Homens e Coisas do Partido Comunista

Jorge Amado


4. O que deu os pulmões


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Desculpa, Vermelhinho, que és modesto e não gostas de falar de ti mesmo, que és bem filho do povo e misturado com ele, sentindo sempre coletivamente, mas vou falar de ti por mais que isso faça mais vermelha ainda tua face. Desculpa, mas é necessário contar porque o exemplo dos militantes é a reserva moral do Partido, é também a sua história. É dos sacrifícios dos militantes que o Partido se alimenta.

Foi também em São Paulo, no tempo em que as direções caíam uma a uma, sucessivamente, em mãos da Polícia, já que os trotskistas as entregavam na sua habitual tarefa. O Vermelhinho — hoje Domingos Marques, do Comitê Nacional — lançou-se ao levantamento do Partido. As condições eram as piores possíveis. A reação nunca estivera tão violenta, tão certeira a polícia nos seus golpes. Havia um nome conhecido nas fichas policiais e ardentemente procurado por todos os tiras da Ordem Política e Social: era o Vermelhinho e sabiam deles que tinha o cabelo ruivo. A fome, o trabalho sem limites, as andanças pela cidade, a falta de qualquer recurso. O Vermelhinho não parava no seu estafante trabalhar. Devia levantar a direção do Partido, pôr em funcionamento a máquina partidária, reerguer as células, tirar material clandestino, distribuí-lo, fazer quadros. Era no tempo da reação matando militantes, das torturas sem fim nos cárceres paulistas e cariocas.

E chegou o inverno de São Paulo. Úmido, reclamando alimento para os corpos, descanso nas noites, cortando com sua neblina os peitos fracos. Comeu um pulmão do Vermelhinho. Quando ele começou a escarrar sangue não parou de trabalhar. Tinha uma tarefa e a cumpriu. Reergueu a direção do Partido e seus organismos de base. Cumpriu sua tarefa apesar de que o inverno paulista estava comendo seu pulmão direito. Então os companheiros mandaram-no para Campos do Jordão.

Mas, antes mesmo que o clima lhe pudesse fazer bem, chegou a notícia: caíra a direção paulista do Partido, a polícia mais uma vez, guiada pelos traidores trotskistas, havia esfacelado a direção comunista. Vermelhinho não vacilou, a vacilação nunca foi do seu temperamento. Arrumou a mala — que mala! — e voltou. No outro inverno paulista seu pulmão esquerdo também foi comido pela tísica mas novamente se havia reerguido o Partido, sua direção, seus organismos de bases, novamente circulava material e o trabalho do Partido fazia-se sentir. Primeiro fora o pulmão direito, agora tinha sido o esquerdo. Mais pulmões houvesse, mais pulmões o Vermelhinho daria pelo Partido.

E foi-se curar depois, mas ah! não em sanatórios nem em climas próprios de ar puro e condições higiênicas. Para os militantes na ilegalidade, os sanatórios, como as universidades, eram as salas das prisões, as celas imundas, os infectos porões. Foi na cadeia que o Vermelhinho descansou.

continua>>>


Inclusão 08/04/2014