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A derrota do socialismo na União Soviética e nos países do Leste europeu vem sendo, pouco a pouco, examinada com profundidade. Os aspectos teóricos e políticos aparecem com mais frequência na avaliação dos erros cometidos. Não se tem dado, porém, maior atenção aos desvios da concepção marxista do Partido, que ocorreram em vários países. Segundo os clássicos, o Partido é a força decisiva da revolução e da construção do socialismo.
Marx iniciou sua grande obra teórica publicando o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, que até hoje serve de orientação ao movimento revolucionário. Nesse documento ele conclamava os operários a se organizarem como classe, tendo por objetivo liquidar a dominação burguesa e construir o poder proletário.
Engels considerava como
“condição necessária da passagem ao novo regime social não só a existência das premissas materiais da sociedade futura, mas também dos homens e das mulheres, que serão os únicos a possuir força e vontade inabalável e de energia revolucionária”.
Tanto Marx como Engels entendiam que o Partido, armado de princípios revolucionários, devia ser o intérprete e o condutor das mudanças. Não bastava a simples existência do Partido. Era preciso que reunisse as qualidades indispensáveis ao cumprimento de sua missão histórica. Por isso, criticavam o ecletismo do Programa Operário da Alemanha. Nele predominavam teses errôneas de Lassalle, combatidas pelo marxismo. Marx e Engels aconselhavam o dirigentes comunistas alemães em termos incisivos:
“Pactuai acordos para alcançar objetivos práticos do movimento, mas não trafiqueis com os princípios, não realizeis ‘concessões’ teóricas”.
Foi Lênin quem, pela primeira vez, desenvolveu a teoria do Partido como organização dirigente da classe operária e como instrumento insubstituível à vitória da revolução social. Elaborou seus fundamentos nos planos ideológicos, organizativo, tático e de ação de massas. Sustentou a idéia do Partido de princípios, marxista, que atua em todas as lutas dos trabalhadores e do povo, mantendo sempre sua feição revolucionária. O Partido devia ser organização de vanguarda, uma vez que somente uma parte da sociedade, e mesmo da classe operária, tem condições de compreender em profundidade o processo da transformação histórica.
A unidade das fileiras partidárias foi acentuada por Lênin, unidade de vontade e de ação dos combatentes proletários. Repudiava a falsa unidade entre os revolucionários e oportunistas. O Partido não é uma organização de frente única onde cabem diversas correntes em pugna por objetivos limitados. Ele viveu, no início do século, a experiência da luta durante muitos anos, na Rússia, pela formação do Partido operário. Então agrupavam-se na mesma organização várias correntes de esquerda, destacadamente os mencheviques e os bolcheviques, o que levava na prática, à existência de duas linhas, duas táticas, duas condutas políticas.
Em 1912, na Conferência de Praga, Lênin rompeu definitivamente com os mencheviques, corrente oportunista pequeno-burguesa, e criou um partido independente, bolchevique, que assumiu a direção do movimento revolucionário. Graças a essa decisão, tornou-se possível a vitória da Revolução de Outubro. Esse Partido, de um heroísmo sem precedentes, enfrentou a intervenção armada na Rússia dos 14 (catorze) Estados, resolveu o problema da fome que imperava no país, derrotou grupos de “esquerda” e de direita que tentaram desviar o proletariado e seus aliados do caminho correto. Organizou a coletivização da agricultura e, mais tarde, a frente do povo soviético, venceu a Alemanha nazista. Superando enormes dificuldades, dirigiu a construção do socialismo.
Eis por que é difícil compreender como foi possível, sem maior resistência, a derrota da causa operária na união Soviética e nos países do Leste europeu. Que foi feito do Partido bolchevique criado por Lênin? Que sucedeu com a orientação geral dos fundadores do marxismo sobre o Partido?
Indubitavelmente, o PCUS degenerou. A derrota do socialismo começou precisamente com a degeneração dessa organização de vanguarda. Ainda no tempo de Stalin já apareciam sérios indícios.
Os PCUS burocratizava-se, desligava-se da classe operária e das amplas massas populares, caía na rotina e no formalismo, estimulava a fé supersticiosa nos dirigentes, em especial na pessoa de Stalin, e membros do Birô político. Muitos quadros ligados à direção faziam “carreira” política no Partido visando a interesses pessoais. Depois da morte de Stalin, cuja liderança incontestável assegurava a unidade das fileiras partidárias, os fenômenos da degenerescência apareceram nitidamente e se acentuaram. A indicação de Kruschev para o lugar de Stalin foi o estopim da degradação. Tipo aventureiro e oportunista, não tinha condições político-ideológicas de assumir esse posto. Em curto prazo, atuou como inimigo do socialismo. Já em 1956, no XX congresso do PCUS, apresentou um relatório “secreto” contra Stalin e o Partido. Seu ajuste de contas com Béria, à margem de um processo normal de apuração de faltas, criminosas ou não, e depois do golpe de Estado de 1957, diante da qual a direção superior do Partido capitulou vergonhosamente, são fatos indicativos do grau de degenerescência que medrava no PCUS. Daí por diante, sob o domínio do revisionismo contemporâneo, o Partido degringolou totalmente.
A decadência ocorreu também nos países do Leste europeu. Na Bulgária, Romênia, Hungria, Polônia e Tchecoslováquia, o Partido perdeu suas características revolucionárias, seguiu a orientação soviética ou adotou caminhos “próprios”, nacionalistas-burgueses. Também na Albânia, depois da morte de Enver Hoxha, o PTA rendeu-se, entregou o poder, sem luta, aos inimigos do socialismo.
A degenerescência alcançou Partidos Comunistas de vários países do mundo capitalista. É o caso do Partido Comunista da Espanha, sob a direção de Santiago Carrillo. Esse Partido Comunista antes chefiado por José Dias, dera exemplo de grande bravura e combatividade na guerra antifascista.
Durante o longo período da ditadura de Franco, o partido perdeu muitos de seus quadros, acomodou-se e acabou adotando as posições direitistas e eurocomunistas. É o caso também do Partido Comunista da Itália que, sob a direção de Palmiro Togliatti, afundou no charco do oportunismo, transformou-se num partido social-democrata de centro-direita. E é igualmente o caso do Partido Comunista Brasileiro (PCB), dirigido por Luís Carlos Prestes, que assumiu a linha Kruschevista. A maioria dos Partidos Comunistas, durante o período do revisionismo na União Soviética, afastou-se do leninismo; tornaram-se partidos de reforma, aliados da burguesia, do imperialismo. Poucos resistiram e mantiveram sua independência organizativa, política e ideológica. Vários extinguiram-se ou reduziram-se a pequenos grupos inofensivos social-democratas.
O fenômeno desagregador não é, porém, insólito. Já os Partidos da II Internacional, às vésperas da Primeira Grande Guerra, abandonaram o caminho revolucionário e aderiram à burguesia imperialista. Tomaram o rumo da social-democracia. Apenas o que era dirigido por Lênin resistiu. Figuras expressivas do movimento operário internacional, como Kautsky e Plekhanov, passaram ao campo dos inimigos do socialismo.
Constata-se, assim, que a degenerescência do Partido tem ocorrido em diferentes períodos, e manifestou-se tanto antes como depois de vitoriosa a Revolução. Sempre que isso aconteceu, o movimento proletário mundial sofreu duros golpes, retrocedeu. Contudo, a idéia do Partido revolucionário manteve-se viva.
Há um século e meio, a classe operária empenha-se em forjar o seu Partido de vanguarda. A história dessa luta é também a história da luta pelo socialismo. Socialismo e Partido são inseparáveis. Apareceram juntos e caminharam juntos no histórico cenário dos entrechoques de classe. É impossível mudar o regime econômico social sem ter como suporte fundamental uma organização de vanguarda. Se o Partido entra em crise ideológica e política, isso se reflete na batalha pelo socialismo.
Impõe-se, assim, examinar as causas determinantes do fenômeno degenerativo que se repete desde há muito, e adotar as medidas capazes de preveni-lo. Mesmo porque o socialismo somente renascerá com a força necessária para se impor como sistema dominante no mundo se houver Partidos de perfil marxista identificados com princípios baseados na ciência social orientando e dirigindo a luta por uma sociedade “nova e melhor”.
Desde logo, pode-se afirmar que os êxitos e insucessos do proletariado revolucionário estão relacionados com a questão da luta de classes em constante acirramento. Marx assinalava que
“a história de todas as sociedades (…) é a história da luta de classes. Na época da burguesia toda a sociedade vai dividindo-se cada vez mais em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado”. Essa “luta de classes é a força-motriz dos acontecimentos”.
Destacava ainda que no enfrentamento com a burguesia
“só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária”.
O Partido deve ter presente em sua atividade essa orientação básica. Para vencer, é preciso situar-se ideológica e politicamente no campo do proletariado, não apenas na fase da Revolução, mas durante todo o período de transição até a passagem ao comunismo, abrindo caminhos novos à transformação da sociedade.
Os fracassos originam-se, em última instância, das ilusões pequeno-burguesas de que se pode triunfar nos marcos do regime capitalista, ou realizar as mudanças históricas adaptando-se às normas e ao estilo de vida burgueses. A conciliação com a burguesia é o fundamento da política social-democrata que envolve desde Kautsky a Togliatti e Santiago Carrillo até Kruschev, o defensor dos “três pacíficos”, de teor descaradamente oportunista: o caminho pacífico, a competição pacífica e a coexistência pacífica.
Certamente, a luta de classes não pode ser enfrentada de maneira mecânica, sectária. O proletariado luta em todos os terrenos, utilizando as contradições existentes no campo adversário, defendendo as conquistas sociais, as liberdades democráticas, avançando passo a passo na estrada que conduz à Revolução e ao socialismo.
Além disso, há que considerar possíveis distorções na aplicação do correto princípio de partido de vanguarda. Lênin traçou sabiamente a feição do partido desse tipo. Não era suficiente ser destacamento de vanguarda, baseado na doutrina marxista; tinha de ser, ao mesmo tempo, um destacamento de classe, uma parte da classe, intimamente a ela vinculado. Enfatizava que o Partido não teria condições de dirigir a classe se não estivesse ligado às massas. Esse entrosamento da parte com o todo é que permite a perfeita sintonia na atividade político-social, visando a alcançar os objetivos programáticos.
Embora defendendo formalmente tais princípios, os partidos no poder podem deles afastar-se sempre que minorizem o conceito abrangente de partido de vanguarda, tornem-se auto-suficientes, uma organização à parte que tudo sabe e tudo pode, sobrepondo-se às massas. É provável que o PCUS e outros Partidos comunistas governantes nos últimos tempos tenham assim procedido. Ao invés de um destacamento da classe, estreitamente a ela vinculados, inspirados na lutas de classes, mas de forma independente, fechada em si mesma. A cabeça separada do corpo degenera inevitavelmente.
O liberalismo é outro fator prejudicial à atividade do Partido revolucionário. É uma tendência burguesa que se contrapõe às atitudes de classe do proletariado. Seus seguidores dão à democracia valor universal, absoluto, sem considerar seus condicionamentos de classe. Atuam nas fileiras comunistas procurando atenuar as contradições do sistema capitalista. Opõem-se ao centro único de direção, ao centralismo democrático, que reputam uma aberração burocrática. Renegam a disciplina do Partido – as resoluções coletivas não teriam caráter obrigatório para todos os militantes. Só formalmente aceitam o centro único e a disciplina; na prática, comportam-se como liberais social-democratas. Não aplicam decisões que julgam inconvenientes, tratam de amenizá-las ou distorcê-las. É evidente que sem centro único marxista e sem disciplina igual para todos o Partido definha, perde sua combatividade, fragiliza-se. O liberalismo é um caminho aberto à degenerescência do Partido do proletariado revolucionário.
Da experiência vivida ressalta ainda o fato de que a degenerescência tem começado geralmente nos órgãos dirigentes superiores do Partido. Onde faltam vigilância de classe e um nível razoável e conhecimentos teóricos nas bases partidárias, podem ocorrer desvios de consequências ruinosas, por parte das direções. Lênin dizia que para saber se
“um Partido é, ou não, autêntico Partido político operário, depende também de quem o dirige e do conteúdo de sua ação, de sua tática política”.
Dada a complexidade que assume a luta contra a burguesia, maiores devem ser as exigências aos dirigentes comunistas de fidelidade à causa do proletariado. Quem dirige não pode vacilar entre o caminho revolucionário e o caminho oportunista, sobretudo nas épocas de crises agudas. Tem de pôr em prática o centralismo democrático, apoiar-se na sabedoria coletiva. Não pode alterar em profundidade a orientação adotada sem ampla discussão nas fileiras partidárias, jamais sobrepor-se arbitrariamente ao conjunto da militância. Atitudes irresponsáveis ou negligentes em assuntos sérios do Partido e da causa que defende são inadmissíveis.
Mas o coletivo partidário somente desempenha a função que lhe cabe nas decisões fundamentais quando, teórica e politicamente, está à altura das circunstâncias. Isso exige a educação permanente dos comunistas, o constante trabalho ideológico nas fileiras da organização de vanguarda. Engels demandava dos militantes socialistas alto grau de consciência, vontade férrea e energia revolucionária. Comunista sem essa energia e vontade de vencer, pobre de conhecimentos teóricos, ajuda muito pouco à causa do socialismo. Essas qualidades não nascem com o indivíduo, são forjadas na luta, adquiridas também nos centros de preparação de quadros, nas escolas do Partido. Lênin afirmava que
“não pode haver um forte Partido socialista sem uma teoria revolucionária que agrupe a todos os socialistas”.
Vale lembrar que no Manifesto do Partido Comunista, de Marx, aparecem juntos, interligados, a teoria e o Partido em ação.
O fortalecimento da composição orgânica do Partido é outro tema que passa à ordem-do-dia. Para garantir força de combate e espírito de sacrifício na luta de classes, é indispensável atrair às fileiras partidárias os que mais sofrem com a exploração capitalista e latifundiária – os operários e os camponeses. E conquistar também a grande massa dos excluídos, dos que vivem na pobreza e passam duras privações. O Partido Comunista abriga em seu seio elementos de diferentes setores sociais. É bom que isso aconteça, mas é essencialmente operário (e popular) por sua ideologia e objetivos socialistas. As ilusões de classe geralmente nos escalões da pequeno-burguesia e na área denominada aristocracia proletária. Ao adquirir consciência política, quem luta melhor e mais abrangentemente pelo socialismo são os que nada podem esperar do regime capitalista, perverso e em decomposição.
Tais as observações que julgamos importantes para defender o Partido da degenerescência e consolidá-lo como organização de vanguarda do tipo leninista.
Cuidar do Partido sempre foi preocupação constante dos revolucionários proletários. Nos dias de hoje, essa preocupação deve ser ainda maior porque, na avaliação da luta secular pelo socialismo, evidencia-se que no Partido reside o fator determinante dos sucessos ou dos fracassos da Revolução e da edificação socialista. Cuidar do Partido para podermos dizer como dizia Lênin do Partido bolchevique:
“Nele temos fé, nele vemos a inteligência, a honra e a consciência da nossa época”.
Fonte |
Inclusão | 22/11/2015 |
Última atualização | 22/03/2016 |