Programa da Democracia Socialista russa

Mikhail Bakunin

1 de setembro de 1868


Primeira Edição: Originalmente publicado em russo no jornal «Narodnoe Delo» («Causa do Povo»), de Genebra, 1 de setembro de 1868. Traduzido do francês a partir de documento digitalizado [http://hdl.handle.net/10622/ARCH00018.126?locatt=view:pdf] e disponibilizado online pelo Instituto Internacional de História Social (IISH) de Amsterdão [https://socialhistory.org/].

Fonte: https://ultimabarricada.wordpress.com/2018/11/19/programa-da-democracia-socialista-russa/

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Nós queremos a emancipação do povo, a sua emancipação intelectual, económica, social e política.

I. A EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL das massas populares é indispensável para que a sua liberdade política e social se torne completa e sólida. A fé em Deus, a crença na imortalidade da alma, e em geral todas as utopias idealistas ou sobrenaturais, fundadas necessariemente sobre um princípio falso e contrário à ciência, têm sido para os povos uma causa constante de escravidão e de miséria. Por um lado, elas sempre serviram de justificação e de apoio a todos os escravizadores da humanidade, a todos os exploradores do trabalho das massas populares; por outro, elas têm desmoralizado os próprios povos, dividindo a sua consciência e o seu ser entre duas tendências absolutamente opostas: uma celeste e outra terrestre, e privando-os por isso da energia que lhes é necessária para conquistar os seus direitos humanos e para obterem uma existência feliz e livre. Segue-se daí que somos francos partidários do ateísmo e do materialismo científico e humanitário.

II. Queremos a EMANCIPAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL do povo, sem a qual toda a liberdade nunca será senão uma palavra vã e uma mentira revoltante. A situação económica dos povos foi sempre a pedra angular e a explicação real da sua situação política. Todas as organizações políticas e civis, passadas e presentes, têm por bases principais:

  1. o ato brutal da conquista;
  2. o direito patriarcal do marido e do pai;
  3. o direito de propriedade hereditária, e
  4. a bênção de todos estes direitos históricos pela Igreja em nome dum deus qualquer.

O conjunto de todas estas coisas hierarquicamente coordenadas chama-se o Estado. A consequência inevitável de toda a constituição de Estado será então sempre a servidão de milhões de trabalhadores condenados a uma fatal ignorância, em proveito duma minoria privilegiada, exploradora e pretensamente civilizada.

O Estado – esse irmão mais novo da Igreja – não é concebível sem privilégios políticos, jurídicos e civis, que têm por base natural os privilégios económicos.

Desejando a emancipação real e definitiva das massas populares, queremos:

  1. A abolição do direito de propriedade hereditária.
  2. A equalização completa dos direitos políticos e sociais da mulher com os do homem, e como consequência: abolição do direito de família, bem como do casamento religioso, político e civil, corolário histórico do direito de hereditariedade.
  3. A abolição do casamento, enquanto instituição religiosa, política, jurídica e civil, levanta imediatamente a questão da educação das crianças. O seu sustento, a partir do momento em que a gravidez da mãe é determinada até à idade da sua maioridade; a sua educação e a sua instrução, iguais para todos em todos os graus, da escola primária aos mais elevados desenvolvimentos da ciência nas escolas superiores – científica e industrial ao mesmo tempo, e preparando o homem tanto para o trabalho muscular como para o trabalho nervoso – devem ficar principalmente a cargo da sociedade.

Nós colocamos como base da justiça económica o princípio seguinte:

A terra só deve pertencer a quem a cultiva com os seus braços – e como todo o trabalho humano só é produtivo na medida em que é associado – nós reivindicamos a terra às communas ou associações rurais; assim como o capital e outros instrumentos de trabalho às associações industriais, baseadas tanto umas como as outras na mais completa liberdade e na perfeita igualdade económica e política dos trabalhadores.

III. Toda a ORGANIZAÇÃO POLÍTICA no futuro não deverá ser senão uma livre federação de livres associações tanto agrículas como industriais.

Por conseguinte, em nome mesmo da emancipação política e social das massas populares, queremos a destruição, ou se se preferir, a liquidação do Estado – a sua extirpação radical com todas as suas instituições eclesiásticas, políticas e civis, universitárias, jurídicas e financeiras, militares e burocráticas.

Queremos uma absoluta liberdade para todos os povos, russos e não russos, hoje esmagados pelo império de todas as Rússias; com o direito absoluto para cada povo de dispor de si próprio, e de se governar conforme os seus próprios instintos, segundo as suas necessidades e a sua vontade; a fim de que, federalizando-se de baixo para cima, os que entre eles quiserem tornar-se membros do povo russo, possam com ele criar uma sociedade verdadeiramente livre, unida federativamente com outras sociedades semelhantes, e que, tomando por base os mesmos princípios, se organizarão livremente na Europa e no mundo inteiro.


Inclusão: 12/10/2020