, da religião, da sociedade, etc. Ele deseja, antes de tudo, desvendar as causas, as forças motrizes que provocam as transformações da vida intelectual e social. Numa palavra, o que preocupa Marx não é a origem das coisas, mas o seu desenvolvimento dialético, isto é, o elemento revolucionário da Historia. Marx. responde a essa pergunta da seguinte maneira: as forças motrizes da sociedade humana, que transformaram as ideias e os sentimentos, que, em síntese, transformaram a consciência e as instituições humanas, não nascem do espírito ou da razão absoluta — como afirmam os filósofos idealistas — e sim das condições materiais de existência. A base da Historia da Humanidade é consequentemente material. Por condições materiais de existência deve-se entender a maneira pela qual os homens, como seres sociais, e com auxílio do meio natural ambiente, e de suas próprias capacidades físicas e intelectuais, organizam sua própria vida material, obtêm meios de subsistência, produzem, dividem e trocam entre si os produtos indispensáveis a satisfação de suas necessidades.
De todas as categorias da vida material, a mais importante é a produção, a fabricação de meios de subsistência. Esta, por sua vez, é determinada pelas forças produtivas, que se dividem em duas classes: umas objetivas, outras pessoais. São forças de produção objetivas: o solo, a água, o clima, as matérias primas, os instrumentos de trabalho, as máquinas. São forças produtivas pessoais: os operários, os sábios, os técnicos, e, por último, as raças, isto é, as qualidades adquiridas por determinados agrupamentos humanos.
Dentre todas as forças produtivas, os operários estão em primeiro lugar: porque são eles as únicas forças da sociedade humana que criam valores. Em seguida, vem a técnica moderna, que é uma força eminentemente revolucionária.
Se as forças produtivas crescem em consequência de mais habilidade dos operários, do descobrimento de novas matérias primas e riquezas minerais ou de novos métodos de trabalho e de novas máquinas, da aplicação da ciência à indústria e do desenvolvimento dos meios de transportes; se, portanto, a base material ou infraestrutura econômica da sociedade se transforma e, as antigas relações de produção deixam de servir aos interesses da produção, é porque as relações de produção, isto é, a antiga organização social, as antigas leis, as instituições, doutrinas, etc., correspondiam a um estado de forças produtivas em vias de desaparecimento ou que já não existe mais. A superestrutura social intelectual já não corresponde a infraestrutura econômica. Estabelece-se um conflito entre as forças produtivas e as relações de produção.
As contradições entre o novo conteúdo e a antiga forma, o conflito ente as novas causas e os efeitos já caducos principiam, pouco a pouco, a atuar sobre a consciência. Os homens começam a perceber que têm diante de si um mundo novo. Começam a compreender que surge uma nova era. A organização social aos poucos se transforma. Camadas e classes sociais, dantes desprezadas, tornam-se poderosas econômica e socialmente. Classes outrora preponderantes caem. Enquanto se processa essa transformação da infraestrutura econômica, os velhos sistemas religiosos, jurídicos, filosóficos e políticos aferram-se às suas posições tradicionais e continuam procurando manter-se, apesar de já se terem tornado caducas por não poderem mais satisfazer às novas necessidades intelectuais. A consciência humana é conservadora. Só lentamente acompanha os acontecimentos exteriores. Os nossos olhos vêem o sol onde ele, na realidade, já não mais está, porque os raios luminosos necessitam de certo tempo para chegar até o nosso nervo ótico. Assim, também, é a passos lentos que a nossa consciência acompanha a evolução das coisas externas. Lembremos a bela imagem de Hegel: “O mocho de Minerva só levanta o voo ao cair da noite”. Tarde, sim, mas sempre levanta. Um por um, aparecem grandes pensadores que explicam a nova situação e criam sistemas e doutrinas sociais correspondentes à nova situação. Dúvidas e problemas angustiosos e, depois, novas verdades, surgem na consciência, causando divergências de opiniões, disputas, controvérsias, cisões, lutas de classes e, finalmente, revoluções.
Uma das mais importantes contribuições de Marx para a compreensão da Historia é a sua teoria das classes e das lutas de classes.
Classe é uma camada social que desempenha determinado papel na produção. Os que vivem de um salário formam a classe operaria. Os que vivem principalmente à custa do lucro, de juros ou de rendimentos, formam a classe dos capitalistas. Estas duas classes, tanto no que se refere ao modo pelo qual obtêm seus meios de subsistência, como no que se relaciona com a organização da sociedade, estão separadas por antagonismos irredutíveis, porque o antagonismo primordial, baseado em questões de salário e de duração de trabalho, com o tempo e à medida que a consciência de classe do proletário se desenvolve, vai transformando-se numa luta encarniçada das duas classes em torno das próprias bases da sociedade. A classe capitalista procura manter a ordem existente. O proletariado luta pela transformação da vida econômica e social, no sentido socialista. Ao chegar a um certo limite de amplitude e intensidade, a luta de classes adquire inevitavelmente caráter político. O seu objetivo imediato é a conquista do poder. A classe capitalista quer o poder para conservar a sua posição. O proletariado quer utilizá-lo para realização do socialismo. Marx demonstra que a luta tem de terminar, cedo ou tarde, pela vitória da classe operaria, que, no período de transição entre a propriedade privada e a propriedade coletiva, irá instaurar o seu governo, a sua ditadura, para progressivamente transformar a sociedade. Marx foi o primeiro que empregou a expressão ditadura do proletariado no livro que escreveu em 1850: As lutas de classe em Franca em 1848, Dois anos depois, numa carta dirigida a Weydemeyer, frisou que havia sido o primeiro a afirmar que “a luta de classes conduz à ditadura do proletariado”. Por último, na sua Crítica do programa de Gotha (1875), declara que a ditadura do proletariado é a forma específica do período de transição ou do período revolucionário.
O principal problema econômico para Marx, era saber qual a força motriz, qual o objeto da economia capitalista, qual a origem do imenso crescimento das riquezas. E, a esse problema, consagrou a sua principal obra: O Capital.
Marx, estudando esse problema, chega à conclusão de que a riqueza é a massa de valores de uso que uma sociedade produz. Em tempos normais, a economia capitalista em cada ano produz mais que no ano anterior. Acumula esse excedente, produz em seguida novo excedente e, assim, sucessivamente. Eis como a riqueza aumenta.
Mas quem produz o excedente? Que grupo de homens, que classe aumenta a riqueza?
Para poder responder a esta pergunta, Marx, antes de mais nada, procurou saber o que é o valor. Porque a riqueza se avalia pelo valor. Mas que é o valor? Marx não especula no azul do céu, mas indaga no escritório do fabricante como são calculados os valores. E verifica que o fabricante estabelece o valor na base do custo da produção. O que é o custo da produção? É o conjunto dos gastos feitos com a compra de matérias primas, com a utilização de imóveis, máquinas e instrumentos que servem para a produção, com o pagamento de salários e ordenados, mais o lucro habitual que a mercadoria deve fornecer. Na opinião de Marx, pelo contrário, só o trabalho empregado na produção e no transporte das matérias primas e mercadorias é que cria o valor. A fonte e a medida do valor é o trabalho manual e intelectual socialmente necessário que se emprega na produção e no transporte das matérias primas para os locais da produção. O salário que o trabalho criador do valor recebe é sempre inferior ao valor criado. Deste modo, o trabalho produtivo fornece ordinariamente ao fabricante um valor superior ao que ele paga sob a forma de salários. Esta diferença é a fonte da “mais-valia”, da qual o fabricante retira o seu lucro, o banqueiro os seus juros, o proprietário territorial seus rendimentos e o comerciante seu ganho.
Entretanto, o fabricante isolado não recebe exatamente a mais-valia produzida em sua fábrica. Porque é necessário também levar em conta o mercado, a concorrência. Se a mais-valia produzida em sua fábrica é, por exemplo, de 50%, ao passo que a dos outros fabricantes é de 60, 40 ou 30%, o mercado fornecerá um lucro médio aproximadamente de 45%.
Se, por consequência, o trabalho produtivo é a medida do valor, é claro que quanto menos trabalho intelectual e manual uma dada mercadoria representar, menor será o seu valor. É isso que acontece quando o trabalho mecânico substitui o trabalho manual. Em tempo normal, à medida que o maquinismo se propaga, as mercadorias ficam mais baratas. Quanto menos trabalho uma mercadoria representar, menos valor terá e menos elevado, em consequência, será também o lucro por unidade de produção — e mais diminuirá, igualmente, a percentagem do lucro. Para harmonizar esta baixa da percentagem de lucro com a massa total do lucro obtido no conjunto da produção, os capitalistas apelam para a fabricação em série, que exige quantidades consideráveis de matérias primas, de máquinas imensas e aperfeiçoadas, maiores instalações. Só grandes capitalistas ou sociedades poderosas conseguem reunir os capitais necessários a essa produção em brande escala, cuja concorrência esmaga cada vez mais os pequenos fabricantes. A vida econômica entra, assim, num processo de concentração e centralização crescentes, que aprofunda e estende o abismo entre as classes, e divide mais ainda a sociedade em dois grupos antagônicos: de um lado, um punhado de magnatas onipotentes, que concentram em suas mãos todas as riquezas; de outro, a grande massa dos que nada possuem, dos que, para viver, nada mais têm senão a sua força de trabalho. Esta concentração das riquezas determina ainda a aglomeração de massas consideráveis de proletários nos grandes centros industriais, reforçando, assim, a sua organização e a sua consciência de classe. Além disso, agrava a luta de classes, até que esta luta se oriente para a transformação da ordem existente. O último ato do gigantesco drama será a expropriação dos capitalistas pelas grandes massas populares. Os meios de produção serão colocados sob a direção e a fiscalização da coletividade. A democracia econômica será assim realizada. Mas, enquanto esse objetivo não for alcançado, será necessário estabelecer uma fase intermediaria, durante a qual a ditadura do proletariado dirigirá, de maneira consciente, o processo da transformação econômica e política, suprimindo todos os obstáculos que se opuserem.
Não existe, em Marx, contradição alguma entre a evolução e a revolução; nem em Hegel. O Manifesto Comunista não é menos “evolucionista” que o Capital, nem este é menos revolucionário que o Manifesto Comunista.
Que significam estas nossas palavras?
A dialética de Hegel é uma evolução porque afirma a existência da luta e da acentuação das contradições por meio da razão consciente. A isso não se chegará automaticamente, por meio de uma adaptação pacífica, mas através do desenvolvimento progressivo do elemento negativo no seio do elemento positivo, que ele acabará destruindo. Todo o trabalho de negação é um trabalho revolucionário, até o momento em que aparece a negação da negação, isto é, a síntese. Eis ai a essência da dialética hegeliana: o descobrimento das contradições no futuro cósmico e social, o choque destas contradições, através do qual o elemento positivo será destruído. A dialética hegeliana é, pois, uma evolução por meios revolucionários.
O mesmo se dá com a dialética marxista. Quem ler uma obra de Marx deve compreender bem do que se trata: do estudo de um processo material — desenvolvimento econômico, análise da produção e de circulação capitalista — ou da atividade do proletariado.
O processo econômico é, por assim dizer, o material da evolução. A atividade do proletariado e dos seus dirigentes é o seu elemento revolucionário.
No Manifesto Comunista ou nas comunicações à Liga dos Comunistas o proletariado é o objeto do estudo. Eis porque o fator revolucionário aí está fortemente sublinhado, e Marx aparece como teórico da evolução.
No Capital, pelo contrário, o objeto do estudo é a economia capitalista. Isto explica o lugar ocupado nessa obra pelo fator evolucionista, perque nela Marx aparece sobretudo como o teórico do desenvolvimento econômico.
O papel que Hegel na sua Lógica atribui à razão, isto é, o papel de acentuar conscientemente as contradições, Marx atribui à vanguarda revolucionária, que tem a missão de conduzir a luta de classes do proletariado — luta essa que não é artificial porque resulta das próprias condições econômicas — até as suas últimas consequências.
Porque, tanto em Hegel como em Marx, o choque das contradições e a acentuação consciente dos antagonismos são os melhores meios de expandir e de desencadear as forças universais.
Evolução por meios revolucionários, compreensão da realidade econômica, e ação revolucionaria! — eis, em linhas gerais, os ensinamentos que Carlos Marx nos deixou.
Carlos Marx teve na pessoa de Frederico Engels um precioso colaborador. Engels era indiscutivelmente um homem de grande talento.
Mas nunca teria atingido o lugar que ocupa na história do socialismo se, desde o início, não se tivesse unido a Marx, cuja genialidade compreendeu, secundando-lhe os trabalhos com uma abnegação e desinteresse extraordinários e dedicando-lhe, até à morte, uma amizade que coisa alguma conseguiu abalar.
Engels nasceu em Barmen-Elberfeld no ano de 1820. Seu pai era um industrial muito apegado às ideias religiosas. Recebeu excelente educação no colégio de sua cidade natal. Mas bem cedo abandonou os estudos para se consagrar ao comércio. Atravessou uma grave crise religiosa, filiou-se ao movimento dos Jovens-Hegelianos, fez-se ateu e, sob a influência de Moses Hess, acabou aderindo ao socialismo. Com a idade de 20 anos apenas, escreveu nos jornais renanos artigos dentro da orientação da corrente da Jovem-Alemanha. Em fins de 1824, foi enviado a Manchester, onde seu pai tinha uma fábrica. Daí escreveu para a Gazeta Renana artigos sobre as condições sociais da Inglaterra. Pouco depois travou relações com os dirigentes cartistas e owenistas e começou a colaborar nos seus jornais.
Ao mesmo tempo, escreveu uma Crítica a economia política, que Marx classificou de “esboço geral” e que apareceu em 1884 nos Anais franco-alemães. Este trabalho foi o ponto de partida da amizade que sempre uniu Marx e Engels. Em 1845, publicou uma obra intitulada A situação das classes laboriosas na Inglaterra. Ao mesmo tempo, dedicou-se à agitação comunista em Paris, Bruxelas e na Renânia. Colaborou na Santa Família, obra de polêmica dirigida contra os Jovens-Hegelianos que haviam estacionado no liberalismo. Em 1847, escreveu para a Liga dos Comunistas um projeto de programa, que Marx utilizou para a redação definitiva do Manifesto Comunista, mais tarde publicado e assinado por ambos.
A partir desse momento, sua atividade intelectual está intimamente unida a de Marx. Colaborou na Nova Gazeta Renana (1848-1849), participou da insurreição badense de 1849, e em 1850 colaborou na Nova Revista Renana. Algum tempo depois da sua volta a Londres, quando já era evidente a impossibilidade de uma reedição da Revolução, voltou a trabalhar na fábrica de seu pai. De 1850 a 1870, além de seu trabalho na fábrica, ocupou-se apenas com questões militares e com as ciências naturais. Ajudou ativamente Marx enviando-lhe constantemente auxílio em dinheiro e redigindo para ele grande quantidade de artigos destinados à imprensa norte-americana. A coletânea, publicada sob o título Revolução e contrarrevolução na Alemanha, com a assinatura de Marx, foi toda ela escrita por Engels.
Em 1870, retirou-se por completo dos negócios e instalou-se em Londres, junto de Marx. Aí escreveu o Anti-Dühring (1877), obra contra as teorias do professor Dühring de Berlim. Desempenhou importante papel no Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, onde dirigiu a campanha contra Bakunine.
Depois da morte de Marx, publicou o segundo e o terceiro volume de O Capital e escreveu algumas obras sociológicas, filosóficas e políticas, entre as quais: A origem da família, do Estado e da propriedade e Ludwig Feuerbach, que é a mais popular exposição do materialismo dialético. Durante seus últimos anos de vida manteve correspondência assídua com os dirigentes do movimento socialista do mundo inteiro, que lhe escreviam pedindo conselhos. Morreu em 1895, homenageado por todos os socialistas, como o patriarca do movimento operário.
A partir de 1845, Marx e Engels propagaram suas novas concepções entre os membros da Liga dos Justos. Suas concepções distinguiam-se das anteriores por não apresentarem o comunismo como um plano perfeito de organização social que seria realizada com ajuda de ricos filantropos ou por meio da criação de colônias, mas sim como a organização da classe operaria num partido político independente, com a missão de apoderar-se do poder, para transformar a ordem econômica no sentido comunista.
Inglaterra, onde também os cartistas procuravam alcançar a reforma social por meio da luta poli tica, foi o primeiro lugar onde essas ideias tiveram aceitação. No fim do mês de Janeiro de 1847, os membros do Conselho Central da Liga enviaram José Moll a Bruxelas para convidar Marx e Engels a ingressar na Liga, e com eles discutir a situação do momento. A Liga convocou em Londres, para o dia 1.° de Julho de 1847, um Congresso, ao qual compareceram Engels e William Wolff, este representando Marx. Em Setembro, sob a direção de Carlos Schapper, o Comitê Central publicou o primeiro número da Revista Comunista, que trazia, ao alto, as seguintes palavras: “Proletários de todos os países, uni-vos!”
A conselho de Marx e Engels, a Liga dos Justos transformou-se na Liga dos Comunistas. Seu Congresso celebrou-se a 30 de Novembro de 1847. Desta vez, Marx compareceu pessoalmente. Ele e Engels foram encarregados de redigir um manifesto que servisse de programa à Liga. Por último, o Congresso adotou os seguintes estatutos:
Após o Congresso, Marx e Engels voltaram a Bruxelas e redigiram o manifesto que, imediatamente, remeteram para Londres. Quando esse manifesto acabava de ser impresso, estalou, em Paris, a Revolução de 1848, que repercutiu poderosamente na Alemanha.
Alguns operários que haviam trabalhado em Bruxelas, Paris e Londres, trouxeram a nova doutrina para a sua pátria. Berlim, Colônia e Breslau foram as principais cidades alemãs em que as ideias comunistas penetraram. Os companheiros, que chegavam do estrangeiro, filiaram-se às associações de artesãos e de companheiros, no seio das quais procuravam difundir as novas ideias. O processo de Mentel, que teve lugar em 1846-1847, em Berlim, assim como a atividade de Stefan Born, que em 1848-1849 trabalhou em Berlim e em Leipzig, de acordo com as doutrinas de Marx, fornecem-nos valiosas informações sobre esse movimento.
Stefan Born pertencia a uma família israelita de Lissa, onde de nascera, em 1824. Começou a estudar no colégio de sua cidade natal; teve, porém, que abandoná-lo para dedicar-se a um ofício.
Em 1840, ingressou como aprendiz numa tipografia de Berlim. Mas, aproveitando as horas de folga, continuou seus estudos. Conseguiu, assim, adquirir vastíssima cultura geral.
Foi, depois, a Paris e mais tarde a Bruxelas. Lá empregou-se nas oficinas da Gazeta Alemã de Bruxelas onde travou conhecimento com Marx, aderindo às suas ideias; mas, ao mesmo tempo, interessou-se vivamente pela questão das cooperativas de produção. Era um homem delicado e moderado, bom orador, e bom organizador. Iria mais tarde mostrar que também era bom combatente em barricadas. Em 1848, desempenhou papel importante em Berlim, Leipzig e Dresden. Depois do fracasso da Revolução alemã, retirou-se do movimento e viveu na Suíça, onde foi impressor, redator e, por fim, professor de literatura francesa em Basileia, pouco antes de sua morte, publicou uma obra intitulada Memórias de um combatente de 48.
Foi o operário Cristiano Frederico Mentel que iniciou Born na ideologia comunista. De 1840 a 1845, Mentel trabalhara em diferentes cidades da Europa ocidental. Em 1846 voltou a Berlim. Ali filiou-se à organização artesã, e nela procurou camaradas capazes de se interessarem pelas suas novas ideias. Em suas Memórias de um combatente de 48, Born escreve o seguinte: “Um desses emissários, chamado Mentel, procurava recrutar adeptos para sua organização secreta. Iniciou-me nos seus segredos o sapateiro Hertzel, que já havia sido conquistado por Mentel para as suas ideias. Mentel não pertencia à tendência de Weitling. Batia-se pela criação de uma associação operária secreta, tendo por finalidade a emancipação do proletariado, por meio das liberdades políticas, que era preciso preliminarmente conquistar. Pelo que Mentel me explicou um pouco confusamente, comecei a compreender que se tratava de uma nova sociedade prestes a surgir. Compreendi que não se tratava de um novo Estado elaborado unicamente pelo cérebro de um alfaiate qualquer como Weitling, mas da constituição de um partido engendrado pelas condições existentes, com a força de uma necessidade histórica, partido que considerava o liberalismo uma etapa a transpor, etapa que ele, aliás, teoricamente já havia transposto”.
A organização que Mentel fundou foi denunciada às autoridades e dissolvida pela polícia em fins de 1846. Seus dirigentes foram presos e processados. Depois de longa prisão preventiva, Mentel, Hertzel e alguns colegas foram julgados pelo tribunal de Berlim. Uns foram condenados à prisão por pouco tempo. Outros foram soltos.