Aos Pobres do Campo
Explicação aos camponeses daquilo que querem os sociais-democratas

V. I. Lénine

Março de 1903

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Escrito: na primeira metade de Março de 1903.
Fonte: Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1986, t1, pp 38-102.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.7, pp. 129-203.
Transcrição: Manuel Gouveia
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.

capa

1. A Luta dos Operários Urbanos

Muitos camponeses já ouviram falar, provavelmente, das agitações operárias nas cidades. Alguns estiveram eles próprios nas capitais e nas fábricas e viram aí os motins, como lhes chama a polícia.

Outros conhecem operários que participaram nas agitações e foram deportados pelas autoridades para o campo. A uns terceiros caíram nas mãos panfletos ou livros sobre a luta operária. Uns quantos ouviram simplesmentes histórias de pessoas experientes sobre aquilo que se passa nas cidades.

Antes eram apenas os estudantes que se amotinavam, mas agora ergueram-se em todas as grandes cidades milhares e dezenas de milhares de operários. Eles lutam, na maior parte das vezes, contra os seus patrões, contra os fabricantes, contra os capitalistas. Os operários organizam greves, interrompem todos ao mesmo tempo o trabalho na fábrica e reivindicam aumentos de salário, reivindicam que não os obriguem a trabalhar nem onze nem dez horas por dia mas apenas oito. Os operários reivindicam também toda a espécie de outras maneiras de aliviar a vida do homem que trabalha. Eles querem que as oficinas sejam mais bem organizadas, que as máquinas sejam protegidas por dispositivos especiais e não mutilem os que trabalham, que os seus filhos possam ir à escola, que os doentes sejam tratados como deve ser nos hospitais, que as habitações dos operários sejam casas de gente e não casotas de cães.

A polícia intervém na luta operária. A polícia prende operários, atira-os para a prisão, deporta-os sem julgamento para a sua terra natal e mesmo para a Sibéria. O governo proíbe pela lei as greves e assembleias de operários. Mas os operários travam a luta tanto contra a polícia como contra o governo. Os operários dizem: já basta de nós, milhões de operários, vergarmos a espinha! já basta de trabalharmos para os ricos, continuando nós próprios na miséria! já basta de deixar que nos roubem! queremos unir-nos em associações, unir todos os operários numa só grande união operária (o partido operário) e procurar em conjunto alcançar uma vida melhor. Queremos alcançar uma nova e melhor organização da sociedade: nesta sociedade nova e melhor não deve haver nem ricos nem pobres, todos devem participar no trabalho. Não deve ser um punhado de ricos, mas todos os trabalhadores, a gozar os frutos do trabalho comum. As máquinas e outros aperfeiçoamentos devem facilitar o trabalho de todos e não enriquecer uns poucos à custa de milhões e dezenas de milhões de pessoas. Esta sociedade nova e melhor chama-se sociedade socialista. A doutrina sobre ela chama-se socialismo. As uniões de operários para a luta por esta melhor organização da sociedade chamam-se partidos dos sociais-democratas. Estes partidos existem abertamente em quase todos os países (excepto na Rússia e na Turquia), e os nossos operários, juntamente com os socialistas de entre as pessoas com instrução, também organizaram esse partido: o Partido Operário Social-Democrata da Rússia.

O governo persegue-o, mas o partido existe clandestinamente, apesar de todas as proibições, editando os seus jornais e livros, organizando associações clandestinas. E os operários não só se reúnem em assembleias clandestinas como saem à rua em multidões e desenrolam bandeiras com a inscrição: «Viva a jornada de trabalho de 8 horas, viva a liberdade, viva o socialismo!» Por esta razão o governo persegue raivosamente os operários. Manda mesmo a tropa disparar sobre os operários. Soldados russos mataram operários russos em laroslavl e Sampetersburgo, em Riga, em Rostov-do-Don, em Zlatoúst.(1)

Mas os operários não se rendem. Continuam a luta. Eles dizem: nenhumas perseguições, nem a prisão, nem a deportação, nem os trabalhos forçados, nem a morte nos intimidarão. A nossa causa é justa. Lutamos pela liberdade e pela felicidade de todos os que trabalham. Lutamos pela libertação de dezenas e centenas de milhões de pessoas da violência, da opressão, da miséria. Os operários tornam-se cada vez mais conscientes. O número de sociais-democratas aumenta rapidamente em todos os países. Venceremos apesar de todas as perseguições.

Os pobres do campo têm de compreender claramente quem são estes sociais-democratas, o que querem eles e como se deve actuar nas aldeias para os ajudar a conquistar a felicidade para o povo.

2. Que Querem os Sociais-Democratas?

Os sociais-democratas russos procuram antes de mais alcançar a liberdade política. E precisam da liberdade para unir ampla e abertamente todos os operários russos na luta por uma nova e melhor organização socialista da sociedade.

Que é a liberdade política?

Para compreender isto, o camponês tem antes de mais de comparar a sua liberdade actual com a servidão. Sob a servidão o camponês não podia casar-se sem autorização do latifundiário. Agora o camponês é livre de se casar sem quaisquer autorizações. Sob a servidão o camponês tinha de trabalhar obrigatoriamente para o seu senhor nos dias indicados pelo feitor por ele nomeado. Agora o camponês é livre de escolher para que patrão, em que dias e por que salário há-de trabalhar. Sob a servidão o camponês não podia ausentar-se da aldeia para parte nenhuma sem a autorização do senhor. Hoje o camponês é livre de ir para onde quiser, se o mir(2) o deixar sair, se não tiver impostos em atraso, se lhe derem um passaporte, se o governador ou o comissário da polícia não o proibirem de se mudar. Quer dizer que o camponês ainda hoje não tem plena liberdade de ir para onde quiser, plena liberdade de movimento, que o camponês continua ainda a ser um semi-servo. Mais adiante falaremos em pormenor de por que é que o camponês russo continua a ser um semi-servo e de como pode sair desta situação.

Sob a servidão o camponês não podia adquirir bens sem autorização do senhor, não podia comprar terra. Agora o camponês é livre de adquirir quaisquer bens (o camponês ainda hoje não tem plena liberdade de sair do mir, plena liberdade de dispor da sua terra como quiser). Sob a servidão o camponês podia ser sujeito a castigos corporais pelo latifundiário. Agora o camponês não pode ser castigado pelo seu latifundiário, embora o camponês não esteja ainda hoje liberto dos castigos corporais.

Esta liberdade chama-se liberdade civil — liberdade nos assuntos familiares, nos assuntos pessoais, nos assuntos relativos a bens. O camponês e o operário são livres (embora não totalmente) de organizar a sua vida familiar, os seus assuntos pessoais, de dispor do seu trabalho (escolher um patrão), de dispor dos seus bens.

Mas nem os operários russos nem todo o povo russo têm ainda hoje a liberdade de tratar dos assuntos referentes a todo o povo. Todo o povo continua a ser servo dos funcionários, tal como os camponeses eram servos dos latifundiários. O povo russo não tem o direito de escolher os funcionários, não tem o direito de eleger representantes que façam as leis para todo o Estado. O povo russo não tem sequer o direito de organizar reuniões para discutir os assuntos do Estado. Sem autorização dos funcionários, colocados acima de nós sem o nosso acordo, como nos velhos tempos o senhor nomeava o feitor sem o acordo dos camponeses, não podemos sequer imprimir jornais e livros, não podemos falar diante de todos e para todos acerca dos assuntos de todo o Estado!

Tal como os camponeses eram escravos dos latifundiários, assim o povo russo continua ainda hoje a ser escravo dos funcionários. Tal como sob a servidão os camponeses não tinham liberdade civil, assim o povo russo não tem ainda hoje liberdade política. Liberdade política significa a liberdade do povo de tratar dos seus assuntos referentes a todo o povo, dos assuntos do Estado. Liberdade política significa o direito do povo de eleger os seus representantes (deputados) à Duma de Estado (parlamento). Todas as leis devem ser discutidas e adoptadas, todos os impostos e tributos fixados apenas por esta Duma de Estado (parlamento) eleita pelo próprio povo. Liberdade política significa o direito do povo de escolher ele próprio todos os funcionários, de organizar toda a espécie de reuniões para discutir todos os assuntos do Estado, de publicar, sem nenhuma espécie de autorizações, quaisquer livros e jornais que queira.

Todos os restantes povos europeus já há muito conquistaram a liberdade política. Só na Turquia e na Rússia o povo continua politicamente escravizado pelo governo do sultão e pelo governo autocrático tsarista. Autocracia tsarista significa poder ilimitado do tsar. O povo não tem nenhuma participação na organização do Estado e na governação do Estado. O tsar é o único que adopta todas as leis e nomeia todos os funcionários, pelo seu poder unipessoal, ilimitado, autocrático. Mas o tsar, evidentemente, não pode sequer conhecer todas as leis russas e todos os funcionários russos. O tsar não pode sequer conhecer tudo aquilo que se passa no Estado. O tsar apenas ratifica a vontade de algumas dezenas dos funcionários mais importantes e de mais alta nobreza. Um só homem, por muito que quisesse, não poderia governar um Estado tão imenso como a Rússia. Quem governa a Rússia não é o tsar — falar da autocracia de um só homem é apenas um modo de dizer! —, quem governa a Rússia é um punhado dos funcionários mais ricos e de mais alta nobreza. O tsar só sabe aquilo que este punhado entende vantajoso comunicar-lhe. O tsar não tem nenhuma possibilidade de ir contra a vontade deste punhado de nobres de destaque: o próprio tsar é um latifundiário e um nobre; desde a infância ele só viveu entre essas pessoas de alta nobreza; foram elas que o criaram e educaram; sobre o povo russo ele só sabe o que sabem estes nobres de linhagem, os latifundiários ricos e os poucos comerciantes muito ricos que têm acesso à corte do tsar.

Em cada administração de vólost pode-se encontrar o mesmo quadro: no quadro está representado o tsar (o pai do actual, Alexandre III). O tsar faz um discurso aos chefes de vólost que vieram à sua coroação. O tsar ordena-lhes: «obedecei aos vossos marechais da nobreza!» E o tsar actual, Nicolau II, repetiu a mesma coisa. Quer dizer que os próprios tsares reconhecem que não podem governar o Estado senão com a ajuda dos nobres, através dos nobres. É preciso recordar bem estes discursos do tsar sobre a obediência dos camponeses aos nobres. É preciso recordar claramente que mentira dizem ao povo aqueles que se esforçam por apresentar o governo tsarista como o melhor dos governos. Nos outros países, dizem estas pessoas, o governo é eleito; aí são eleitos os ricos, e os ricos governam de maneira injusta, oprimem os pobres. Mas na Rússia o governo não é eleito; é um tsar autocrático que governa todos. O tsar está acima de todos, tanto pobres como ricos. O tsar é justo, dizem eles, para todos, para os pobres e para os ricos da mesma maneira.

Tais discursos são apenas hipocrisia. Todos os russos sabem qual é a justiça do nosso governo. Todos sabem se no nosso país um simples operário ou camponês assalariado pode entrar para o Conselho de Estado. Mas em todos os outros países europeus entraram nas Dumas de Estado (parlamentos) tanto operários das fábricas como assalariados do campo: e eles falaram livremente perante todo o povo da vida miserável dos operários, exortaram os operários a unirem-se e a lutarem por uma vida melhor. E ninguém ousou interromper os discursos dos eleitos do povo, nenhum polícia ousou tocar-lhes com um dedo.

Na Rússia não há governo eleito, e quem governa não são apenas os ricos e os bem-nascidos, mas os piores de entre eles. Governam aqueles que melhor intrigam na corte do tsar, aqueles que melhor sabem passar rasteiras, aqueles que mentem e caluniam ao tsar, o adulam e bajulam. Governam em segredo, o povo não sabe nem pode saber que leis se preparam, que guerras se planeiam, que novos impostos se introduzem, que funcionários são recompensados e por quê, quais os que são destituídos.(3) Em nenhum país há uma tão grande quantidade de funcionários como na Rússia. E estes funcionários erguem-se como uma sombria floresta acima do povo sem voz — e o simples operário nunca conseguirá romper através desta floresta, nunca conseguirá alcançar a verdade. Não vem à luz uma só queixa contra funcionários por suborno, roubo e violência: a burocracia oficial reduz a nada qualquer queixa. A voz de um homem só nunca chega a todo o povo, mas perde-se nesse sombrio matagal, é estrangulada na câmara de torturas da polícia. Um exército de funcionários que não foram eleitos pelo povo e que não são obrigados a prestar contas ao povo teceu uma espessa teia, e nesta teia as pessoas debatem-se como moscas.(5)

A autocracia tsarista é a autocracia dos funcionários. A autocracia tsarista é a dependência feudal do povo em relação aos funcionários e sobretudo em relação à polícia. A autocracia tsarista é a autocracia da polícia.

É por isso que os operários saem à rua e escrevem nas suas bandeiras: «Abaixo a autocracia!», «Viva a liberdade política!» É por isso que também as dezenas de milhões de pobres do campo devem apoiar, fazer seu, este grito de guerra dos operários da cidade. Tal como eles, os operários rurais e os camponeses não possuidores devem, sem temer as perseguições, sem se assustar com quaisquer ameaças e violências do inimigo, sem se perturbar com os primeiros reveses, lançar-se numa luta decidida pela liberdade de todo o povo russo e exigir em primeiro lugar a convocação dos representantes do povo. Que o próprio povo eleja em toda a Rússia os seus representantes (deputados). Que estes representantes formem uma assembleia suprema que institua o governo electivo na Rússia, liberte o povo da dependência feudal em relação aos funcionários e à polícia, assegure ao povo a liberdade de reunião, a liberdade de palavra e a liberdade de imprensa!

É isto que os sociais-democratas querem em primeiro lugar. É isto que significa a sua primeira reivindicação: a reivindicação da liberdade política.(6)

Sabemos que a liberdade política, a liberdade das eleições para a Duma de Estado (parlamento), a liberdade de reunião, a liberdade de imprensa, não bastam para que o povo trabalhador se veja imediatamente livre da miséria e da opressão. Não existe no mundo nenhum meio para libertar imediatamente os pobres da cidade e do campo do trabalho para os ricos. O povo trabalhador não pode confiar em ninguém, não pode contar com ninguém a não ser consigo próprio. Ninguém libertará o trabalhador da miséria se ele não se libertar a si próprio. E para se libertarem, os operários devem unir-se em todo o país, em toda a Rússia, numa só associação, num só partido. Mas os milhões de operários não podem unir-se se o governo policial autocrático proibir toda a espécie de reuniões, toda a espécie de jornais operários, toda a espécie de eleições de deputados operários. Para se unir é preciso ter o direito de organizar toda a espécie de associações, é preciso ter liberdade de associação, é preciso ter liberdade política.

A liberdade política não libertará imediatamente o povo trabalhador da miséria, mas ela dará aos operários uma arma para a luta contra a miséria. Não há outro meio nem pode haver outro meio de luta contra a miséria que não seja a união dos próprios operários. Não é possível aos milhões de homens do povo unirem-se se não houver liberdade política.

Em todos os países europeus, onde o povo conquistou a liberdade política, os operários começaram já há muito a unir-se. Aos operários que não possuem nem terra nem oficinas, que trabalham toda a vida por um salário para outras pessoas - a esses operários chama-se em toda a Europa proletários. Já há mais de cinquenta anos que ressoou o apelo à união do povo trabalhador. «Proletários de todos os países, uni-vos!» — estas palavras deram nos últimos cinquenta anos a volta a todo o mundo, estas palavras são repetidas em dezenas e centenas de milhares de assembleias operárias, estas palavras podem ler-se em milhões de livros e jornais sociais-democratas em todas as línguas.

Como é evidente, unir milhões de operários numa só associação, num só partido, é uma coisa muito e muito difícil, que exige tempo, persistência, tenacidade e coragem. Os operários estão esmagados pela necessidade e pela miséria, embotados pelo eterno trabalho forçado para os capitalistas e latifundiários, os operários muitas vezes não têm tempo sequer para pensar por que é que permanecem eternamente miseráveis e em como é que se podem libertar disso. São criados obstáculos de toda a espécie à união dos operários: ou através da violência directa e feroz em países como a Rússia, em que não há liberdade política, ou através da recusa de dar trabalho aos operários que fazem propaganda da doutrina do socialismo, ou, finalmente, através do engano e do suborno. Mas nenhumas violências, nenhumas perseguições, deterão os operários proletários que lutam pela grande causa da libertação de todo o povo trabalhador da miséria e da opressão. Cresce constantemente o número de operários sociais-democratas. Assim, no país vizinho, a Alemanha, há um governo electivo. Antigamente na Alemanha também havia um governo monárquico ilimitado e autocrático. Mas já há muito tempo, há mais de cinquenta anos, o povo alemão destruiu a autocracia e conquistou pela força a liberdade política. Na Alemanha as leis não são feitas por um punhado de funcionários, como na Rússia, mas por uma assembleia de eleitos do povo. o parlamento ou dieta imperial(8), como lhe chamam os alemães. Os deputados a esta assembleia são eleitos por todos os homens adultos. Por isso é possível contar quantos votos foram dados aos sociais-democratas. Em 1887 um décimo de todos os votos foi dado aos sociais-democratas. Em 1898 (quando se realizaram pela última vez eleições para a dieta imperial alemã) o número de votos sociais-democratas aumentou quase três vezes. Já mais de um quarto de todos os votos foram dados aos sociais-democratas. Mais de dois milhões de homens adultos votaram em deputados sociais-democratas ao parlamento.(9) Na Alemanha o socialismo está ainda pouco espalhado entre os operários rurais, mas agora ele avança aí particularmente depressa. E quando a massa dos assalariados agrícolas, dos jornaleiros e do campesinato não possuidor e pauperizado se unir aos seus irmãos da cidade, os operários alemães vencerão e estabelecerão um sistema em que não haja miséria e opressão dos trabalhadores.

Mas de que modo querem os operários sociais-democratas libertar o povo da miséria?

Para saber isto é necessário compreender claramente de onde provém a miséria das vastas massas do povo nos sistemas sociais actuais. Crescem ricas cidades, constroem-se lojas e casas luxuosas, instalam-se caminhos-de-ferro, introduzem-se toda a espécie de máquinas e melhoramentos na indústria e na agricultura - mas milhões de pessoas não conseguem sair da miséria e continuam a trabalhar toda a sua vida para sustentar a custo a família. Mais ainda: são cada vez mais os desempregados. São cada vez mais as pessoas, tanto nos campos como nas cidades, que não conseguem de modo nenhum encontrar qualquer trabalho. No campo passam fome, nas cidades juntam-se ao número dos vadios e desclassificados, abrigam-se, como animais, nas casas cavadas na terra dos arrabaldes das cidades ou em horríveis bairros miseráveis e caves, como no mercado Khitrov de Moscovo.

Como pode ser isto? São cada vez mais as riquezas e o luxo, mas os milhões e milhões que criam com o seu trabalho todas as riquezas permanecem todavia na pobreza e na miséria? Os camponeses morrem de fome, os operários vagueiam sem trabalho - mas os comerciantes exportam para o estrangeiro milhões de puds(10) de trigo e as fábricas param porque não há onde colocar as mercadorias, onde vendê-las?

Isto acontece antes de mais porque a imensa maioria da terra, e também as fábricas, oficinas, máquinas, edifícios, barcos, pertencem a um pequeno número de ricos. Nestas terras, nestas fábricas e oficinas, trabalham dezenas de milhões de pessoas, mas elas pertencem a alguns milhares ou a algumas dezenas de milhares de ricos, de latifundiários, de comerciantes e de fabricantes. O povo trabalha para estes ricos a troco de um salário, de um pedaço de pão. Tudo o que é produzido para além da miserável manutenção dos operários, tudo isso vai para as mãos dos ricos, tudo isso constitui o seu lucro, os seus «rendimentos». Todas as vantagens das máquinas e das melhorias no trabalho beneficiam os proprietários agrários e os capitalistas: eles acumulam riquezas incontáveis; mas desta riqueza os trabalhadores obtêm pobres migalhas. Os trabalhadores unem-se para o trabalho: nos grandes domínios e nas grandes fábricas trabalham algumas centenas, por vezes mesmo alguns milhares de operários. Devido a essa união do trabalho, com a utilização das mais diferentes máquinas o trabalho torna-se mais eficaz: um só operário produz muito mais do que anteriormente dezenas de operários trabalhando sozinhos e sem quaisquer máquinas. Mas quem aproveita com esta eficácia, com esta produtividade do trabalho, não são todos os trabalhadores mas apenas um número insignificante de grandes proprietários agrários, comerciantes e fabricantes.

Pode ouvir-se muitas vezes que os latifundiários e comerciantes «dão trabalho» ao povo, «dão» salários aos pobres. Diz-se, por exemplo, que a fábrica vizinha ou a exploração agrícola vizinha «alimenta» os camponeses locais. Mas de facto são os operários que com o seu trabalho se alimentam tanto a si próprios como a todos aqueles que não trabalham eles próprios. Mas pela permissão para trabalhar na terra do latifundiário, na fábrica ou no caminho-de-ferro, o operário entrega gratuitamente ao proprietário tudo aquilo que é produzido, recebendo ele próprio apenas o suficiente para uma parca subsistência. Quer dizer que de facto não são os latifundiários e os comerciantes que dão trabalho aos operários mas os operários que com o seu trabalho sustentam todos, entregando gratuitamente a maior parte do seu trabalho.

Continuemos. A miséria do povo decorre em todos os Estados contemporâneos do facto de que os trabalhadores produzem toda a espécie de artigos para venda, para o mercado. O fabricante e o artesão, o latifundiário e o camponês abastado produzem estes ou aqueles artigos, criam gado, semeiam e colhem trigo para vender, para obter dinheiro. O dinheiro tornou-se agora em toda a parte a força principal. Toda a espécie de produtos do trabalho humano se troca por dinheiro. Com dinheiro pode-se comprar tudo o que se quiser. Com dinheiro pode-se mesmo comprar um homem, isto é, obrigar um homem que nada possui a trabalhar para aquele que tem dinheiro. Antigamente a força principal era a terra - assim foi sob a servidão; quem tinha terra tinha força e poder. Mas agora o dinheiro, o capital, tornou-se a força principal. Com dinheiro pode-se comprar quanta terra se quiser. Sem dinheiro não se faz muito, mesmo tendo terra: não se pode comprar um arado nem outras alfaias, comprar gado, roupas e toda a espécie de outras mercadorias da cidade, sem falar já do pagamento dos impostos. Por dinheiro quase todos os latifundiários hipotecaram as suas terras aos bancos.

Para arranjar dinheiro, o governo pede empréstimos aos ricos e aos banqueiros de todo o mundo, e paga ao ano centenas de milhões de rublos de juros por estes empréstimos.

Por dinheiro todos travam agora uma guerra feroz uns contra os outros. Cada um esforça-se por comprar mais barato, por vender mais caro, cada um esforça-se por ultrapassar o outro, por vender o mais possível de mercadorias; por fazer baixar os preços, por ocultar ao outro um lugar de venda vantajoso ou um fornecimento vantajoso. É aos pequenos, ao pequeno artesão e ao pequeno camponês, que toca a pior parte nesta luta geral pelo dinheiro: eles ficam sempre atrás do comerciante rico ou do camponês rico. Eles nunca têm qualquer reserva, eles vivem dia a dia, têm a cada dificuldade, a cada caso infeliz, de empenhar os últimos trastes ou vender por uma ninharia o gado de trabalho. Uma vez caídos nas garras de um qualquer kulaque ou usurário, eles já só muito raramente conseguem libertar-se das peias, e na maioria dos casos arruínam-se completamente. Cada ano dezenas e centenas de milhares de pequenos camponeses e artesãos fecham as suas casas, entregam gratuitamente o seu lote à comunidade e tornam-se operários assalariados, jornaleiros agrícolas, trabalhadores não especializados, proletários. E os ricos enriquecem cada vez mais nesta luta pelo dinheiro. Os ricos juntam dinheiro nos bancos aos milhões e às centenas de milhões de rublos e lucram não só com o seu próprio dinheiro mas também com o dinheiro alheio que está depositado no banco. Pelas dezenas ou centenas de rublos que os pequenos põem no banco ou caixa económica eles recebem um juro de três ou quatro copeques por rublo, mas com estas dezenas os ricos fazem milhões, ampliam com estes milhões o seu movimento de capitais e ganham dez a vinte copeques por rublo.

É por isso que os operários sociais-democratas dizem que o único meio para pôr fim à miséria do povo é mudar de cima a baixo a ordem actual em todo o Estado e estabelecer uma ordem socialista, isto é: tirar aos grandes proprietários agrários as suas propriedades, aos fabricantes as suas fábricas, aos banqueiros os seus capitais em dinheiro, aniquilar a sua propriedade privada e entregá-la nas mãos de todo o povo trabalhador em todo o Estado. Então quem disporá do trabalho dos operários não serão os ricos que vivem do trabalho alheio mas os próprios operários e os seus eleitos. Então os frutos do trabalho comum e as vantagens de todas as melhorias e máquinas serão em benefício de todos os trabalhadores, de todos os operários. Então a riqueza crescerá ainda mais depressa, porque os operários trabalharão melhor para si próprios do que para os capitalistas e a jornada de trabalho será mais pequena, o nível de vida dos operários será melhor, toda a sua vida mudará completamente.

Mas mudar toda a ordem em todo o Estado não é uma coisa fácil. Para isso é necessário muito trabalho, muita luta longa e tenaz. Todos os ricos, todos os proprietários, toda a burguesia(11) defenderá com todas as forças as suas riquezas. Em defesa de toda a classe rica erguer-se-ão os funcionários e o exército, porque o próprio governo se encontra nas mãos da classe rica. Os operários devem unir-se como um só homem para a luta contra todos aqueles que vivem do trabalho alheio; os operários devem unir-se a si próprios e unir todos os não possuidores numa só classe operária, numa só classe do proletariado. A luta não será fácil para a classe operária, mas esta luta terminará necessariamente com a vitória dos operários, porque a burguesia, ou aqueles que vivem do trabalho alheio, constitui uma parte ínfima do povo. E a classe operária é a imensa maioria do povo. Os operários contra os proprietários - isto significa milhões contra milhares.

E na Rússia os operários começam já a unir-se para esta grande luta num só partido operário social-democrata. Por mais difícil que seja unir-se clandestinamente, ocultando-se da polícia, a união fortalece-se e cresce. Mas, quando o povo russo conquistar a liberdade política, a causa da união da classe operária, a causa do socialismo, avançará incomparavelmente mais depressa, ainda mais depressa do que avança entre os operários alemães.

3. Riqueza e Miséria, Proprietários e Operários no Campo

Sabemos agora o que querem os sociais-democratas. Eles querem lutar contra toda a classe rica pela libertação do povo da miséria. E no nosso campo a miséria não é menor, antes talvez seja mesmo maior, do que nas cidades. Não vamos falar aqui de como é grande a miséria no campo: cada operário que tenha estado no campo e cada camponês conhece muito bem a miséria, a fome, o frio e a ruína no campo.

Mas o camponês não sabe por que é que vive na miséria, passa fome e se arruina e como libertar-se desta miséria. Para saber isso é preciso antes de mais compreender de que decorrem toda a indigência e miséria tanto na cidade como no campo. Já falámos disto brevemente e vimos que os camponeses não possuidores e os operários rurais devem unir-se aos operários da cidade. Mas isto não chega. Além disso é preciso saber quem no campo seguirá os ricos, os proprietários, e quem seguirá os operários, os sociais-democratas. É preciso saber se são muitos os camponeses que, não pior do que os latifundiários, são capazes de adquirir capital e de viver do trabalho alheio. Se não esclarecermos isto a fundo, nenhuns discursos sobre a miséria conduzirão a nada, e os pobres do campo não compreenderão quem é que no campo se deve unir entre si e com os operários da cidade e como fazer de modo a que seja uma união segura, de modo a que o camponês não seja enganado, além de pelo latifundiário, também pelo seu irmão — o camponês rico.

Para esclarecer isto, vamos agora ver qual é a força dos latifundiários no campo e qual é a força dos camponeses ricos.

Comecemos pelos latifundiários. Pode-se ajuizar da sua força antes de mais pela quantidade de terra que possuem como propriedade privada. O total das terras na Rússia europeia, tanto as terras em lotes dos camponeses como as terras em propriedade privada, foi calculado em cerca de 240 milhões de deciatinas(12) (excepto as terras do Estado, das quais falaremos em particular). Destes 240 milhões de deciatinas encontram-se nas mãos dos camponeses, isto é, nas mãos de mais de dez milhões de famílias, 131 milhões de deciatinas de terras em lotes. E nas mãos dos proprietários privados, isto é, nas mãos de menos de meio milhão de famílias, encontram-se 109 milhões de deciatinas. Quer dizer que, mesmo que fizéssemos uma média, a uma famíla camponesa caberiam 13 deciatinas e a uma família de proprietário privado 218 deciatinas! Mas a desigualdade na distribuição da terra é ainda muito mais acentuada, como passamos a ver.

Dos 109 milhões de deciatinas dos proprietários privados sete milhões encontram-se nas mãos da coroa, isto é, são propriedade privada dos membros da família imperial. O tsar, mais a sua família, é o primeiro dos latifundiários, o maior latifundiário da Rússia. Uma família tem mais terra do que meio milhão de famílias camponesas! Além disso, as igrejas e mosteiros têm cerca de seis milhões de deciatinas de terra. Os nossos padres pregam aos camponeses o desapego e a abstinência mas eles próprios acumularam, sem olhar a meios, uma imensa quantidade de terra.

Depois, cerca de dois milhões de deciatinas são de cidades e subúrbios e a mesma quantidade está nas mãos de diferentes sociedades e companhias comerciais e industriais. Noventa e dois milhões de deciatinas de terra (o número exacto é 91 605 845, mas citaremos, por uma questão de simplicidade, números redondos) pertencem a menos de meio milhão (481 358) de famílias de proprietários privados. Metade deste número de famílias são proprietários muito pequenos; cada uma tem menos de dez deciatinas de terra. E todas elas em conjunto têm menos de um milhão de deciatinas. Mas dezasseis mil famílias têm cada uma mais de mil deciatinas de terra; no total têm sessenta e cinco milhões de deciatinas. Que quantidades imensas de terra estão concentradas nas mãos dos grandes proprietários agrários é o que se vê ainda pelo facto de um pouco menos de mil famílias (924) possuírem cada uma mais de dez mil deciatinas de terra, e terem no seu conjunto vinte e sete milhões de deciatinas! Mil famílias têm tanto como dois milhões de famílias camponesas.

É compreensível que milhões e dezenas de milhões de pessoas tenham de viver na pobreza e passar fome, e continuarão sempre a viver na pobreza e a passar fome enquanto nas mãos de alguns milhares de ricos estiverem quantidades tão imensas de terra. É compreensível que mesmo o poder de Estado, o próprio governo (ainda que seja o governo do tsar), continuem, enquanto assim for, a dançar conforme toquem estes grandes proprietários agrários. É compreensível que os pobres do campo não possam esperar ajuda de ninguém e de parte nenhuma enquanto eles próprios não se unirem, não se juntarem numa só classe para uma luta tenaz e desesperada contra esta classe latifundiária.

É preciso assinalar aqui que no nosso país muitíssimas pessoas (e mesmo muitas pessoas instruídas) têm uma visão completamente errada sobre a força da classe latifundiária, dizendo que o «Estado» tem ainda muito mais terra. «Já hoje», dizem esses maus conselheiros do camponês, «a maior parte do território (isto é, de toda a terra) da Rússia pertence ao Estado» (estas palavras foram retiradas do jornal Revoliutsiónnaia Rossía, n.° 8, p. 8). O erro destas pessoas decorre do seguinte. Ouviram dizer que na Rússia europeia pertencem ao tesouro 150 milhões de deciatinas. Isto é realmente assim. Mas esqueceram-se de que estes cento e cinquenta milhões de deciatinas são constituídos quase inteiramente por terras incultiváveis e florestas no Extremo Norte, nas gubérnias de Arkhánguelsk, Vólogda, Olónets, Viátka e Perm. Quer dizer que para o tesouro só ficaram as terras que até agora eram absolutamente imprestáveis para cultivar. O tesouro tem de terras cultiváveis menos de quatro milhões de deciatinas. E estas terras cultiváveis do tesouro (por exemplo na gubérnia de Samara, onde são particularmente grandes) são arrendadas baratas, por uma ninharia, pelos ricos. Os ricos tomam de renda milhares e dezenas de milhares de deciatinas destas terras e depois distribuem-nas aos camponeses pelo triplo do preço.

Não, são bem maus conselheiros do camponês aqueles que dizem: o tesouro tem muitas terras. Na realidade, quem tem muitas terras boas são os grandes proprietários agrários privados (incluindo o tsar pessoalmente), e estes grandes latifundiários têm nas mãos o próprio governo. E enquanto os pobres do campo não souberem unir-se e tornar-se, através da sua união, uma força temível, o «Estado» permanecerá sempre um servo dócil da classe latifundiária. E é preciso não esquecer ainda o seguinte: antigamente quase só os nobres eram latifundiários. Os nobres continuam a ter uma grande quantidade de terra (em 1877-1878, 115 000 nobres possuíam 73 milhões de deciatinas). Mas o dinheiro, o capital, tornou-se agora a força principal. Os comerciantes e os camponeses abastados compraram muita e muita terra. Calcula-se que em trinta anos (de 1863 a 1892) os nobres perderam terras (isto é, venderam mais do que compraram) no valor de seiscentos e tal milhões de rublos. E os comerciantes e cidadãos ricos adquiriram terras no valor de 250 milhões de rublos. Os camponeses, os cossacos e «outros habitantes rurais» (como o nosso governo chama à gente humilde para a distinguir da «gente nobre» e «limpa») adquiriram terras no valor de 300 milhões de rublos. Quer dizer que em cada ano, em média, os camponeses em toda a Rússia compram como propriedade privada mais terra no valor de 10 milhões de rublos.

Então, há diferentes espécies de camponeses: uns vivem na pobreza e passam fome, outros enriquecem. Então, são cada vez mais os camponeses ricos que se inclinam para os latifundiários, que tomarão o fado dos ricos contra os operários. E os pobres do campo, que querem unir-se aos operários da cidade, têm de meditar bem nisto, têm de ver se são muitos estes camponeses, qual é a sua força e qual é a união de que necessitamos para lutar contra essa força. Acabámos de referir os maus conselheiros do camponês. Estes maus conselheiros gostam de dizer: os camponeses já têm uma união. Esta união é o mir, a comunidade. O mir é uma grande força. A união no mir agrupa estreitamente os camponeses; a organização (isto é, a união, a associação) do campesinato no mir é colossal (isto é, enorme, sem limites).

Isto é falso. Isto é uma história. Embora seja inventada por boas pessoas, não deixa de ser uma história. Se dermos ouvidos a histórias apenas prejudicaremos a nossa causa, a causa da união dos pobres do campo com os operários da cidade. Que cada um que vive no campo olhe bem à sua volta: assemelhar-se-á a união no mir, assemelhar-se-á a comunidade camponesa à união dos pobres para lutar contra todos os ricos, contra todos os que vivem do trabalho alheio? Não, não se assemelha nem se pode assemelhar. Em cada aldeia, em cada comunidade, há muitos assalariados agrícolas, muitos camponeses empobrecidos, e há ricos que empregam eles próprios assalariados e compram terra «em propriedade perpétua». Estes ricos também são membros da comunidade, e são eles que chefiam a comunidade porque eles são uma força. Mas precisaremos nós de uma união em que entram os ricos, em que são os ricos a chefiar? De modo nenhum. Precisamos de uma união para lutar contra os ricos. Quer dizer que a união no mir não nos serve de modo nenhum.

Precisamos de uma união voluntária, de uma união apenas das pessoas que compreenderam que necessitam de se unir com os operários da cidade. E a comunidade não é uma união voluntária, é uma união oficial. A comunidade não consiste naquelas pessoas que trabalham para os ricos, que querem lutar juntas contra os ricos. A comunidade consiste em toda a espécie de pessoas, não porque seja essa a sua vontade mas porque os seus pais viveram nesta terra, trabalharam para este latifundiário, porque as autoridades as inscreveram nesta comunidade. Os camponeses pobres não podem sair livremente da comunidade; não podem aceitar livremente na comunidade uma pessoa alheia que esteja inscrita pela polícia noutro vólost, mas nós, para a nossa união, talvez precisemos dela precisamente aí. Não, nós precisamos de uma união completamente diferente, de uma união voluntária composta apenas por trabalhadores e camponeses pobres para lutar contra todos aqueles que vivem do trabalho alheio.

Passaram já há muito os tempos em que o mir era uma força. E esses tempos nunca mais voltarão. O mir era uma força quando entre os camponeses quase não havia assalariados agrícolas e operários vagueando por toda a Rússia em busca de um salário, quando quase também não havia ricos, quando todos eram igualmente oprimidos pelo senhor feudal. Mas agora o dinheiro tornou-se a força principal. Por dinheiro mesmo membros da mesma comunidade lutam entre si como animais ferozes. Os camponeses endinheirados oprimem e roubam os membros da sua própria comunidade mais do que alguns latifundiários. Agora do que precisamos não é da união no mir mas de uma união contra o poder do dinheiro, contra o poder do capital, uma união de todos os trabalhadores do campo e camponeses pobres das diferentes comunidades, uma união de todos os pobres do campo com os operários da cidade para lutar igualmente contra os latifundiários e os camponeses ricos.

Já vimos qual é a força dos latifundiários. Temos de ver agora se há muitas camponeses ricos e qual é a sua força.

Ajuizámos da força dos latifundiários pela dimensão dos seus domínios, pela quantidade da terra que têm. Os latifundiários dispõem livremente da sua terra, compram-na e vendem-na livremente. Por isso pode-se ajuizar com muita precisão da sua força pela quantidade da terra que têm. Mas os camponeses continuam a não possuir no nosso país o direito de dispor livremente da sua terra, continuam a ser semi-servos, amarrados à sua comunidade. Por isso não se pode ajuizar da força dos camponeses ricos pela quantidade de terra dos lotes que têm. Não é com os seus lotes que os camponeses ricos enriquecem: eles compram muita terra, compram tanto «em propriedade perpétua» (isto é, como sua propriedade privada) como «ao ano» (isto é, tomam de renda), compram tanto aos latifundiários como ao seu irmão camponês, àquele que abandona a terra, àquele que por necessidade arrenda os lotes. Por isso a maneira mais segura de dividir os camponeses ricos, médios e pobres será a quantidade de cavalos que têm. O camponês que tem muitos cavalos é quase sempre um camponês rico; se ele mantém muito gado de trabalho quer dizer que faz grandes sementeiras, que tem terra além do lote e que tem dinheiro disponível. Além disso, temos a possibilidade de saber quantos camponeses com muitos cavalos há em toda a Rússia (na Rússia europeia, sem contar nem a Sibéria nem o Cáucaso). Evidentemente, não se pode esquecer que sobre toda a Rússia só se pode falar em média: nos diferentes uézds e gubérnias há muitas diferenças. Por exemplo, perto das cidades existem muitas vezes camponeses ricos que não têm muitos cavalos. Alguns deles dedicam-se ao proveitoso negócio da horticultura, outros têm poucos cavalos mas muitas vacas e comerciam em leite. Na Rússia há também em toda a parte camponeses que não enriquecem com a terra mas com o comércio, dirigem fábricas de manteiga, moagens e outras empresas. Quem quer que viva no campo conhece muito bem camponeses ricos na sua aldeia ou nos arredores. Mas precisamos de saber quantos são eles em toda a Rússia, qual é a sua força, para que o camponês pobre não ande ao acaso, com os olhos vendados, mas saiba com precisão quem são os seus amigos e quem são os seus inimigos.

Vamos pois ver se há muitos camponeses ricos e pobres em cavalos. Já dissemos que ao todo se contam na Rússia cerca de dez milhões de famílias camponesas. Ao todo têm agora, provavelmente, cerca de quinze milhões de cavalos (há uns catorze anos havia dezassete milhões, mas agora são menos). Quer dizer que em média cabem quinze cavalos a cada dez famílias. Mas toda a questão está em que uns, poucos, têm muitos cavalos, e outros, e que são muitíssimos, ou não têm nenhuns ou têm poucos. Os camponeses que não têm nenhum cavalo são pelo menos três milhões, e são cerca de três milhões e meio os que têm só um cavalo. Todos eles são camponeses ou totalmente arruinados ou pobres. Chamamos-lhes pobres do campo. Eles são seis milhões e meio em dez milhões, isto é, quase dois terços! Depois vêm os camponeses médios, cada um dos quais tem um par de animais de trabalho. Esses camponeses constituem cerca de dois milhões de famílias e têm cerca de quatro milhões de cavalos. Depois deles vêm os camponeses ricos, que possuem cada um mais do que um par de animais de trabalho. Esses camponeses constituem um milhão e meio de famílias, mas têm sete milhões e meio de cavalos(13). Isto significa que aproximadamente um sexto das famílias possui metade do número total de cavalos.

Sabendo isto, podemos ajuizar com bastante precisão da força dos camponeses ricos. Em número são muito poucos: em diferentes comunidades, em diferentes vólosts, somam uma ou duas dezenas por cada cem famílias. Mas estas poucas famílias são as mais ricas. Por isso verifica-se que elas têm, em toda a Rússia, quase tantos cavalos como todos os restantes camponeses tomados em conjunto. Quer dizer que também semeiam quase metade do que semeiam todos os camponeses. Estes camponeses colhem muito mais trigo do que as suas famílias precisam. Eles vendem muito trigo. Para eles o trigo não serve apenas para alimentação mas em primeiro lugar para vender, para fazer dinheiro. Estes camponeses podem juntar dinheiro. Depositam-no nas caixas económicas e nos bancos. Compram terras como sua propriedade. Já dissemos quanta terra os camponeses em toda a Rússia compram cada ano: quase todas as terras vão para estes pouco numerosos camponeses ricos. Não é em comprar terras que os pobres do campo têm de pensar mas em como arranjar para comer. Muitas vezes o dinheiro não lhes chega nem para o trigo, quanto mais para comprar terras. Por isso os bancos em geral e o banco camponês em particular não ajudam de modo nenhum todos os camponeses a comprar terra (como por vezes é afirmado por pessoas que querem enganar o camponês, ou então por pessoas muito tolas), mas apenas um número insignificante de camponeses, apenas os ricos. Por isso também os maus conselheiros do camponês que referimos dizem uma falsidade quando, ao falar da compra de terras pelos camponeses, afirmam que esta terra passa do capital para o trabalho. A terra nunca pode passar para o trabalho, isto é, para o trabalhador pobre, porque a terra custa dinheiro. E os pobres nunca têm dinheiro de sobra. A terra só passa para os camponeses ricos, endinheirados, para o capital, só passa para aqueles contra os quais os pobres do campo têm de lutar em união com os operários da cidade.

Os camponeses ricos não compram só terra como propriedade perpétua mas tomam sobretudo terra ao ano, arrendam terra. Retiram a terra aos pobres do campo, arrendando grandes superfícies. Por exemplo, calculou-se quanta terra arrendaram os camponeses ricos num só uézd (o de Konstantinograd) da gubérnia de Poltava. E qual foi o resultado? Eram muito poucos aqueles que arrendavam 30 ou mais deciatinas por família, ao todo 2 famílias em cada 15 famílias. Mas estes ricos tomaram nas suas mãos metade de toda a terra arrendada, e a cada rico cabiam 75 deciatinas de terra arrendada! Ou veja-se a gubérnia de Táurida, onde se calculou qual a quantidade de que os ricos se apossaram no total da terra arrendada ao Estado pelo mir, pelas comunidades. Verificou-se que os ricos, cujo número é de apenas um quinto das famílias, se apossaram de três quartos do total da terra arrendada. Em toda a parte a terra é dividida segundo o dinheiro, e só uns poucos ricos têm dinheiro.

Além disso, agora muita terra é dada de renda pelos próprios camponeses. Abandonam os lotes porque não têm gado, não têm sementes, não têm nada com que cultivar. Actualmente, mesmo tendo terra nada se faz sem dinheiro. Por exemplo, no uézd de Novouzensk da gubérnia de Samara, uma, por vezes mesmo duas, em cada três famílias de camponeses ricos arrendam terra dos lotes na sua própria comunidade ou numa alheia. E os lotes são dados de renda pelos camponeses sem cavalos ou com um só cavalo. Na gubérnia de Táurida um total de um terço das famílias camponesas dá os seus lotes de renda. Um quarto de todos os lotes camponeses, um quarto de milhão de deciatinas, são arrendados. E, deste quarto de milhão, cento e cinquenta mil deciatinas (três quintos) caem nas mãos dos camponeses ricos! Também aqui vemos se é do mir, da comunidade, que precisam os pobres do campo. Na comunidade rural, quem tem dinheiro tem força. Mas nós precisamos da união dos pobres de todas as comunidades.

Tal como acerca da compra de terra, também enganam o camponês as conversas acerca da compra barata de arados, ceifeiras e toda a espécie de outras alfaias aperfeiçoadas. Organizam armazéns e artéis dos zemstvos e dizem: as alfaias aperfeiçoadas melhoram a situação do campesinato. Isto não passa de um logro. Quem recebe todas estas alfaias melhores são só os ricos, e os pobres não recebem quase nada. Eles não podem pensar em comprar arados nem ceifeiras, já têm bastante que fazer em se manterem vivos! Toda essa «ajuda ao campesinato» é uma ajuda aos ricos e nada mais. Mas a massa dos pobres, que não têm nem terra, nem gado, nem reservas, não é ajudada pelo facto de as alfaias melhores serem mais baratas. Por exemplo, num uézd da gubérnia de Samara contaram-se todas as alfaias melhoradas possuídas pelos camponeses ricos e pelos pobres. Verificou-se que um quinto das famílias, isto é, as mais abastadas, tem quase três quartos de todas as alfaias melhoradas, enquanto os pobres, metade das famílias, têm ao todo a trigésima parte. Neste uézd as famílias sem cavalos e com um só cavalo são 10000 de um total de 28000; e estas 10000 têm ao todo sete alfaias melhoradas do total de 5724 alfaias melhoradas possuídas por todas as famílias camponesas em todo o uézd. Sete alfaias em 5724 - eis qual é a participação dos pobres do campo em todas estas melhorias da agricultura, na difusão de arados e ceifeiras que pretensamente ajudam «todo o campesinato»! eis o que os pobres do campo devem esperar das pessoas que falam da «melhoria da agricultura camponesa»!

Finalmente, uma das particularidades mais importantes do campesinato rico consiste em que ele emprega assalariados e jornaleiros. Tal como os latifundiários, os camponeses ricos também vivem do trabalho alheio. Tal como os latifundiários, eles enriquecem porque a massa do campesinato se arruina e empobrece. Tal como os latifundiários, eles esforçam-se por extrair dos seus assalariados o máximo possível de trabalho e por lhes pagar o mínimo possível. Se milhões de camponeses não estivessem inteiramente arruinados e não fossem obrigados a ir trabalhar para outros, a tornarem-se assalariados, a vender a sua força de trabalho, os camponeses ricos não poderiam existir, não poderiam manter as suas explorações. Não poderiam apanhar em parte nenhuma os lotes «abandonados», não poderiam encontrar operários em parte nenhuma. E em toda a Rússia o milhão e meio de camponeses ricos não empregam certamente menos de um milhão de assalariados e jornaleiros. É claro que na grande luta entre a classe dos proprietários e a classe dos não possuidores, entre os patrões e os operários, entre a burguesia e o proletariado, os camponeses ricos estarão do lado dos proprietários contra a classe operária.

Conhecemos agora a situação e a força do campesinato rico. Vejamos como vivem os pobres do campo.

Já dissemos que os pobres do campo incluem a imensa maioria, quase dois terços, de todas as famílias camponesas de toda a Rússia. Antes de mais, as famílias sem cavalos são pelo menos três milhões — provavelmente mesmo mais, talvez três milhões e meio actualmente. Cada ano de fome, cada má colheita, arruinam dezenas de milhares de explorações. A população cresce, vive-se cada vez mais apertados, e toda a melhor terra já foi apropriada pelos latifundiários e pelos camponeses ricos. E assim cada ano são mais as pessoas que se arruinam, partem para as cidades e para as fábricas, se tornam assalariados agrícolas, se convertem em operários não especializados. O camponês sem cavalos é aquele que se tornou já extremamente pobre. É um proletário. Ele vive (enquanto vive, e é mais certo dizer que vai sobrevivendo e não que vive) não da terra, não da sua exploração agrícola, mas do trabalho a troco de um salário. É irmão do operário da cidade. Para o camponês sem cavalos mesmo a terra de nada serve: metade das famílias sem cavalos dão os seus lotes de renda, por vezes entregam-nos mesmo gratuitamente à comunidade (e por vezes pagam mesmo a diferença entre os impostos e o rendimento esperado da terra), pois não podem cultivar a terra. O camponês sem cavalos semeia uma deciatina, quando muito duas. Tem sempre de comprar trigo adicional (se tiver com que comprar), o seu próprio trigo nunca chega para a sua subsistência. Não vão muito mais longe os camponeses com um só cavalo, que são em toda a Rússia cerca de 3 1/2 milhões de famílias. Naturalmente que há excepções, e já dissemos que em alguns lugares há camponeses com um só cavalo que vivem medianamente ou são mesmo ricos. Mas não estamos a falar de excepções nem de localidades isoladas, mas de toda a Rússia. Se se tomar a massa dos camponeses com um só cavalo, é indubitável que esta massa é constituída por pobres e indigentes. O camponês com um cavalo semeia, mesmo nas gubérnias agrícolas, três ou quatro deciatinas, raramente cinco; o seu trigo também não chega. Mesmo num bom ano ele não se alimenta melhor do que o camponês sem cavalos; quer dizer que está constantemente subalimentado, passa constan-temente fome. A sua exploração está em completa decadência, o gado é mau e tem pouca comida, não tem força para tratar da terra como deve ser. Com toda a sua exploração (com excepção da comida para o gado) um camponês com um só cavalo não pode gastar - por exemplo na gubérnia de Vorónej — mais de vinte rublos por ano! (Um camponês rico gasta dez vezes mais.) Vinte rublos por ano — para a renda da terra, para comprar gado, para consertar a charrua de madeira e outras alfaias, para pagar ao pastor e para tudo o resto! Será isto uma exploração agrícola? É uma desgraça, são trabalhos forçados, é um sofrimento perpétuo. É muito compreensível que entre os camponeses com um só cavalo também haja alguns, e não são poucos, que dão de renda os seus lotes. Aquele que está na miséria, mesmo que tenha terra, pouco proveito tira dela. Não tem dinheiro, e da terra não retira não só dinheiro como nem sequer que chegue para comer. Mas o dinheiro é necessário para tudo: para a comida, para a roupa, para a exploração agrícola, para os impostos. Na gubérnia de Vorónej o camponês com um só cavalo paga habitualmente por ano, só de impostos, uns dezoito rublos, e ele não arranja ao todo por ano, para todas as despesas, mais de 75 rublos. Aqui só por zombaria se pode falar de compra de terra, de melhoria das alfaias, de bancos agrícolas: isto não foi de modo nenhum inventado para os pobres.

Aonde ir buscar dinheiro? É preciso procurar «ocupações». O camponês com um só cavalo, tal como o que não tem cavalos, só com as «ocupações» consegue ir sobrevivendo. E que significam «ocupações»? Significam trabalhar para outros, trabalhar a troco de um salário. Significam que o camponês com um só cavalo semideixou de ser proprietário e se tornou um assalariado, um proletário. É por isso que se chama a esses camponeses semiproletários. Eles também são irmãos do operário da cidade, pois também eles são tosquiados de toda a maneira por toda a espécie de patrões. Também eles não têm outra saída, outra salvação, que não seja unirem-se aos sociais-democratas para lutar contra todos os ricos, contra todos os proprietários. Quem trabalha na construção dos caminhos-de-ferro? quem é que é espoliado pelos engajadores? quem é que vai para o corte e transporte fluvial de madeira? quem é que trabalha como assalariado agrícola? quem é que se emprega como jornaleiro? quem é que executa o trabalho não especializado nas cidades e nos cais dos portos? São os pobres do campo. São os camponeses sem cavalos ou com um só cavalo. São os proletários e semiproletários do campo. E que quantidade deles há na Rússia! Foi calculado que em toda a Rússia (excluindo o Cáucaso e a Sibéria) são pedidos todos os anos oito, e por vezes nove, milhões de passaportes. São operários migrantes. São camponeses só de nome, mas de facto são assalariados, operários. Todos eles devem unir-se numa só união com os operários da cidade, e cada raio de luz e de conhecimento que atinja o campo reforçará e consolidará esta união.

É preciso não esquecer mais uma coisa acerca das «ocupações». Toda a espécie de funcionários e de pessoas que pensam à maneira dos funcionários gostam de dizer que o camponês, o mujique, «necessita» de duas coisas: terra (mas não muita - pois não há onde ir buscar muita, porque os ricos já se apropriaram dela) e «ocupações». Por isso, dizem eles, para ajudar o povo é necessário introduzir no campo mais ofícios, é necessário «fornecer» mais «ocupações». Tais discursos não passam de hipocrisia. Para os pobres as «ocupações» significam trabalho assalariado. «Fornecer ocupações» ao camponês significa transformar o camponês em operário assalariado. Bela ajuda, não há dúvidas! Para os camponeses ricos há outras «ocupações» que exigem capital, por exemplo a construção de um moinho ou de outro estabelecimento, a compra de debulhadoras, o comércio, etc. Confundir estas ocupações da gente endinheirada com o trabalho assalariado dos pobres significa enganar os pobres. Aos ricos convém, naturalmente, tal logro, convém-lhes apresentar as coisas como se todas as «ocupações» estivessem ao alcance de todos os camponeses. Mas quem quer realmente o bem dos pobres diz-lhes toda a verdade e só a verdade.

Falta-nos agora falar do campesinato médio. Já vimos que, numa média de toda a Rússia, se pode considerar camponês médio aquele que tem um par de animais de trabalho, e que tais famílias camponesas são cerca de dois milhões em dez milhões. O camponês médio está no meio do rico e do proletário - por isso é que se chama médio. E ele vive medianamente: num ano bom consegue arranjar-se com o que dá a sua exploração, mas a miséria anda sempre atrás dele. Ele ou não tem absolutamente nenhumas economias ou tem poucas. Por isso a sua exploração é instável. É difícil arranjar dinheiro: só muito raramente junta com a sua exploração tanto dinheiro quanto necessita, e quando consegue é mesmo à justa. E ir à procura de ocupações significa abandonar a sua exploração, e a exploração seria negligenciada. Contudo, muitos camponeses médios não podem de modo nenhum passar sem as ocupações: têm de se empregar como assalariados, a miséria obriga-os a escravizar-se aos latifundiários, a contraírem dívidas. E o camponês médio quase nunca consegue libertar-se das dívidas: ele não tem rendimentos estáveis, como o camponês rico. Por isso, uma vez que tenha contraído dívidas é como se tivesse metido o pescoço no laço. Assim, não consegue saldar as dívidas e arruína-se por completo. O camponês médio é quem mais cai na dependência do latifundiário, porque para trabalhos de empreitada o latifundiário precisa de um camponês que não esteja arruinado, para que ele tenha uma parelha de cavalos e todas as alfaias necessárias à agricultura. É difícil ao camponês médio procurar ocupações noutro lado, e por isso submete-se ao latifundiário em troca de trigo e de pastagens, da renda das terras cortadas e dos empréstimos em dinheiro contraídos durante o Inverno. Além do latifundiário e do kulaque, o camponês médio também é pressionado pelo seu vizinho rico: este consegue sempre tirar-lhe terra e não perde uma ocasião de o oprimir como pode. É assim que vive o camponês médio: não é nem peixe nem carne. Não pode ser nem patrão verdadeiro, autêntico, nem um operário. Todos os camponeses médios aspiram a ser patrões, querem ser proprietários, mas só muitíssimo poucos o conseguem. São muito poucos aqueles que até contratam assalariados agrícolas ou jornaleiros, se esforçam por enriquecer à custa do trabalho dos outros, por chegar a ricos pondo-se às costas dos outros. Mas a maioria dos camponeses médios não têm com que contratar assalariados, têm eles próprios de trabalhar como assalariados. Em toda a parte onde começa a luta entre os ricos e os pobres, entre os proprietários e os operários, o camponês médio encontra-se no meio e não sabe para que lado ir. Os ricos chamam-no para o seu lado: tu, dizem eles, também és um patrão, um proprietário, nada tens a ver com os pobretões dos operários. E os operários dizem: os ricos enganar-te-ão e roubar-te-ão, e não tens outra salvação que não seja ajudar-nos na luta contra todos os ricos. Esta disputa pelo camponês médio tem lugar por toda a parte, em todos os países em que os operários sociais-democratas lutam pela libertação dos trabalhadores. Na Rússia esta disputa está agora mesmo a começar. Por isso temos de examinar este assunto particularmente bem e de compreender claramente quais os logros com que os ricos atraem o camponês médio, de que modo desmascarar estes logros, como havemos de ajudar o camponês médio a encontrar os seus verdadeiros amigos. Se os operários sociais-democratas russos tomarem logo a via correcta, conseguiremos muito mais depressa do que os nossos camaradas operários alemães construir uma firme aliança dos trabalhadores do campo com os operários da cidade e alcançar rapidamente a vitória sobre todos os inimigos dos trabalhadores.

4. Para Onde Deve ir o Camponês Médio? Para o Lado dos Proprietários e dos Ricos ou Para o Lado dos Operários e dos não Possuidores?

Todos os proprietários, toda a burguesia se esforça por chamar o camponês médio para o seu lado prometendo-lhe toda a espécie de medidas para melhorar a sua exploração (arados baratos, bancos agrícolas, introdução da sementeira de pastos, venda a baixo custo de gado e adubos, etc.), e também tornando o camponês membro de toda a espécie de associações agrícolas (cooperativas, como lhes chamam nos livros), associações entre toda a espécie de patrões com o fim de melhorar os métodos de cultivo. Deste modo a burguesia esforça-se por afastar o camponês médio e mesmo pequeno, mesmo semiproletário, da união com os operários, esforça-se por induzi-los a alinhar pelos ricos, pela burguesia, na sua luta contra os operários, contra o proletariado.

Os operários sociais-democratas respondem a isto: melhorar os métodos de cultivo é uma boa coisa. Não há nada de mal em comprar os arados mais baratos; agora até qualquer comerciante que não seja estúpido se esforça por vender mais barato para atrair compradores. Mas quando dizem ao camponês pobre e médio que a melhoria dos métodos de cultivo e o embaratecimento dos arados os ajudarão a todos a escapar da miséria e a porem-se de pé, sem tocar de modo nenhum nos ricos — isso é um logro. Com todas estas melhorias, embaratecimentos e cooperativas (associações para a venda e a compra de mercadorias) ganham os ricos muito mais. Os ricos tornam-se cada vez mais fortes, e oprimem cada vez mais tanto os pobres como os camponeses médios. Enquanto os ricos permanecerem ricos, enquanto eles tiverem nas suas mãos a maior parte da terra, do gado, das alfaias e do dinheiro, até então não só os pobres como também os camponeses médios nunca escaparão da miséria. Um ou outro camponês médio chegará a rico com a ajuda destas melhorias e das cooperativas, mas todo o povo e todos os camponeses médios afundar-se-ão ainda mais profundamente na miséria. Para que todos os camponeses médios cheguem a ricos, para isso é necessário acabar com os próprios ricos, e só a união dos operários da cidade com os pobres do campo pode acabar com eles.

A burguesia diz ao camponês médio (e mesmo pequeno): vender-te-emos terra barata e arados baratos, e tu vende-nos a tua alma, em troco disso renuncia à luta contra todos os ricos.

O operário social-democrata diz: se de facto vendem barato, então, tendo dinheiro, por que não comprar: é um negócio. Mas nunca deveis vender a vossa alma. Renunciar à luta em conjunto com o operário da cidade contra toda a burguesia significa permanecer eternamente na pobreza e na miséria. Com o embaretecimento das mercadorias o rico ainda ganhará mais, ainda enriquecerá mais. Mas nenhumas coisas baratas ajudarão quem não tem dinheiro enquanto não for buscar esse dinheiro à burguesia.

Tomemos um exemplo. Os partidários da burguesia fazem um grande alarido acerca de toda a espécie de cooperativas (associações para comprar barato e vender vantajosamente). Até se encontram pessoas que se chamam a si próprias «socialistas-revolucionários» e também gritam, a exemplo da burguesia, que aquilo de que o camponês mais precisa é das cooperativas. Começa-se também a organizar toda a espécie de cooperativas na Rússia, mas aqui elas ainda são muito poucas, e serão poucas enquanto não houver liberdade política. Mas na Alemanha há muitíssimas cooperativas de toda a espécie entre os camponeses. E vede quem é que estas cooperativas ajudam mais. Em toda a Alemanha 140000 agricultores fazem parte de cooperativas para a venda de leite e de produtos lácteos, e estes 140000 agricultores (mais uma vez, por uma questão de simplicidade, citamos números redondos) têm l100000 vacas. Calcula-se que em toda a Alemanha haja quatro milhões de camponeses pobres. Destes, só 40000 fazem parte de cooperativas: quer dizer que em cada cem pobres só um utiliza estas cooperativas. Ao todo estes 40000 pobres têm só 100000 vacas. Além disso, os agricultores médios, os camponeses médios, são um milhão; destes, 50000 fazem parte de cooperativas (quer dizer, cinco em cem), e têm 200000 vacas. Finalmente, os agricultores ricos (isto é, os latifundiários e os camponeses ricos tomados em conjunto) são um terço de milhão; destes, fazem parte das cooperativas 50000 (quer dizer, dezassete em cada cem!), e têm 800000 vacas!

Eis quem as cooperativas ajudam mais e em primeiro lugar. Eis como enganam o camponês aqueles que gritam sobre a salvação do camponês médio através de toda a espécie dessas associações para comprar barato e vender vantajosamente. A burguesia quer de facto pagar muito barato para «arrancar» o camponês aos sociais-democratas, que chamam tanto os pobres como o camponês médio para o seu lado.

No nosso país também se organizam diversos artéis de produção de queijo e leitarias colectivas. No nosso país também há muita gente que grita: artéis, mais a união no mir, mais cooperativas, é disso que o camponês precisa. Mas vede quem é que ganha com estes artéis e cooperativas e com os arrendamentos pelo mir. No nosso país, em cada cem famílias, pelo menos duas dezenas não têm nenhumas vacas; três dezenas têm uma vaca cada uma: estas vendem o leite devido à sua terrível miséria, os seus filhos ficam sem leite, passam fome e morrem como moscas. Mas os camponeses ricos têm cada um 3, 4 e mais vacas, e estes camponeses ricos têm metade de todas as vacas dos camponeses. Então quem é que aproveita com os artéis de produção de queijo? É claro que são antes de mais os latifundiários e a burguesia camponesa. É claro que lhes convém que os camponeses médios e os pobres tendam para eles, que eles considerem como meio de se libertar da miséria não a luta de todos os operários contra toda a burguesia mas a aspiração dos pequenos agricultores isolados de escapar à sua situação e de chegar a ricos.

Esta aspiração é apoiada e incentivada de todas as maneiras por todos os partidários da burguesia, fingindo-se partidários e amigos do pequeno camponês. E muitos ingénuos não reconhecem o lobo sob a pele de cordeiro e repetem este logro burguês, pensando prestar um serviço ao pequeno e médio camponês. Por exemplo, procuram demonstrar em livros e discursos que a pequena exploração é a mais vantajosa, a que dá mais rendimento, que a pequena exploração prospera; é por isso, dizem eles, que há em toda a parte tantos pequenos proprietários na agricultura, é por isso que eles se agarram tão firmemente à terra (e não porque todas as melhores terras estejam tomadas pela burguesia e esta possua também todo o dinheiro, enquanto os pobres se aglomeram e sofrem toda a vida nas suas nesgas de terra!). O pequeno camponês não necessita de muito dinheiro, diz esta gente melíflua; o pequeno e o médio camponês são mais poupados e zelosos do que o grande e além disso sabem viver mais simplesmente: em vez de comprar feno para o gado, ele contenta-se com palha; em vez de comprar uma máquina cara, ele levanta-se mais cedo e trabalha mais tempo e faz o mesmo que a máquina; em vez de dar dinheiro a outra pessoa para lhe fazer qualquer reparação, ele próprio agarra no machado ao domingo e carpinteira um bocado — sai muito mais barato do que ao grande proprietário; em vez de alimentar um dispendioso cavalo ou boi, ele contenta-se com a vaca para lavrar; na Alemanha todos os camponeses pobres lavram com vacas, e no nosso país o povo está tão arruinado que se começa a lavrar não só com vacas como até com pessoas! E como isto é vantajoso! como isto é barato! Como é louvável que o camponês médio e pequeno seja tão aplicado, tão diligente, viva tão simplesmente, não se permita mimos, não pense no socialismo mas pense apenas na sua exploração agrícola! Não tenda para o lado dos operários, que organizam greves contra a burguesia, mas vá para o lado dos ricos, faça tudo para se juntar ao número da gente de bem! Se todos fossem tão diligentes e aplicados, vivessem simplesmente, não bebessem, poupassem mais dinheiro, gastassem menos em roupas e tivessem menos filhos - então todos viveriam bem e não haveria pobreza nem miséria!

Tais são as doces palavras que a burguesia canta ao camponês médio, e há tolos que acreditam nestas cantigas e as repetem eles próprios!(14) Na realidade estas doces palavras não são mais do que um logro, do que uma zombaria em relação ao camponês. Esta gente melíflua chama exploração agrícola barata e vantajosa à miséria, à terrível miséria que obriga o camponês médio e pequeno a trabalhar de manhã à noite, a economizar em cada bocado de pão, a negar a si próprio o menor dispêndio de dinheiro. Naturalmente, que coisa será mais «barata» e «vantajosa» do que usar as mesmas calças durante três anos, andar descalço no Verão, usar uma charrua primitiva e alimentar a vaca com palha podre do telhado! Ponha-se qualquer burguês ou camponês rico nessa exploração «barata» e «vantajosa» e por certo ele depressa esquecerá as suas doces palavras!

Aqueles que elogiam a pequena exploração querem por vezes ser úteis ao camponês, mas de facto apenas o prejudicam. Com as suas doces palavras enganam o camponês, do mesmo modo que uma lotaria engana o povo. Vou dizer o que é uma lotaria. Por exemplo, eu tenho uma vaca que custa 50 rublos. Eu quero rifar esta vaca numa lotaria e proponho a toda a gente bilhetes a um rublo. Por um rublo pode-se ganhar uma vaca! As pessoas sentem-se tentadas, os rublos chovem. Quando se juntaram cem rublos, eu faço o sorteio: aquele que tenha o bilhete premiado obteve uma vaca por um rublo, mas os restantes não recebem nada. Esta vaca saiu «barata» às pessoas? Não, saiu muito cara, porque se pagou o dobro do preço, porque duas pessoas (aquele que organizou a lotaria e aquele a quem saiu a vaca) tiveram lucro sem nenhum trabalho, e tiveram lucro à custa das noventa e nove pessoas que perderam o seu dinheiro. Quer dizer que quem diz que as lotarias são vantajosas para o povo está simplesmente a enganar as pessoas. Engana o camponês exactamente do mesmo modo quem promete a libertação da pobreza e da miséria por meio de toda a espécie de cooperativas (associações para vender vantajosamente e comprar barato), de toda a espécie de melhorias da agricultura, de toda a espécie de bancos, etc. Tal como na lotaria só um ganha enquanto os restantes perdem, assim acontece aqui: um camponês médio arranja-se e fica rico, enquanto noventa e nove companheiros seus curvam a espinha toda a vida, sem sair da miséria e até arruinando-se cada vez mais. Que cada habitante do campo observe bem a sua comunidade e tudo à sua volta: são muitos os camponeses médios que ficam ricos e esquecem a miséria? E quantos são os que durante toda a vida não conseguem livrar-se da miséria? Quantos são os que se arruinam e se vão embora do campo? Em toda a Rússia contam-se, como vimos, não mais de dois milhões de explorações camponesas médias. Suponhamos que havia dez vezes mais associações de toda espécie para comprar barato e vender vantajosamente do que há agora. A que conduziria isto? Já seria muito se cem mil camponeses médios se elevassem até chegarem a ricos. E que significa isto? Significa: cinco camponeses médios em cem enriqueceriam. E os restantes noventa e cinco? Para eles seria tão difícil, e para muitos ainda muito mais difícil viver! E os pobres arruinar-se-iam ainda mais!

A burguesia, como se compreende, do que precisa é de que o máximo possível de camponeses médios e pequenos siga os ricos, que eles acreditem na possibilidade de se livrarem da miséria sem luta contra a burguesia, que eles depositem as suas esperanças na sua diligência, na sua poupança, no seu enriquecimento, e não na união com os operários do campo e da cidade. A burguesia esforça-se o mais que pode por apoiar no camponês esta fé e esperança enganadora, esforça-se por embalá-lo com toda a espécie de doces palavras.

Para desmascarar o logro de toda esta gente melíflua, basta fazer-lhes três perguntas.

Primeira pergunta. Pode o povo trabalhador livrar-se da miséria e da pobreza quando na Rússia, em duzentos e quarenta milhões de deciatinas de terra arável, cem milhões de deciatinas pertencem a proprietários agrários privados? Quando dezasseis mil muito grandes proprietários agrários têm nas suas mãos sessenta e cinco milhões de deciatinas?

Segunda pergunta. Pode o povo trabalhador livrar-se da miséria e da pobreza quando um milhão e meio de famílias camponesas ricas (num total de dez milhões) concentraram nas suas mãos metade de todas as terras camponesas semeadas, de todos os cavalos dos camponeses, de todo o gado dos camponeses, e muito mais de metade de todas as reservas e poupanças em dinheiro dos camponeses? Quando esta burguesia camponesa continua a enriquecer cada vez mais, oprimindo os pobres e o médio campesinato, enriquecendo com o trabalho alheio, dos assalariados agrícolas e dos jornaleiros? Quando seis milhões e meio de famílias camponesas consistem em pobres arruinados, sempre famintos, obtendo uma miserável côdea de pão à custa de toda a espécie de trabalhos assalariados?

Terceira pergunta. Pode o povo trabalhador livrar-se da miséria e da pobreza quando o dinheiro se tornou a força principal, quando com dinheiro se pode comprar tudo, fábricas e terras, e mesmo comprar homens para serem trabalhadores assalariados, escravos assalariados? Quando sem dinheiro não se pode nem viver nem ter uma exploração agrícola? Quando o pequeno proprietário, o pobre, tem de travar uma luta contra o grande proprietário para obter dinheiro? Quando alguns milhares de latifundiários, de comerciantes, de fabricantes e de banqueiros juntaram nas suas mãos centenas de milhões de rublos e, além disso, dispõem de todos os bancos, nos quais estão depositados milhares de milhões de rublos?

Estas perguntas não podem ser eludidas com nenhumas doces palavras sobre as vantagens da pequena exploração ou das cooperativas. Para estas perguntas só pode haver uma resposta: a verdadeira «cooperação» que pode salvar o povo trabalhador é a união dos pobres do campo com os operários sociais-democratas da cidade para a luta contra toda a burguesia. Quanto mais depressa se alargar e fortalecer essa união, tanto mais depressa o camponês médio compreenderá a mentira das promessas burguesas, tanto mais depressa o camponês médio passará para o nosso lado.

A burguesia sabe isto, e é por isso que, além de doces palavras, ela espalha toda a espécie de mentiras sobre os sociais-democratas. Ela diz que os sociais-democratas querem retirar ao camponês médio e pequeno a sua propriedade. Isto é mentira. Os sociais-democratas querem retirar a propriedade apenas aos grandes proprietários, apenas àqueles que vivem do trabalho alheio. Os sociais-democratas nunca retirarão a propriedade aos pequenos e médios proprietários que não empreguem operários. Os sociais-democratas defendem e salvaguardam os interesses de todo o povo trabalhador, não só dos operários da cidade, que são os mais conscientes e mais unidos de todos, mas igualmente dos operários agrícolas e também dos pequenos artesãos e camponeses se eles não empregarem operários e não penderem para os ricos, não passarem para o lado da burguesia. Os sociais-democratas lutam por todas as melhorias na vida dos operários e camponeses que possam ser empreendidas desde já, enquanto ainda não tivermos destruído a dominação da burguesia, e que facilitem esta luta contra a burguesia. Mas os sociais-democratas não enganam o camponês, dizem-lhe toda a verdade, dizem-lhe de antemão e francamente que o povo não pode livrar-se da miséria e da pobreza com nenhumas melhorias enquanto a burguesia dominar. Para que todo o povo saiba o que são os sociais--democratas e o que querem, os sociais-democratas elaboraram o seu programa(16). Um programa significa uma declaração breve, clara e precisa de tudo aquilo que o partido se esforça por alcançar e por que luta. O partido social-democrata é o único partido que apresenta um programa claro e preciso, para que todo o povo o conheça e veja, para que no partido só possam estar pessoas que querem verdadeiramente lutar pela libertação de todo o povo trabalhador do jugo da burguesia, e pessoas que compreendam correctamente quem tem de se unir para esta luta e como deve travar-se esta luta. Além disso, os sociais-democratas consideram que é necessário explicar franca, aberta e precisamente no programa as causas da miséria e da pobreza do povo trabalhador e porque é que a união dos operários se torna cada vez mais vasta e forte. Não basta dizer que se vive mal e apelar à revolta; isso qualquer charlatão sabe fazer, mas isso tem pouco proveito. É preciso que o povo trabalhador compreenda claramente porque é que vive na pobreza e com quem tem de se unir para a luta para se libertar da miséria.

Já dissemos o que querem os sociais-democratas; dissemos quais as causas da miséria e da pobreza do povo trabalhador; dissemos contra quem devem lutar os pobres do campo e com quem se devem unir para esta luta.

Vamos agora dizer quais as melhorias que podemos desde já conquistar com a nossa luta, melhorias tanto na vida dos operários como na vida dos camponeses.

5. Que Melhorias se Esforçam os Sociais-Democratas por Alcançar para Todo o Povo e para os Operários?

Os sociais-democratas lutam pela libertação de todo o povo trabalhador de toda a pilhagem, de toda a opressão, de toda a injustiça. Para se libertar, a classe operária deve antes de mais unir-se.

Mas para se unir é necessário ter a liberdade de se unir, o direito de se unir, é necessário ter a liberdade política. Já dissemos que o governo autocrático é a escravização do povo pelos funcionários e pela polícia. A liberdade política é por isso necessária a todo o povo, excepto um punhado de cortesãos e de magnates e altos funcionários que têm acesso à corte. Mas quem mais necessita da liberdade política são os operários e os camponeses. Os ricos podem escapar, graças ao seu dinheiro, ao arbítrio, ao despotismo dos funcionários e da polícia. Os ricos podem chegar alto com as suas queixas. Por isso a polícia e os funcionários permitem-se muito mais raramente atormentar os ricos do que os pobres. Os operários e camponeses não têm dinheiro para se porem a coberto da polícia e dos funcionários, não têm a quem se queixar, não têm possibilidades para processos judiciais. Os operários e camponeses nunca se livrarão das exacções, do despotismo e dos ultrajes da polícia e dos funcionários enquanto não houver no Estado um governo electivo, enquanto não houver uma assembleia popular de deputados. Só tal assembleia popular de deputados pode libertar o povo da escravização pelos funcionários. Todos os camponeses conscientes devem apoiar os sociais-democratas, que exigem do governo tsarista, antes de mais e mais importante do que tudo, a convocação de uma assembleia popular de deputados. Os deputados devem ser eleitos por todos, sem diferenças de estados sociais, sem diferenças de ricos e pobres. A eleição deve ser livre, sem quaisquer interferências dos funcionários; quem deve velar pela ordem das eleições devem ser pessoas que gozam da confiança do povo e não oficiais da polícia nem chefes dos zemstvos. Então os deputados de todo o povo saberão discutir todas as necessidades do povo, saberão introduzir um sistema melhor na Rússia.(17)

Os sociais-democratas exigem que a polícia não possa meter ninguém na prisão sem julgamento. Deve haver severas penas para a prisão arbitrária realizada pelos funcionários. Para pôr fim aos desmandos dos funcionários, é preciso fazer com que o próprio povo eleja os funcionários, com que cada um tenha o direito de apresentar queixa contra qualquer funcionário directamente a um tribunal. Mas para que serve queixar-se do oficial da polícia ao chefe do zemstvo ou do chefe do zemstvo ao governador? Naturalmente, o chefe do zemstvo limitar-se-á a encobrir o oficial da polícia, e o governador a encobrir o chefe do zemstvo, e quem sofrerá será o queixoso. Metê-lo-ão na prisão ou mandá-lo-ão para a Sibéria. Os funcionários só serão postos em respeito quando na Rússia (como em todos os outros países) cada um tiver o direito de apresentar queixa tanto à assembleia nacional como aos tribunais eleitos e de falar livremente das suas necessidades ou de as publicar nos jornais.

O povo russo continua a estar numa dependência feudal dos funcionários. Sem a autorização dos funcionários o povo não pode realizar reuniões nem publicar livros ou jornais! Não será isto uma dependência feudal? Se não se pode realizar reuniões livres nem publicar livros livremente, como se poderá conter os funcionários e os ricos? É evidente que os funcionários proíbem todos os livros verdadeiros, proíbem todas as palavras verdadeiras sobre a miséria do povo. O partido social-democrata também teve de imprimir secretamente e de difundir secretamente este livro: quem quer que seja encontrado na posse deste livro será julgado e metido na prisão. Mas os operários sociais-democratas não temem isto: eles imprimem cada vez mais e dão cada vez mais livros verdadeiros ao povo para ler. E nenhumas prisões, nenhumas perseguições, deterão a luta pela liberdade do povo!

Os sociais-democratas exigem que sejam abolidos os estados sociais, que todos os cidadãos do Estado sejam absolutamente iguais em direitos. Actualmente no nosso país há estados sociais não sujeitos a tributo e estados sociais sujeitos a tributo(18), há estados sociais privilegiados e estados sociais não privilegiados, há pessoas de sangue azul e pessoas de sangue vulgar; para o povo comum até se mantêm ainda os açoites. Em nenhum país existe tal humilhação dos operários e camponeses. Em nenhum país há leis diferentes para diferentes estados sociais a não ser na Rússia. Já é tempo de o povo russo exigir que cada camponês tenha todos os direitos que tem o nobre. Não é uma vergonha que quarenta e tantos anos depois da abolição da servidão ainda se conservem os açoites, ainda exista um estado social sujeito a tributo?(19)

Os sociais-democratas exigem para o povo a plena liberdade de movimento e de profissão. Que significa liberdade de movimento? Significa que o camponês tenha o direito de ir aonde quiser, de se mudar para onde quiser, de escolher qualquer aldeia ou qualquer cidade, sem pedir autorização a ninguém. Significa que na Rússia sejam abolidos os passaportes (nos outros Estados já não há passaportes), que nem um só oficial da polícia, nem um só chefe de zemstvo, possa criar obstáculos a qualquer camponês para se instalar e trabalhar onde quiser. O camponês russo está ainda tão submetido aos funcionários que não pode mudar-se livremente para uma cidade, hão pode ir para outras terras. O ministro dá ordens para que os governadores não permitam mudanças sem autorização! O governador sabe melhor que o camponês para onde deve ir o camponês! O camponês é uma criança pequena, não pode sequer mexer-se sem licença das autoridades! Não será isto dependência feudal? Não será um insulto ao povo quando qualquer nobrezinho esbanjador tem autoridade sobre agricultores adultos?

Existe um livro chamado A Má Colheita e o Flagelo do Povo (a fome), escrito pelo actual «ministro da Agricultura», senhor Ermólov. Neste livro diz-se directamente: o camponês não deve mudar-se quando no local os senhores latifundiários têm falta de mão-de-obra. O ministro fala abertamente, não se acanha, pensa que o camponês não ouvirá estas palavras e não as compreenderá. Para quê deixar as pessoas irem-se embora quando os senhores latifundiários precisam de trabalhadores baratos? Quanto mais apertadas viverem as pessoas, tanto mais vantajoso é para os latifundiários, tanto maior é a miséria, tanto mais barato serão contratadas, tanto mais pacificamente suportarão toda a espécie de opressões. Antigamente os feitores velavam pelos interesses dos senhores, agora quem vela são os chefes dos zemstvos e os governadores. Antigamente os feitores ordenavam que os castigos tivessem lugar nas cavalariças, agora os chefes dos zemstvos ordenam que os açoites tenham lugar nas administrações de vólost.

Os sociais-democratas exigem que seja abolido o exército permanente e que em vez dele seja introduzida uma milícia popular, que todo o povo seja armado. O exército permanente é um exército separado do povo e preparado para disparar contra o povo. Se não fechassem o soldado no quartel durante alguns anos e não o treinassem aí de modo inumano, poderia o soldado disparar contra os seus irmãos, os operários e camponeses? Poderia o soldado ir contra camponeses famintos? Para defender o Estado do ataque de um inimigo não é de modo nenhum necessário um exército permanente; para isso basta uma milícia popular. Se cada cidadão do Estado estiver armado, então a Rússia não terá de temer nenhum inimigo. E o povo ficaria livre do jugo da camarilha militar: para esta camarilha militar vão centenas de milhões de rublos por ano, e todo este dinheiro é recolhido do povo; é por isso que os impostos são tão grandes e se torna cada vez mais difícil viver. A camarilha militar reforça ainda mais o poder dos funcionários e da polícia sobre o povo. A camarilha militar é necessária para saquear outros povos, por exemplo para tirar terra aos chineses. Isto não torna mais fácil a vida do povo, antes a torna ainda mais difícil, devido aos novos impostos. A substituição do exército permanente pelo armamento de todo o povo traria um grande alívio a todos os operários e a todos os camponeses.

Constituiria igualmente um enorme alívio para eles a abolição dos impostos indirectos, coisa que os sociais-democratas se esforçam por alcançar. Chama-se impostos indirectos aos impostos que não recaem directamente sobre a terra ou sobre a propriedade, mas que são pagos pelo povo de modo indirecto, sob a forma de um mais alto pagamento pelas mercadorias. O fisco sujeita a imposto o açúcar, a vodka, o petróleo, os fósforos e toda a espécie de outros artigos de consumo; este imposto é pago ao fisco pelo comerciante ou pelo fabricante, mas, evidentemente, eles não pagam com o seu dinheiro mas com o dinheiro que lhes pagam os compradores. O preço da vodka, do açúcar, do petróleo, dos fósforos, aumenta, e cada comprador de uma garrafa de vodka ou de uma libra de açúcar paga não só o preço da mercadoria como também o imposto sobre ela. Por exemplo, se paga, digamos, catorze copeques por uma libra de açúcar, quatro (aproximadamente) copeques constituem o imposto: o fabricante do açúcar já pagou este imposto ao fisco e agora vai buscar a cada comprador a soma que pagou. Deste modo, os impostos indirectos são impostos sobre os artigos de consumo, impostos que o comprador paga sob a forma de um preço mais elevado da mercadoria. Diz-se por vezes que os impostos indirectos são os mais justos: paga-se de acordo com o que se compra. Mas isto não é verdade. Os impostos indirectos são os impostos mais injustos, porque aos pobres é muito mais difícil pagá-los do que aos ricos. O rico tem um rendimento dez vezes maior do que o camponês ou o operário, ou mesmo cem vezes maior. Mas precisará o rico de cem vezes mais açúcar? De dez vezes mais vodka ou fósforos? ou petróleo? Naturalmente que não. Uma família rica compra duas vezes ou, quando muito, vezes mais petróleo, vodka, açúcar, do três que a pobre. E isto significa que o rico paga sob a forma de imposto uma parte menor do seu rendimento do que o pobre. Suponhamos que o rendimento de um camponês pobre é de duzentos rublos por ano; suponhamos que ele compra sessenta rublos de mercadorias sujeitas a taxa e que por isso encareceram (sobre o açúcar, os fósforos, o petróleo, é lançado um imposto indirecto, isto é, a taxa é paga pelo fabricante mesmo antes de a mercadoria ser posta no mercado; o fisco eleva directamente o preço da vodka fabricada pelo Estado; o preço do tecido de algodão, do ferro e de outras mercadorias encarece porque mercadorias baratas estrangeiras não são admitidas na Rússia sem pagarem uma alta taxa). Destes sessenta rublos, vinte rublos constituem o imposto. Quer dizer que de cada rublo dos seus rendimentos o pobre entrega dez copeques sob a forma de impostos indirectos (sem contar os impostos directos, o resgate, os tributos, os impostos pela terra e os que são pagos ao zemstvo, ao vólost e ao mir). Mas o camponês rico tem um rendimento de mil rublos; ele compra cento e cinquenta rublos de mercadorias sujeitas a taxas; paga ao imposto (destes cento e cinquenta) cinquenta rublos. Quer dizer que o rico entrega sob a forma de impostos indirectos apenas cinco copeques de cada rublo dos seus rendimentos. Quanto mais rica é uma pessoa, menos imposto indirecto ela paga em relação aos seus rendimentos. Por isso os impostos indirectos são os mais injustos. Os impostos indirectos são impostos sobre os pobres. Os camponeses e operários constituem juntos 9/10 de toda a população e pagam 9/10 ou 8/10 de todos os impostos indirectos. Mas a parte dos camponeses e operários no total dos rendimentos não passa provavelmente de 4/10! É por isso que os sociais-democratas exigem a abolição dos impostos indirectos e o estabelecimento de um imposto progressivo sobre os rendimentos e as heranças. Isto significa: quanto maior é o rendimento mais elevado deve ser o imposto. Quem tem mil rublos de rendimento que pague um copeque por rublo, quem tem 2000 pague dois copeques, e assim por diante. Os rendimentos mais pequenos (por exemplo, os rendimentos não superiores a quatrocentos rublos) não pagam absolutamente nada. Os mais ricos pagam os maiores impostos. Tal imposto, um imposto sobre os rendimentos ou, melhor, um imposto progressivo sobre os rendimentos, seria muito mais justo do que os impostos indirectos. É por isso que os sociais-democratas se esforçam por alcançar a abolição dos impostos indirectos e a instituição do imposto progressivo sobre os rendimentos. Mas, como se compreende, todos os proprietários, toda a burguesia, não querem isto e opõem-se-lhe. Só a firme união dos pobres do campo com os operários da cidade pode conquistar esta melhoria à burguesia.

Finalmente, uma melhoria muito importante para todo o povo, e particularmente para os pobres do campo, consiste no ensino gratuito das crianças, que os sociais-democratas exigem. Hoje em dia há no campo muito menos escolas do que nas cidades, e além disso em toda a parte só as classes ricas, só a burguesia, têm a possibilidade de dar aos seus filhos uma boa educação. Só o ensino gratuito e obrigatório de todas as crianças pode fazer sair o povo, ainda que parcialmente, da actual ignorância. E os pobres do campo sofrem particulamente com a ignorância e necessitam particularmente de educação. Mas, naturalmente, nós precisamos de uma educação autêntica e livre, e não daquela que querem os funcionários e os padres.

Os sociais-democratas exigem além disso que cada um tenha pleno direito de professar qualquer crença que queira de modo absolutamente livre. Dos países europeus, só na Rússia e na Turquia se mantêm ainda as vergonhosas leis contra as pessoas de outra crença, não ortodoxa, contra os cismáticos, seguidores de seitas, judeus. Estas leis ou proíbem directamente determinada crença, ou proíbem a sua propagação, ou privam de alguns direitos as pessoas de determinada crença. Todas estas leis são injustíssimas, arbitraríssimas, vergonhosíssimas. Cada um deve ter plena liberdade não só de seguir qualquer crença que quiser como também de propagar qualquer crença e de mudar de crença. Nenhum funcionário deve ter sequer o direito de perguntar nada a ninguém sobre a sua crença: é uma questão de consciência, e ninguém tem o direito de se imiscuir nisso. Não deve haver nenhuma crença ou igreja «dominante». Todas as crenças, todas as igrejas, devem ser iguais perante a lei. Os sacerdotes das diferentes crenças podem ser sustentados por aqueles que pertencem às suas crenças, mas o Estado não deve apoiar com os dinheiros públicos nenhuma crença, não deve sustentar nenhuns sacerdotes, nem ortodoxos nem cismáticos, nem das seitas nem nenhuns outros. Eis por que lutam os sociais-democratas, e enquanto estas medidas não forem aplicadas sem quaisquer reservas e sem quaisquer subterfúgios o povo não se libertará das vergonhosas perseguições policiais por motivo de crença e das não menos vergonhosas esmolas policiais a uma qualquer crença.

Examinámos quais as melhorias que os sociais-democratas se esforçam por alcançar para todo o povo e em particular para os pobres. Vejamos agora quais as melhorias que eles se esforçam por alcançar para os operários, não só das fábricas e das cidades mas também para os operários agrícolas. Os operários fabris vivem mais apertados e amontoados; trabalham em grandes oficinas; é-lhes mais fácil aproveitar a ajuda dos sociais-democratas instruídos. Por todas estas razões, os operários da cidade iniciaram muito mais cedo do que todos os outros a luta contra os patrões e alcançaram melhorias mais significativas, alcançaram também a promulgação de leis fabris. Mas os sociais-democratas travam uma luta pelas mesmas melhorias para todos os operários: para os artífices que trabalham em casa para os patrões, tanto nas cidades como nas aldeias; para os operários assalariados por pequenos mestres e artesãos; para os operários da construção (carpinteiros, pedreiros e outros); para os operários das madeiras, para os operários não especializados; e igualmente para os operários agrícolas. Todos estes operários começam agora em toda a Rússia a unir-se, seguindo os operários fabris e com a ajuda dos operários fabris, a unir-se para a luta por melhores condições de vida, por uma jornada de trabalho mais curta, por salários mais altos. E o partido social-democrata coloca como sua tarefa apoiar todos os operários na sua luta por uma vida melhor, ajudá-los todos a organizar (unir) em sólidas associações os operários mais firmes e seguros, ajudá-los com a difusão de livros e panfletos, com o envio de operários experimentados para junto dos que são novos no movimento, e em geral ajudar de todas as maneiras possíveis. Quando alcançarmos a liberdade política, teremos também na assembleia popular de deputados os nossos homens, deputados operários, sociais-democratas, e eles exigirão, tal como os seus camaradas de outros países, a elaboração de leis que beneficiem os operários.

Não vamos aqui enumerar todas as melhorias que o partido social-democrata se esforça por alcançar para os operários: estas melhorias estão enumeradas no programa e explicadas pormenorizadamente no livro A Causa Operária na Rússia(20). Aqui bastar-nos-á enunciar as principais destas melhorias. A jornada de trabalho não deve ser de mais de oito horas por dia. Um dia por semana deve ser sempre liberto do trabalho para descansar. As horas extraordinárias devem ser absolutamente proibidas, e também o trabalho nocturno. As crianças devem receber uma educação gratuita até aos 16 anos e por isso não se deve admitir que realizem trabalho assalariado antes dessa idade. As mulheres não devem trabalhar em ofícios nocivos. O patrão deve compensar os operários por todas as mutilações no trabalho - por exemplo, por mutilações causadas aos que trabalham com debulhadoras, tararas, etc. O pagamento deve ser, para todos os operários assalariados e sempre, semanal, e não de dois em dois meses ou por trimestre, como tantas vezes acontece nos contratos para trabalhos agrícolas. É muito importante para os operários receber o salário pontualmente cada semana, e além disso necessariamente em dinheiro e não em produtos. Os patrões gostam muito de obrigar os operários a aceitar como pagamento toda a espécie de produtos sem préstimo a três vezes o seu preço; para fazer cessar esta pouca-vergonha, é necessário proibir absolutamente por lei o pagamento de salários em produtos. Além disso, os operários idosos devem receber uma pensão do Estado. Os operários sustentam com o seu trabalho todas as classes ricas e todo o Estado, e por isso não têm menos direito a uma pensão do que os funcionários, que a recebem. Para que os patrões não possam abusar da sua situação e infringir as normas a adoptar para benefício dos operários, devem ser nomeados inspectores não só para as fábricas mas também para as grandes explorações latifundiárias e em geral para todas as empresas que empreguem operários assalariados. Mas estes inspectores não devem ser funcionários, não devem ser nomeados pelos ministros ou pelos governadores, não devem estar ao serviço da polícia. Os inspectores devem ser operários eleitos; o Estado deve dar um ordenado a essas pessoas da confiança dos operários, que os próprios operários elegerão livremente. E esses deputados operários eleitos devem velar também por que as habitações operárias estejam bem conservadas, por que os patrões não ousem obrigar os operários a viver numas casotas de cães e em abrigos debaixo da terra (como muitas vezes acontece nos trabalhos agrícolas), por que sejam observadas as normas sobre o descanso dos operários, etc. Ao mesmo tempo, não se pode esquecer que nenhuns deputados eleitos pelos operários trarão qualquer benefício enquanto não houver liberdade política, enquanto a polícia for omnipotente e irresponsável perante o povo. Todos sabem que actualmente a polícia prenderá sem julgamento não só os deputados operários como também qualquer operário que ouse falar em nome de todos, denunciar as infracções à lei e exortar os operários a unirem-se. Mas quando tivermos liberdade política os deputados dos operários serão de grande utilidade.

Todos os patrões (fabricantes, latifundiários, engajadores, camponeses ricos) devem ser absolutamente proibidos de fazer por decisão própria quaisquer descontos do salário dos operários, por exemplo descontos por mercadoria defeituosa, descontos sob a forma de multas, etc. É uma ilegalidade e uma violência que os patrões façam por decisão própria descontos no salário. O patrão não deve diminuir o salário do operário sob nenhuma forma e com nenhuns descontos. Não deve ser o próprio patrão a fazer justiça (belo juiz, que mete ao bolso descontos feitos ao operário), antes deve dirigir-se a um verdadeiro tribunal, e este tribunal deve ser escolhido entre os deputados dos operários e dos patrões em igualdade. Só esses tribunais podem examinar com justiça quaisquer queixas dos patrões contra os operários e dos operários contra os patrões.

Eis quais as melhorias para toda a classe operária que os sociais-democratas se esforçam por obter. Os operários em cada domínio, em cada herdade, de cada engajador, devem procurar discutir em conjunto com pessoas seguras quais as melhorias que se devem esforçar por alcançar, quais as reivindicações que devem apresentar (nas diferentes fábricas, nas diferentes herdades, com diferentes engajadores, as reivindicações dos operários serão naturalmente diferentes).

Os comités sociais-democratas ajudam os operários de toda a Rússia a definir precisa e claramente as suas reivindicações, e também a publicar panfletos impressos expondo estas reivindicações, para que as conheçam todos os operários, e também os patrões e as autoridades. Quando os operários defendem unanimemente, como um só homem, as suas reivindicações, os patrões têm de ceder e aceitá-las. Nas cidades os operários já alcançaram muitas melhorias por esta via, e agora também os operários da indústria a domicílio, os artesãos e os operários agrícolas começam a unir-se (organizar-se) e a lutar pelas suas reivindicações. Enquanto não tivermos liberdade política travamos esta luta clandestinamente, ocultando-nos da polícia, que proíbe toda a espécie de panfletos e toda a espécie de uniões operárias. E quando conquistarmos a liberdade política travaremos esta luta de modo ainda mais amplo e abertamente diante de todos, para que todo o povo trabalhador de toda a Rússia se una e se defenda mais energicamente da opressão. Quanto mais operários se unirem no partido operário social-democrata maior será a sua força, mais depressa alcançarão a completa libertacão da classe operária de toda a opressão, de todo o trabalho assalariado, de todo o trabalho para a burguesia.

Já dissemos que o partido operário social-democrata se esforça por alcançar melhorias não só para os operários mas também para todos os camponeses. Vejamos agora quais são as melhorias para todos os camponeses que ele se esforça por alcançar.

6. Que Melhorias se Esforçam os Sociais-Democratas por Alcançar para Todos os Camponeses?

Para a completa libertação de todos os trabalhadores os pobres do campo devem, em aliança com os operários da cidade, travar uma luta contra a burguesia, incluindo contra os camponeses ricos. Os camponeses ricos esforçar-se-ão por pagar aos seus assalariados agrícolas o menos possível e por obrigá-los a trabalhar mais tempo e mais pesadamente, enquanto os operários da cidade e do campo se esforçarão por conseguir que os assalariados agrícolas também recebam do camponês rico um melhor salário e tenham melhores condições de trabalho, gozando de descanso. Quer dizer que os pobres do campo devem constituir as suas próprias uniões, sem os camponeses ricos; já falámos disto e repeti-lo-emos sempre.

Mas na Rússia todos os camponeses no seu conjunto, tanto ricos como pobres, continuam ainda em muitos aspectos a ser servos como antes: todos eles constituem o estado social inferior, explorado,(21) sujeito a tributos; todos eles são reduzidos à servidão pelos funcionários policiais e pelos chefes dos zemstvos; todos eles trabalham muitas vezes para o senhor como antigamente, em pagamento do uso das terras cortadas, dos bebedouros, dos pastos, dos prados, tal qual como trabalhavam para o senhor no tempo da servidão. Todos os camponeses querem libertar-se desta nova condição de servos, todos querem gozar de todos os direitos, todos odeiam os latifundiários, que continuam até hoje a obrigá-los a trabalho servil — a «pagar com trabalho» aos senhores nobres a terra, o pasto, o bebedouro, o prado, e a trabalhar para pagar «os estragos causados pelo gado», e a mandar as mulheres ceifar apenas «por uma questão de honra». Os pobres sofrem ainda mais do que o camponês rico com todos estes pagamentos com trabalho. O camponês rico às vezes livra-se do seu trabalho para o senhor pagando, mas não obstante mesmo o camponês rico é na maior parte das vezes fortemente oprimido pelos latifundiários. Quer dizer que os pobres do campo devem lutar contra a sua falta de direitos, contra toda a espécie de trabalho servil, contra toda a espécie de pagamentos com trabalho, juntamente com os camponeses ricos. Só nos veremos livres de toda a subjugação, de toda a miséria, quando vencermos toda a burguesia (incluindo os camponeses ricos). Mas existe uma subjugação de que nos veremos livres mais cedo, porque esta subjugação também amarga ao camponês rico. Na Rússia existem ainda muitas localidades e muitos distritos onde todos os camponeses no seu conjunto são ainda muitas vezes exactamente como servos. Por isso todos os operários russos e todos os pobres do campo têm de travar uma luta com ambas as mãos para dois lados: com uma mão a luta contra todos os burgueses, em aliança com todos os operários; com a outra mão a luta contra os funcionários das aldeias, contra os latifundiários feudais, em aliança com todos os camponeses. Se os pobres do campo não constituírem a sua própria união, separadamente dos camponeses ricos, então os camponeses ricos enganá-los-ão, ludibriá-los-ão, tornar-se-ão eles próprios latifundiários, e o camponês sem terra não só permanecerá sem terra como nem sequer lhe darão a liberdade de se unir. Se os pobres do campo não lutarem juntamente com os camponeses ricos contra a subjugação feudal, permanecerão ligados e adscritos a um lugar, não terão também plena liberdade para se unir com os operários da cidade.

Os pobres do campo têm em primeiro lugar de golpear os latifundiários e de derrubar pelo menos a pior, a mais prejudicial subjugação aos senhores; neste aspecto muitos camponeses ricos e partidários da burguesia estarão também do lado dos pobres, porque todos estão já fartos da arrogância dos latifundiários. Mas logo que tenhamos reduzido o poder dos latifundiários o camponês rico reve-lar-se-á imediatamente e estenderá as suas garras para tudo, e ele tem garras afiadas e que já apanharam muito. Quer dizer que é preciso estar de sobreaviso e estabelecer uma aliança sólida, indestrutível, com o operário da cidade. Os operários da cidade ajudarão a despojar o latifundiário dos seus antigos hábitos senhoriais e também a pôr em respeito o camponês rico (como já puseram um pouco em respeito os seus patrões, os fabricantes). Sem aliança com os operários da cidade os pobres do campo nunca se verão livres de toda a subjugação, de toda a pobreza e miséria; além dos operários da cidade ninguém os ajudará nisto, e não podem contar com ninguém além de si próprios. Mas há melhorias que alcançaremos mais cedo, que podemos obter desde já, no próprio início desta grande luta. Existem na Rússia muitas formas de subjugação que nos outros países já há muito não existem, e desta subjugação aos funcionários, desta subjugação aos senhores, desta subjugação feudal, todo o campesinato russo pode ver-se livre agora mesmo.

Vamos agora examinar quais as melhorias que o partido operário social-democrata se esforça em primeiro lugar por alcançar para libertar todo o campesinato russo pelo menos da subjugação feudal mais feroz e para desatar as mãos dos pobres do campo na luta contra toda a burguesia russa.

Primeira reivindicação do partido operário social-democrata: abolir imediatamente todos os pagamentos de resgates, todos os tributos, todas as cargas que pesam sobre o campesinato «sujeito a tributos»(22). Quando os comités de nobres e o governo de nobres do tsar russo «emanciparam» os camponeses da dependência servil, obrigaram os camponeses a comprar as suas próprias terras, a comprar terras que os camponeses lavravam desde tempos imemoriais! Isto foi um roubo. Os comités de nobres roubaram abertamente os camponeses com a ajuda do governo tsarista. O governo tsarista enviou tropas para muitos lugares para estabelecer os títulos regulamentares pela força, para punir por meios militares os camponeses que não queriam aceitar os lotes cortados «de miséria». Sem a ajuda do exército, sem os suplícios e os fuzilamentos, os comités de nobres nunca poderiam roubar os camponeses tão descaradamente como o fizeram na altura da emancipação da dependência servil. Os camponeses têm de se lembrar sempre de como os enganaram e roubaram os comités de latifundiários e nobres, porque ainda hoje o governo tsarista também designa sempre comités de nobres ou funcionários quando se trata de novas leis para os camponeses. Há pouco tempo o tsar publicou um manifesto (de 26 de Fevereiro de 1903): ele promete aí rever e melhorar as leis sobre os camponeses. Quem irá rever? quem irá melhorar? — Novamente os nobres, novamente os funcionários! Os camponeses serão sempre logrados enquanto não conseguirem que sejam instituídos comités camponeses para melhorar a vida dos camponeses. Já basta do comando dos latifundiários, dos chefes dos zemstvos e de toda a espécie de funcionários sobre os camponeses! Já basta desta dependência servil em relação a qualquer suboficial da polícia, a qualquer filho da nobreza que dissipa tudo na bebida, a que chamam chefe de zemstvo, comissário da polícia ou governador! Os camponeses devem exigir que lhes dêem a liberdade de tratar eles próprios dos seus assuntos, de considerar, propor e aplicar eles próprios novas leis. Os camponeses devem exigir comités camponeses livres e eleitos; enquanto não conseguirem isto os nobres e os funcionários enganá-los-ão e roubá-los-ão sempre. Ninguém libertará os camponeses dos funcionários sanguessugas se os camponeses não se libertarem a si próprios, se não se unirem para tomar o seu destino nas suas próprias mãos.

Os sociais-democratas exigem não só a completa e imediata abolição dos pagamentos de resgate, dos pagamentos de tributos, de toda a espécie de cargas, mas além disso eles exigem ainda a devolução ao povo do dinheiro dos resgates que lhes foi tirado. Centenas de milhões de rublos foram pagos a mais pelos camponeses em toda a Rússia desde o tempo da sua emancipação da servidão pelos comités de nobres. Os camponeses devem exigir a restituição deste dinheiro. Que o governo lance um imposto especial sobre os grandes proprietários agrários nobres, que se tirem as terras aos mosteiros e à coroa (isto é, à família do tsar), que uma assembleia popular de deputados disponha deste dinheiro em benefício dos camponeses. Em parte nenhuma no mundo há uma tão grande humilhação, uma tão grande pauperização do camponês, um tão terrível perecimento de milhões de camponeses devido à fome como na Rússia. No nosso país o camponês está reduzido a morrer de fome, porque o roubaram já os comités de nobres, porque desde então o roubam todos os anos, extorquindo-lhe o velho tributo aos herdeiros dos velhos senhores feudais, extorquindo-lhe os pagamentos de resgate e os tributos em espécie. Que aqueles que roubam respondam por isso. Que se tire dinheiro aos nobres e grandes latifundiários para prestar uma ajuda séria aos famintos. O camponês faminto não precisa de caridade, não precisa de esmolas de pataco. Que ele exija que lhe seja devolvido o dinheiro que durante anos e anos ele pagou aos latifundiários e ao Estado. Então a assembleia popular de deputados e os comités de camponeses poderão prestar uma verdadeira ajuda, uma ajuda séria, aos famintos.

Continuemos. O partido operário social-democrata exige a imediata e completa abolição da caução solidária e de todas as leis que constrangem o camponês na livre disposição da sua terra. O manifesto do tsar de 26 de Fevereiro de 1903 promete a abolição da caução solidária. Actualmente saiu já uma lei sobre a sua abolição. Mas isso não basta. É preciso além disso abolir imediatamente todas as leis que constrangem o camponês na livre disposição da sua terra. De outro modo, o camponês, mesmo sem caução solidária, continuará a não ser completamente livre, continuará a ser semi-servo. O camponês deve obter a plena liberdade de dispor da sua terra: arrendá-la e vendê-la a quem quiser sem pedir a ninguém. Mas o decreto do tsar não permitiu isto: todos os nobres, negociantes e pequenos burgueses podem dispor livremente da terra, mas o camponês não pode. O camponês é uma criança pequena. É preciso designar um chefe de zemstvo para que olhe por ele como uma ama. É preciso proibir o camponês de vender o seu lote, senão o camponês esbanjará o dinheiro! Eis como raciocinam os senhores feudais, e há tolos que acreditam neles e, querendo bem ao camponês, dizem que é preciso proibi-lo de vender a terra. Mesmo os populistas (dos quais já falámos) e umas pessoas que se intitulam «socialistas-revolucionários» também cedem a isto e acham que é melhor que o nosso camponês permaneça um bocadinho servo e que não venda a terra.

Os sociais-democratas dizem: isto é apenas hipocrisia, apenas sobranceria, apenas palavras açucaradas! Quando alcançarmos o socialismo, quando a classe operária vencer a burguesia, então toda a terra será comum, então ninguém terá o direito de vender a terra. Mas e até essa altura? O nobre e o negociante podem vender, e o camponês não pode!? O nobre e o negociante são livres, e o camponês continuará a ser semi-servo!? O camponês continuará a ter de solicitar autorização às autoridades!?

Isto não passa de um logro, ainda que encoberto com palavras açucaradas, mas logro à mesma.

Enquanto se permitir ao nobre e ao negociante que vendam a terra, até então também o camponês deve ter o pleno direito de vender a sua terra e de dispor dela de modo absolutamente livre, absolutamente da mesma maneira que o nobre e o negociante.

Quando a classe operária vencer toda a burguesia, então retirará a terra aos grandes proprietários, então organizará a agricultura cooperativa nas grandes herdades, para que a terra seja cultivada pelos operários juntos, em comum, escolhendo livremente pessoas de confiança para responsáveis, tendo toda a espécie de máquinas para aliviar o trabalho, trabalhando em turnos não mais de oito (se não mesmo seis) horas por dia cada um. Então o pequeno camponês que preferir ainda trabalhar sozinho à velha maneira não trabalhará para o mercado, para vender ao primeiro que apareça, mas para cooperativas de operários: o pequeno camponês fornecerá à cooperativa de operários pão, carne, vegetais, e os operários dar-lhe-ão, sem ter de pagar, máquinas, gado, adubos, roupa e tudo aquilo de que ele necessita. Então não haverá luta entre a grande e a pequena exploração por causa do dinheiro, então não haverá trabalho assalariado para outros, mas todos os trabalhadores trabalharão para si, todas as melhorias no trabalho e todas as máquinas serão em benefício dos próprios operários, para aliviar o seu trabalho, para melhorar a sua vida.

Mas todas as pessoas sensatas compreendem que não se pode alcançar o socialismo de repente: para isso é preciso travar uma luta encarniçada contra toda a burguesia, contra todos os governos, para isso é preciso unir numa união sólida e indestrutível todos os operários urbanos de toda a Rússia e os pobres do campo juntamente com eles. Esta é uma grande causa, e vale a pena entregar toda a vida a tal causa. Mas enquanto não alcançarmos o socialismo o grande proprietário travará sempre uma luta contra o pequeno por causa do dinheiro: será que o grande camponês terá a liberdade de vender a terra e o pequeno camponês não? Repetimos: os camponeses não são crianças pequenas e não permitirão a ninguém que lhes dê ordens; os camponeses devem receber todos os direitos, sem qualquer limitação, que têm os nobres e os negociantes.

Diz-se ainda: a terra do camponês não é sua mas da comunidade. Não se pode permitir a cada um que venda a terra da comunidade. - Também isto não passa de um logro. Não têm também associações os nobres e negociantes? Os nobres e negociantes não se unem também em companhias, não compram juntos terras e fábricas e tudo o que querem? Então por que é que para as sociedades de nobres não se inventam nenhumas restrições, enquanto para o camponês toda a espécie de patifes da polícia se esforçam por pensar em limitações e proibições? Os camponeses nunca viram nada de bom vindo dos funcionários, viram apenas pancada, exacções e ofensas. Os camponeses nunca receberão nada de bom enquanto não tomarem eles próprios todos os seus assuntos nas suas mãos, enquanto não alcançarem a plena igualdade de direitos e a plena liberdade. Se os camponeses quiserem que a sua terra seja comunitária, ninguém poderá impedi-lo, e eles estabelecerão, por acordo voluntário, a associação composta por quem quiserem e como quiserem, escreverão o contrato comunitário que quiserem, de modo absolutamente livre. E que nenhum funcionário ouse meter o nariz nos assuntos comunitários dos camponeses. E que ninguém ouse zombar do camponês e inventar restrições e proibições para o camponês.

Finalmente, os sociais-democratas esforçam-se por obter ainda mais uma melhoria importante para os camponeses. Eles querem limitar desde já, imediatamente, a subjugação ao senhor, a subjugação feudal do camponês. É evidente que não poderemos suprimir toda a subjugação enquanto no mundo houver miséria, e não poderemos suprimir a miséria enquanto a terra e as fábricas se encontrarem nas mãos da burguesia, enquanto a força principal no mundo for o dinheiro, enquanto não for estabelecida a sociedade socialista. Mas na Rússia ainda existe nos campos muita subjugação particularmente feroz, que não existe nos outros países, apesar de também aí não ter sido ainda estabelecido o socialismo. Na Rússia há ainda muita subjugação feudal, que é proveitosa para todos os latifundiários, que esmaga todos os camponeses, que se pode e deve liquidar desde já, imediatamente, em primeiro lugar.

Expliquemos qual a subjugação a que chamamos subjugação feudal.

Qualquer pessoa que viva no campo conhece casos como estes. A terra do latifundiário encontra-se ao lado da do camponês. Aquando da emancipação, cortaram aos camponeses terras que lhes eram necessárias, cortaram prados, pastagens, cortaram bosques, cortaram bebedouros para o gado. Os camponeses não podem passar sem esta terra cortada, sem pastagens, sem bebedouros. Quer queiram quer não, têm de ir ter com o latifundiário, pedir-lhe que deixe o gado passar para a água ou que o deixe pastar, etc. Mas o latifundiário não explora a sua propriedade e talvez não tenha dinheiro, e só vive de subjugar os camponeses. Os camponeses trabalham para ele gratuitamente pelo uso das terras cortadas, lavram com os seus cavalos a terra dele, ceifam o trigo dele e o prado dele, moem-lhe o grão, em alguns lugares transportam mesmo o seu estrume para a terra do senhor, levam-lhe panos, ovos e animais de toda a espécie. Tal qual como durante a servidão! Então os camponeses trabalhavam de graça para aquele em cuja propriedade viviam, e hoje trabalham muito frequentemente de graça para o senhor em troca da mesma terra que foi retirada aos camponeses aquando da sua emancipação pelos comités de nobres. É o mesmo trabalho servil. Em algumas gubérnias os próprios camponeses chamam a este trabalho bárschina ou pánschina(23). É a isto que nós chamamos subjugação feudal. Os comités de latifundiários, de nobres, organizaram propositadamente as coisas, na altura da emancipação da servidão, de modo a que lhes fosse possível subjugar os camponeses à velha maneira, cortaram propositadamente os lotes dos camponeses, cravaram a terra do latifundiário como uma cunha entre as terras do camponês para que este não tivesse sequer onde soltar as galinhas, transferiram propositadamente os camponeses para terra pior, obstruíram propositadamente com terra dos latifundiários o caminho para os bebedouros - numa palavra, organizaram as coisas de modo a que os camponeses se encontrassem dentro de uma armadilha, para que os camponeses, tal como antes, pudessem ser aprisionados sem dificuldades. E quantas aldeias haverá ainda entre nós, o seu número é incontável, em que os camponeses são prisioneiros dos latifundiários vizinhos, tão prisioneiros como eram durante a servidão. Nestas aldeias tanto o camponês rico como o pobre estão atados de pés e mãos e à mercê do latifundiário. O camponês pobre ainda sofre mais com isto do que o rico. O camponês rico por vezes tem a sua própria terra e manda o seu assalariado executar o trabalho servil em seu lugar, mas o pobre não tem onde se meter e o latifundiário faz dele o que quer. Com esta subjugação o camponês pobre muitas vezes nem tem tempo para respirar, não pode ir procurar trabalhar noutro lado por causa do trabalho para o senhor, não pode pensar em se unir livremente numa só união, num só partido, com todos os pobres do campo e com os operários da cidade.

Pois bem, não há quaisquer meios para liquidar desde já, agora, imediatamente, esta subjugação? O partido operário social-democrata propõe aos camponeses dois meios para este fim. Mas repetiremos uma vez mais que só o socialismo libertará todos os pobres de toda e qualquer subjugação, pois enquanto os ricos tiverem força oprimirão sempre os pobres de uma maneira ou de outra. Não se pode liquidar imediatamente toda a subjugação, mas pode restringir-se fortemente a subjugação mais dura, mais infame, a subjugação feudal, que pesa sobre os camponeses pobres, médios e mesmo ricos, pode conseguir-se desde já um alívio para o campesinato.

Os meios para isto são dois.

Primeiro meio: tribunais livremente eleitos constituídos por pessoas de confiança dos assalariados rurais e dos camponeses mais pobres e também dos camponeses ricos e dos latifundiários.

Segundo meio: comités camponeses livremente eleitos. Estes comités camponeses devem ter o direito não só de discutir e tomar toda a espécie de medidas para acabar com o trabalho servil, para acabar com os vestígios da servidão, mas devem ter também o direito de confiscar as terras cortadas e de as devolver aos camponeses(24).

Examinemos um pouco mais em pormenor estes dois meios. Os tribunais livremente eleitos constituídos por pessoas de confiança examinarão todos os assuntos relativos a queixas de camponeses contra a subjugação. Estes tribunais terão o direito de baixar a renda da terra se os latifundiários a fixaram demasiado alto, aproveitando-se da miséria dos camponeses. Estes tribunais terão o direito de libertar os camponeses dos pagamentos excessivos; por exemplo, se o latifundiário contratou o camponês no Inverno para trabalhos de Verão por metade do preço, o tribunal examinará o caso e fixará um pagamento justo. Esse tribunal deve ser composto, naturalmente, não por funcionários mas por pessoas de confiança livremente eleitas, e de modo a que os assalariados agrícolas e os pobres do campo tenham obrigatoriamente os seus eleitos e em número não menor que os dos camponeses ricos e dos latifundiários. Esses tribunais examinarão também todos os casos entre os operários e os patrões. Havendo tais tribunais será mais fácil aos operários e a todos os pobres do campo defenderem os seus direitos, será mais fácil unirem-se entre si e descobrirem com precisão quem são as pessoas que podem defender segura e fielmente os pobres e os operários.

O outro meio é ainda mais importante. São os comités camponeses livres, eleitos entre pessoas de confiança dos assalariados agrícolas, dos camponeses pobres, médios e ricos em cada uézd (ou vários comités por uézd, se os camponeses acharem necessário; eles constituirão talvez comités camponeses até em cada vólost e em cada aldeia grande). Ninguém melhor do que os próprios camponeses conhece a subjugação que sobre eles pesa. Ninguém melhor do que os próprios camponeses saberá denunciar os latifundiários que continuam até hoje a viver da subjugação servil. Os comités camponeses examinarão quais as terras cortadas, ou prados, ou pastos, etc., que foram injustamente retirados aos camponeses, examinarão se estas terras devem ser confiscadas sem indemnização ou se se deve dar, à custa dos grandes nobres, uma compensação àqueles que compraram essas terras. Os comités camponeses libertarão os camponeses, pelo menos, das armadilhas para que os empurraram os numerosíssimos comités de nobres, de latifundiários. Os comités camponeses livrarão os camponeses da ingerência dos funcionários, mostrarão que os camponeses querem e podem tratar eles próprios dos seus assuntos, ajudarão os camponeses a entenderem-se acerca das suas necessidades e a conhecer bem as pessoas capazes de defender fielmente os pobres do campo e a união com os operários das cidades. Os comités camponeses são o primeiro passo para que mesmo nas aldeias perdidas os camponeses se ergam sobre os seus próprios pés e tomem o seu destino nas suas próprias mãos.

É por isso que os operários socias-democratas advertem os camponeses:

Não acrediteis em nenhuns comités de nobres, em nenhumas comissões de funcionários.

Exigi uma assembleia nacional de deputados.

Exigi a instituição de comités camponeses.

Exigi a completa liberdade de publicar toda a espécie de livros e jornais.

Quando todos e cada um tiverem o direito de exprimir livremente as suas opiniões e os seus desejos, sem temer ninguém, tanto na assembleia nacional de deputados como nos comités camponeses e nos jornais, então depressa se verá quem vai para o lado da classe operária e quem vai para o lado da burguesia. Agora a imensa maioria das pessoas não pensa nisto de todo em todo, alguns ocultam a sua verdadeira opinião, alguns nem sequer a conhecem, alguns enganam deliberadamente. Mas então todos se porão a pensar nisto, não haverá razão para se ocultar, e tudo em breve se esclarecerá. Já dissemos que a burguesia atrairá os camponeses ricos para o seu lado. Quanto mais depressa e quanto maior a medida em que se conseguir liquidar a subjugação servil, quanto maior for a verdadeira liberdade que os camponeses obtenham, mais depressa se unirão entre si os pobres do campo, mais depressa se unirá também com toda a burguesia o campesinato rico. E que se unam: não tememos isso, embora saibamos perfeitamente que o campesinato rico se tornará mais forte devido a esta união. Mas nós também nos uniremos, e a nossa união - a união dos pobres do campo com os operários das cidades - será incomparavelmente mais numerosa, será uma união de dezenas de milhões contra uma união de centenas de milhares. Sabemos também que a burguesia se esforçará (já agora se esforça!) por atrair para o seu lado tanto os camponeses médios como mesmo os pequenos, se esforçará por enganá-los, se esforçará por seduzi-los, por dividi-los, por prometer a cada um deles fazê-lo também chegar a rico. Já vimos por que meios e com que enganos a burguesia seduz o camponês médio. Devemos por isso abrir de antemão os olhos aos pobres do campo, reforçar de antemão a sua união particular com os operários das cidades contra toda a burguesia.

Que cada um que habita no campo olhe bem à sua volta. Quão frequentemente os camponeses ricos falam contra os senhores, contra os latifundiários! Como eles se queixam da opressão do povo, de que a terra dos senhores está inculta! Como eles gostam de dizer (a sós) que seria necessário que a terra passasse para as mãos dos camponeses!

Pode-se acreditar no que dizem os ricos? Não. Eles não querem a terra para o povo mas para si. Eles já apanharam muita terra, tanto comprada como arrendada, mas ainda não lhes chega. Quer dizer, os pobres do campo não terão de caminhar muito tempo ao lado dos ricos contra os latifundiários. Só podemos dar o primeiro passo ao lado deles, e depois irá cada um para seu lado.

É por isso que é preciso distinguir claramente este primeiro passo dos outros passos e do nosso último passo, o passo principal. O primeiro passo no campo é a completa emancipação do camponês, plenos direitos para ele, a organização de comités camponeses para a devolução das terras cortadas. E o nosso último passo, tanto na cidade como no campo, será o mesmo: confiscaremos todas as terras e todas as fábricas aos latifundiários e à burguesia e criaremos a sociedade socialista. Entre o primeiro passo e o último teremos ainda de atravessar não poucas lutas, e quem confunde o primeiro passo com o último prejudica esta luta e, sem se dar conta, tapa os olhos aos pobres do campo.

Os pobres do campo darão o primeiro passo juntamente com todos os camponeses: talvez alguns kulaques fiquem para trás, talvez a um camponês em cem não repugne qualquer forma de subjgação. Mas toda a massa ainda aqui procurará a mesma coisa: todo o campesinato necessita de direitos iguais. A subjugação aos latifundiários ata todos de pés e mãos. Mas o último passo nunca será dado por todos os camponeses em conjunto: aqui todo o campesinato rico erguer-se-á já contra os asssalariados agrícolas. Aqui já necessitamos de uma firme união dos pobres do campo com os operários sociais-democratas das cidades. Quem disser aos camponeses que eles podem dar ao mesmo tempo o primeiro e o último passo está a enganar o camponês. Esse esquece a grande luta entre os próprios camponeses, a grande luta entre os pobres do campo e os camponeses ricos.

É por isso que os sociais-democratas não prometem imediatamente ao camponês rios de leite e mel. É por isso que os sociais--democratas exigem em primeiro lugar a completa liberdade para a luta, para a grande e vasta luta a nível nacional de toda a classe operária contra toda a burguesia. É por isso que os sociais-democratas apontam um primeiro passo pequeno mas seguro.

Algumas pessoas pensam que a nossa reivindicação de instituir comités camponeses para limitar a subjugação e devolver as terras cortadas é uma espécie de cerca, de vedação. Como se disséssemos: pára, não vás mais longe. Essas pessoas meditaram muito pouco naquilo que querem os sociais-democratas. A exigência de instituir comités camponeses para limitar a subjugação e para devolver as terras cortadas não é uma vedação. É uma porta. Em primeiro lugar é preciso passar por esta porta para ir mais longe, para ir por um caminho aberto e largo até mesmo ao fim, até à completa emancipação de todo o povo trabalhador da Rússia. Enquanto o campesinato não tiver passado esta porta, continuará nas trevas, subjugado, sem plenos direitos, sem uma liberdade plena e autêntica, não poderá sequer decidir definitivamente entre si quem é amigo do trabalhador e quem é seu inimigo. Por isso os sociais-democratas apontam esta porta e dizem que em primeiro lugar todo o povo tem de investir contra esta porta e de forçá-la completamente. Mas há pessoas que se intitulam populistas e socialistas-revolucionários, que também querem bem ao camponês, que fazem alarido, gritam, agitam os braços, querem ajudar, mas não vêem esta porta! Estas pessoas são mesmo tão cegas que dizem: não se deve de modo nenhum dar ao camponês o direito de dispor livremente da sua terra! Querem bem ao camponês, mas por vezes raciocinam do mesmo modo que os senhores feudais! Destes amigos pouca ajuda virá. Para que serve desejar o bem do camponês se não se vê com clareza logo a primeira porta que é preciso forçar? Para que serve também aspirar ao socialismo se não se vê como entrar no caminho da luta popular livre pelo socialismo não só na cidade mas também no campo, não só contra os latifundiários mas também contra os ricos dentro da comunidade, dentro do «mir»?

É por isso que os sociais-democratas apontam tão persistentemente para esta porta, a mais próxima, a primeira. Agora a dificuldade não está em exprimir toda a espécie de bons desejos mas em apontar acertadamente o caminho, em compreender claramente como se deve dar o primeiro passo. Que o camponês russo está esmagado pela subjugação, que o camponês russo continua semi-servo, sobre isso já há quarenta anos que falam e escrevem todos os amigos do camponês. Como os latifundiários roubam e subjugam indecentemente o camponês por meio de toda a espécie de terras cortadas, sobre isso todos os amigos do camponês escreveram muitos livros muito antes de na Rússia aparecerem sociais-democratas. Que o camponês necessita de ajuda agora, imediatamente, que é preciso libertá-lo, ainda que minimamente, da subjugação, isso é coisa que agora já todas as pessoas honestas vêem, sobre isso até os funcionários do nosso governo policial começam a falar. Toda a questão é: como deitar mãos à obra, como dar o primeiro passo, que porta é preciso arrombar primeiro.

A esta pergunta dão diferentes pessoas (de entre as que querem o bem do camponês) duas respostas diferentes. Todos os proletários do campo devem esforçar-se por compreender claramente ambas as respostas e por formar uma opinião definida e firme. Uma resposta é dada pelos populistas e pelos socialistas-revolucionários. Antes de mais é preciso, dizem eles, desenvolver toda a espécie de sociedades (cooperativas) entre os camponeses. É preciso reforçar a união no mir. Não se deve dar a cada camponês o direito de dispor livremente da sua terra. Que a comunidade, o mir, tenha mais direitos, e que gradualmente toda a terra da Rússia se torne terra da comunidade. É preciso dar todas as facilidades aos camponeses para comprar terras, para que a terra passe mais facilmente do capital para o trabalho.

A outra resposta é dada pelos sociais-democratas. O camponês deve em primeiro lugar alcançar todos os direitos, sem excepção, que tem o nobre e o negociante. O camponês deve ter o pleno direito de dispor livremente da sua terra. Para liquidar a subjugação mais infame devem ser instituídos comités camponeses para devolver as terras cortadas(25). Do que precisamos não é da união no mir mas da união dos pobres do campo das diferentes comunidades rurais de toda a Rússia, da união dos proletários do campo com os proletários da cidade. Todas as sociedades (cooperativas) e a compra de terra pelo mir trarão sempre mais vantagem aos camponeses ricos e enganarão o camponês médio.

O governo russo vê que é preciso aliviar os camponeses mas quer livrar-se com ninharias, quer fazer tudo por meio dos funcionários. Os camponeses devem estar de sobreaviso, porque as comissões de funcionários enganá-los-ão do mesmo modo que os enganaram os comités de nobres. Os camponeses devem exigir a eleição de comités camponeses livres. A questão não está em esperar um alívio vindo dos funcionários mas em que os próprios camponeses tomem nas suas mãos o seu destino. Que de início demos apenas um passo, que de início nos libertemos apenas da subjugação mais feroz, contanto que os camponeses se apercebam da sua força, contanto que eles livremente se ponham de acordo e se unam. Nenhum homem honesto pode negar que as terras cortadas servem frequentemente para a subjugação mais indecente, a subjugação servil. Nenhum homem honesto pode negar que a nossa reivindicação é a primeira e a mais justa das reivindicações: que os camponeses elejam livremente os seus comités, sem os funcionários, para liquidarem toda a espécie de subjugação servil.

Nos comités camponeses livres (do mesmo modo que na assembleia livre de deputados de toda a Rússia) os sociais-democratas reforçarão imediatamente e com todas as suas forças a união particular dos proletários do campo com os proletários da cidade. Os sociais-democratas defenderão todas as medidas que beneficiem os proletários do campo e ajudá-los-ão, depois do primeiro passo, a dar o mais depressa possível e o mais unidamente possível o segundo passo e o terceiro, e assim por diante, até ao fim, até à completa vitória do proletariado. Mas pode-se dizer desde já, imediatamente, qual a reivindicação que estará amanhã na ordem do dia, para o segundo passo? Não, não se pode dizê-lo, porque não sabemos como se comportarão amanhã os camponeses ricos e muitas pessoas instruídas ocupadas com toda a espécie de cooperativas e com toda a espécie de passagem da terra do capital para o trabalho.

Talvez amanhã eles ainda não tenham conseguido entender-se com os latifundiários e queiram acabar até ao fim com o poder dos latifundiários. Excelente. Isto é muito desejável para os sociais--democratas, e os sociais-democratas aconselharão os proletários do campo e da cidade a exigir que seja tirada toda a terra aos latifundiários e que ela seja entregue ao Estado popular livre. Os sociais-democratas velarão atentamente por que os proletários do campo não sejam enganados, por que eles se reforcem ainda mais para a luta final pela completa emancipação do proletariado.

Mas talvez as coisas sejam completamente diferentes. E é mesmo mais provável que sejam diferentes. Os camponeses ricos e muitas pessoas instruídas podem amanhã mesmo, logo que a pior subjugação seja limitada e cerceada, amanhã mesmo unir-se com os latifundiários, e então contra todo o proletariado do campo erguer-se-á toda a burguesia do campo. Então seria ridículo nós lutarmos apenas contra os latifundiários. Então temos de lutar contra toda a burguesia e de exigir em primeiro lugar o máximo de liberdade e de espaço para essa luta, de exigir que seja facilitada a vida do operário para facilitar a sua luta.

Em qualquer caso, sejam as coisas de um modo ou de outro, a nossa primeira tarefa, a nossa tarefa principal e obrigatória será: reforçar a união dos proletários e semiproletários do campo com os proletários da cidade. Para esta união precisamos imediatamente da plena liberdade política para o povo, da igualdade de direitos do camponês e da liquidação da subjugação servil. E quando esta união se criar e se reforçar, então desmascararemos facilmente todos os logros por meio dos quais a burguesia procura seduzir o camponês médio, então daremos fácil e rapidamente, contra toda a burguesia, contra todas as forças do governo, o segundo, o terceiro e o último passo, então marcharemos firmemente para a vitória e conquistaremos rapidamente a completa emancipação de todo o povo trabalhador.

7. A Luta de Classes no Campo

Que é a luta de classes? É a luta de uma parte do povo contra outra, a luta da massa dos que não têm direitos, dos oprimidos e dos trabalhadores contra os privilegiados, os opressores e os parasitas, a luta dos operários assalariados ou proletários contra os proprietários ou burguesia. Também no campo russo sempre teve lugar e continua a ter lugar esta grande luta, embora nem todos a vejam, nem todos compreendam o seu significado. Quando existia a servidão, toda a massa dos camponeses lutava contra os seus opressores, contra a classe dos latifundiários, que eram protegidos, defendidos e apoiados pelo governo tsarista. Os camponeses não podiam unir-se, os camponeses eram então completamente esmagados pela ignorância, os camponeses não tinham quem os ajudasse e não tinham irmãos entre os operários da cidade, mas mesmo assim os camponeses lutavam como sabiam e como podiam. Os camponeses não temiam as ferozes perseguições do governo, não temiam os castigos físicos e as balas, os camponeses não acreditavam nos padres, que faziam tudo para demonstrar que a servidão era aprovada pelas sagradas escrituras e legitimada por Deus (foi exactamente o que então disse o metropolita Filaret!), os camponeses ergueram-se ora aqui ora ali, e o governo acabou por ceder, temendo uma insurreição geral de todos os camponeses.

A servidão foi abolida, mas não completamente. Os camponeses continuaram sem direitos, continuaram a ser um estado social inferior, sujeito a tributo, explorado, continuaram entre as garras da subjugação servil. E os camponeses continuam a agitar-se, continuam a procurar a liberdade completa e autêntica. Entretanto, depois da abolição da servidão surgiu uma nova luta de classes, a luta do proletariado contra a burguesia. A riqueza cresceu, construíram-se caminhos-de-ferro e grandes fábricas, as cidades tornaram-se ainda mais populosas e ainda mais luxuosas, mas todas estas riquezas estavam nas mãos de um número ínfimo de pessoas, enquanto o povo empobrecia mais, se arruinava, passava fome, partia à procura de um trabalho assalariado para outros. Os operários da cidade iniciaram uma nova e grande luta de todos os pobres contra todos os ricos. Os operários da cidade uniram-se no partido social-democrata e, unidos, travam a sua luta tenaz e firmemente, avançando passo a passo, preparando-se para a grande luta final, exigindo a liberdade política para todo o povo.

Finalmente, também os camponeses perderam a paciência. Na Primavera do ano passado, 1902, os camponeses das gubérnias de Poltava, Khárkov e outras ergueram-se contra os latifundiários, abriram os seus celeiros, dividiram entre si os seus haveres, deram aos famintos o cereal, semeado e colhido pelo camponês mas apropriado pelo latifundiário, exigiram uma nova divisão da terra. Os camponeses não aguentaram a opressão desmedida e começaram a procurar melhor sorte. Os camponeses decidiram - e decidiram muito correctamente - que é melhor morrer em luta contra os opressores do que morrer de fome sem luta. Mas os camponeses não conseguiram melhor sorte. O governo tsarista declarou-os simples amotinados e ladrões (pelo facto de eles terem tirado aos latifundiários ladrões o cereal semeado e colhido pelos próprios camponeses!), o governo tsarista enviou a tropa contra eles como contra um inimigo, e os camponeses foram derrotados, dispararam contra os camponeses, mataram muitos, açoitaram ferozmente os camponeses, açoitaram-nos até à morte, torturaram-nos como nunca os turcos torturam os seus inimigos, os cristãos. Os enviados do tsar, os governadores, torturaram mais que todos, como verdadeiros carrascos. Os soldados violaram as mulheres e filhas dos camponeses. E depois de tudo os camponeses foram julgados por um tribunal de funcionários, os camponeses foram obrigados a pagar em benefício dos latifundiários oitocentos mil rublos, e no tribunal, neste tribunal vergonhoso, secreto, próprio de uma câmara de torturas, nem sequer permitiram aos defensores que contassem como os camponeses tinham sido torturados e atormentados pelos enviados do tsar, pelo governador Obolenski e outros servidores do tsar.

Os camponeses lutaram por uma causa justa. A classe operária russa honrará sempre a memória dos mártires mortos a tiro ou nas torturas pelos servidores do tsar. Estes mártires foram lutadores pela liberdade e felicidade do povo trabalhador. Os camponeses foram derrotados, mas erguer-se-ão uma e outra vez, não se deixarão abater pela primeira derrota. Os operários conscientes empregarão todos os esforços para que o máximo possível de trabalhadores das cidades e dos campos conheça a luta dos camponeses e se prepare para uma nova luta com mais êxito. Os operários conscientes esforçar-se-ão com todas as forças por ajudar os camponeses a compreender claramente por que foi esmagada a primeira insurreição camponesa (1902) e o que é preciso fazer para que a vitória pertença aos camponeses e operários e não aos servidores do tsar.

A insurreição camponesa foi esmagada porque foi uma insurreição da massa ignorante e não consciente, uma insurreição sem reivindicações políticas definidas e claras, isto é, sem a reivindicação de mudar o sistema estatal. A insurreição camponesa foi esmagada porque não foi preparada. A insurreição camponesa foi esmagada porque os proletários do campo não estavam ainda unidos aos proletários da cidade. Eis as três causas do primeiro insucesso camponês. Para que a insurreição tenha êxito é preciso que seja consciente e preparada, é preciso que abarque toda a Rússia e seja feita em união com os operários da cidade. E cada passo da luta operária nas cidades, cada livro ou jornal social-democrata, cada discurso de um operário consciente aos proletários do campo aproxima de nós o momento em que a insurreição se repetirá, em que ela terminará pela vitória.

Os camponeses ergueram-se não conscientemente, simplesmente porque não conseguiam aguentar mais, porque não queriam morrer mudos e sem resistência. Os camponeses tinham sofrido tanto com toda a espécie de roubos, opressões e tormentos que eles não podiam nem por um minuto deixar de acreditar nos vagos rumores sobre a benevolência do tsar, não podiam deixar de acreditar que qualquer homem sensato reconheceria como justa a partilha do cereal entre os famintos, entre aqueles que toda a sua vida tinham trabalhado para outros, semeado e colhido o cereal, mas agora morriam de fome junto aos celeiros do cereal do «senhor». Os camponeses pareciam ter esquecido que as melhores terras e todas as fábricas foram tomadas pelos ricos, tomadas pelos latifundiários e pela burguesia precisamente para que o povo faminto fosse trabalhar para eles. Os camponeses esqueceram que em defesa da classe rica não se pronunciam apenas os sermões dos padres, mas se ergue também todo o governo tsarista com toda a multidão de funcionários e de soldados. O governo tsarista recordou isto aos camponeses. O governo tsarista mostrou aos camponeses com bestial ferocidade o que é o poder de Estado, a quem serve e quem defende. Temos apenas de lembrar mais vezes esta lição aos camponeses, e eles perceberão facilmente por que é que é necessário mudar o sistema estatal, por que é que é necessária a liberdade política. As insurreições camponesas deixarão de ser inconscientes quando uma quantidade cada vez maior de pessoas compreender isto, quando todo o camponês que saiba ler e escrever e que pense tomar conhecimento das três reivindicações fundamentais pelas quais é preciso lutar em primeiro lugar. A primeira reivindicação é a convocação de uma assembleia nacional de deputados para estabelecer na Rússia um governo popular electivo e não um governo autocrático. A segunda reivindicação é a liberdade de todos e cada um publicar toda a espécie de livros e jornais. A terceira reivindicação é o reconhecimento pela lei da plena igualdade de direitos dos camponeses com os outros estados sociais e a convocação de comités camponeses electivos para liquidar em primeiro lugar toda a espécie de subjugação servil. São as exigências principais e fundamentais dos sociais-democratas, e será agora muito fácil aos camponeses compreender estas exigências, compreender por onde é preciso começar a luta pela liberdade do povo. E quando os camponeses compreenderem estas exigências, compreenderão também que é preciso previamente preparar-se longa, tenaz e firmemente para a luta e preparar-se não isoladamente mas juntamente com os operários da cidade - os sociais-democratas.

Que cada operário e camponês consciente reúna à sua volta os camaradas mais sensatos, seguros e ousados. Que se esforce por lhes explicar o que querem os sociais-democratas, para que todos compreendam qual é a luta que é preciso travar e o que é preciso exigir. Que os sociais-democratas conscientes comecem pouco a pouco, cautelosamente, mas sem parar, a ensinar aos camponeses a sua doutrina, a dar-lhes a ler livros sociais-democratas, a explicar estes livros em pequenas reuniões de pessoas de confiança.

Mas é preciso explicar a doutrina social-democrata não apenas pelos livros mas também em cada exemplo, em cada caso de opressão e de injustiça que vemos à nossa volta. A doutrina social -democrata é a doutrina da luta contra toda a opressão, contra todo o roubo, contra toda a injustiça. Só é um verdadeiro social-democrata aquele que conhece as causas da opressão e luta toda a sua vida contra cada caso de opressão. Como fazê-lo? Os sociais-democratas conscientes, reunindo-se na sua cidade, na sua aldeia, devem decidir eles próprios como se deve fazê-lo de modo a que aproveite o mais possível a toda a classe operária. Para exemplo citarei um ou dois casos. Suponhamos que um operário social-democrata chegou para passar uns dias na sua aldeia, ou que qualquer operário social-democrata da cidade chegou a uma aldeia que não é a sua. Toda a aldeia, como uma mosca na teia, está nas garras do latifundiário vizinho, não consegue durante toda a vida livrar-se da subjugação e não tem para onde escapar desta subjugação. É preciso escolher imediatamente os camponeses mais inteligentes, sensatos e seguros, que procuram a verdade e não têm medo de qualquer esbirro da polícia, e explicar a estes camponeses as causas da sua desesperada subjugação, contar como é que os latifundiários enganaram os camponeses e os lograram nos comités de nobres, falar-Ihes da força dos ricos e do apoio que lhes dá o governo tsarista, falar-lhes das exigências dos operários sociais-democratas. Quando os camponeses compreenderem esta mecânica simples, então é preciso reflectir bem em conjunto se não se pode resistir unidos a este latifundiário, se os camponeses não podem apresentar as suas primeiras e principais reivindicações (do mesmo modo que nas cidades os operários apresentam as suas reivindicações aos fabricantes). Se este latifundiário subjuga uma grande aldeia ou várias povoações, então o melhor seria obter do comité social-democrata mais próximo, através de pessoas de confiança, um panfleto: no panfleto o comité social-democrata descreverá correctamente, desde o princípio, a subjugação de que sofrem os camponeses e aquilo que eles reivindicam em primeiro lugar (que a renda da terra seja mais barata, ou que os contratos no Inverno para os trabalhos de Verão sejam feitos segundo os preços existentes, e não a metade do preço, ou que não os atormentem tanto devido aos estragos causados pelo gado, ou diferentes outras reivindicações). Com esse panfleto todos os camponeses que sabem ler ficarão a saber bem como são as coisas e explicá-lo-ão aos analfabetos. Então os camponeses verão claramente que os sociais-democratas estão do seu lado, que os sociais-democratas condenam todos os roubos. Então os camponeses começarão a compreender que alívio, ainda que muito pequeno, mas ainda assim alívio, é possível alcançar desde já, imediatamente, se estiverem juntos, e quais as grandes melhorias em todo país que é preciso esforçar-se por obter numa grande luta juntamente com os operários da cidade, os sociais-democratas. Então os camponeses começarão a preparar-se cada vez mais para esta grande luta, começarão a aprender como é preciso encontrar pessoas de confiança e como é preciso defender em conjunto as suas reivindicações. Talvez consigam alguma vez organizar uma greve, como fazem os operários da cidade. É verdade que no campo isto é mais difícil, mas ainda assim às vezes é possível, noutros países também houve greves com êxito, por exemplo em épocas de muito trabalho, quando os latifundiários e os agricultores ricos precisam de operários a todo o custo. Se os pobres do campo estiverem preparados para a greve, se todos se tiverem já há muito posto de acordo acerca das reivindicações comuns, se estas reivindicações foram explicadas em panfletos ou simplesmente bem explicadas em reuniões, então todos se apresentarão unidos e o latifundiário terá de ceder ou pelo menos de se conter um pouco nos seus roubos. Se a greve for unida e organizada em tempo de trabalho intenso, ao latifundiário e mesmo às autoridades com a tropa será difícil imaginar qualquer coisa; o tempo passa, o latifundiário verá que isso é a ruína e então depressa se tornará mais tratável. É claro que isto é uma coisa nova. Uma coisa nova muitas vezes de início não sai bem. Os operários nas cidades de início também não sabiam travar uma luta unida, não sabiam que reivindicações haviam de apresentar em conjunto, simplesmente partiam as máquinas e demoliam a fábrica. Mas agora os operários aprenderam a lutar unidos. De início é preciso aprender todas as coisas novas. Agora os operários compreendem que só podem conseguir um alívio imediato se estiverem unidos; e entretanto o povo habitua-se à resistência unida e prepara-se cada vez mais para a grande luta decisiva. Assim também os camponeses aprenderão a decidir como oferecer resistência aos ladrões mais ferozes, como exigir unidos um alívio e como é preciso preparar-se pouco a pouco, firmemente e em toda a parte para o grande combate pela liberdade. O número de operários e camponeses conscientes tornar-se-á cada vez maior, as uniões de sociais-democratas do campo cada vez mais fortes, e cada caso de subjugação pelo latifundiário, de exacções dos padres, de ferocidade policial e de opressão das autoridades abrirão cada vez mais os olhos ao povo, habituá-lo-ão à resistência unida e à ideia da necessidade de alcançar por meio da força mudanças no sistema estatal.

Já dissemos mesmo ao princípio deste livro que os operários da cidade saem agora às ruas e praças e exigem abertamente perante todos a liberdade, escrevem nas bandeiras e gritam: «abaixo a autocracia!» Em breve chegará o dia em que os operários da cidade não se erguerão apenas para percorrer as ruas das cidades gritando mas se erguerão para a grande luta final, em que os operários, como um só homem, dirão: «morreremos na luta ou alcançaremos a liberdade!», em que para o lugar das centenas dos que foram mortos e caíram na luta se levantarão milhares de novos combatentes ainda mais decididos. Também os camponeses se erguerão então, se erguerão em toda a Rússia e irão em socorro dos operários da cidade, irão combater até ao fim pela liberdade dos camponeses e dos operários. Então não haverá hordas do tsar que resistam. A vitória pertencerá ao povo trabalhador, e a classe operária caminhará por um caminho espaçoso e largo para a libertação de todos os trabalhadores de toda a opressão, a classe operária utilizará a liberdade para lutar pelo socialismo!

Programa do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, Proposto pelo Jornal «Iskra» Juntamente com a Revista «Zariá»

Já dissemos o que é um programa, por que é que ele é preciso, por que é que só o partido social-democrata apresenta um programa definido e claro. O programa só pode ser definitivamente adoptado pelo congresso do nosso partido, isto é, por uma assembleia de representantes de todos os militantes do partido. Actualmente esse congresso está a ser preparado pelo Comité de Organização. Mas muitos comités do nosso partido declararam já abertamente o seu acordo com o Iskra, o reconhecimento do Iskra como jornal dirigente. Por isso antes do congresso o nosso projecto (proposta) de programa pode servir plenamente para uma tomada de conhecimento precisa daquilo que querem os sociais-democratas, e nós consideramos necessário reproduzir integralmente este projecto em anexo ao nosso livro.

Naturalmente que sem uma explicação nem todos os operários compreenderão tudo o que se diz no programa. Muitos grandes socialistas trabalharam para criar a doutrina social-democrata, completada por Marx e Engels, os operários de todos os países sofreram muito para adquirir a experiência que nós queremos utilizar, que nós queremos colocar na base do nosso programa. Por isso o operário deve aprender a doutrina social-democrata, para compreender cada palavra do programa, o seu programa, a sua bandeira de luta. E os operários compreendem e assimilam com particular facilidade o programa social-democrata porque este programa fala daquilo que cada operário que pensa viu e experimentou. Que ninguém se assuste com a «dificuldade» de compreender imediatamente o programa: quanto mais cada operário ler e pensar, quanto mais experiência de luta ele tiver, mais completamente ele o compreenderá. Mas que cada pessoa reflicta sobre e discuta todo o programa dos sociais-democratas, que cada um tenha constantemente na memória tudo aquilo que querem os sociais-democratas e aquilo que eles pensam sobre a emancipação de todos os trabalhadores. Os sociais-democratas querem que todos e cada um conheçam com clareza e precisão toda a verdade, até ao fim, sobre o que é o partido social-democrata.

Não podemos explicar aqui pormenorizadamente todo o programa. Para isso seria necessário um livro especial. Indicaremos apenas brevemente de que fala o programa e aconselharemos o leitor a arranjar dois livros para o ajudar. Um é o livro de um social-democrata alemão, Karl Kautsky, com o título O Programa de Erfurt, traduzido para russo. O outro é o livro de um social-democrata russo, L. Mártov, A Causa Operária na Rússia. Estes livros ajudarão a compreender todo o nosso programa.

Assinalemos agora cada parte do nosso programa com uma letra (ver o programa mais adiante) e indiquemos de que é que se fala em cada parte.

A) Logo de início diz-se que o proletariado de todo o mundo luta pela sua libertação, e o proletariado russo é apenas um destacamento do exército mundial da classe operária de todos os países.

B) Mais adiante fala-se de como são os sistemas burgueses em quase todos os países do mundo, incluindo a Rússia. Como a maioria da população vive na miséria e na pobreza, trabalhando para os proprietários agrários e para os capitalistas, como os pequenos artesãos e camponeses se arruinam, enquanto crescem as grandes fábricas, como o capital oprime não só o próprio operário como também a sua mulher e filhos, como piora a situação da classe operária, como cresce o desemprego e a miséria.

C) Depois fala-se da união dos operários, da sua luta, do grande objectivo da luta: libertar todos os oprimidos, acabar completamente com toda a opressão dos ricos sobre os pobres. Aqui explica-se também por que é que a classe operária se torna cada vez mais forte, por que é que ela vencerá necessariamente todos os seus inimigos, todos os defensores da burguesia.

D) Em seguida diz-se para que é que foram formados partidos sociais-democratas em todos os países, como é que eles ajudam a classe operária a travar a sua luta, unem e orientam os operários, os educam e os preparam para a grande luta.

E) Mais adiante diz-se por que é que na Rússia o povo vive ainda pior do que noutros países, que grande mal é a autocracia tsarista, que necessitamos em primeiro lugar de a derrubar e de estabelecer na Rússia um governo popular electivo.

F) Que melhorias deve um governo popular electivo proporcionar a todo o povo? Falamos disto no nosso livro, e fala-se também disto no programa.

G) Depois o programa aponta quais as melhorias que é preciso esforçar-se por alcançar imediatamente para toda a classe operária para que ela possa viver mais facilmente e lutar mais livremente pelo socialismo.

H) Estão indicadas particularmente no programa as melhorias que é preciso esforçar-se por alcançar em primeiro lugar para todos os camponeses, para que os pobres do campo possam travar mais fácil e livremente a luta de classe tanto contra a burguesia rural como contra toda a burguesia russa.

I) Finalmente, o partido social-democrata adverte o povo para que não acredite em nenhumas promessas e palavras açucaradas dos polícias e funcionários, mas lute firmemente pela imediata convocação de uma assembleia nacional de deputados livre.

Disponível outra tradução deste texto


Notas de rodapé:

(1) Na edição de 1905 o texto desde a palavra «editando» até «em Zlatoúst» foi substituído pelo seguinte texto: «Agora o governo prometeu a liberdade de palavra, a liberdade de reunião, a imunidade pessoal, mas esta promessa revelou-se um logro. A polícia começou de novo a dispersar assembleias. Os jornais operários são novamente fechados. Começaram de novo a prender sociais-democratas e a atirá-los para a prisão. Fuzilaram lutadores pela liberdade em Kronstadt, Sebastópol, em Moscovo, no Cáucaso, no Sul e por toda a Rússia.» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(2) Mir: comunidade camponesa. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(3) Na edição de 1905, depois da palavra «destituídos» foi inserido o seguinte texto: «Quem declarou a guerra aos japoneses?(4) O governo. Perguntaram ao povo se ele queria combater por causa da terra da Manchúria? Não, não perguntaram, porque o chefe do Estado governa o povo através dos seus funcionários. Em resultado, o povo, por culpa do governo, foi arruinado por uma guerra cruel. Morreram centenas de milhares de jovens soldados, as suas famílias foram arruinadas, foi destruída toda a esquadra russa, as tropas russas foram expulsas da Manchúria; gastaram-se em toda a guerra mais de dois mil milhões de rublos (dois mil milhões de rublos dão cem rublos para vinte milhões de famílias da Rússia). O povo não precisa da terra da Manchúria. O povo não quis a guerra. Mas o governo dos funcionários dirigiu o povo à sua vontade e obrigou-o a travar esta guerra vergonhosa, funesta e devastadora.» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(4) Trata-se da guerra de 1904-1905 entre a Rússia e o Japão, iniciada pelo Japão. Tendo terminado por um tratado de paz, a guerra revelou ainda mais todas as contradições na Rússia e apressou o desenvolvimento dos acontecimentos revolucionários de 1905 (retornar ao texto)

(5) Na edição de 1905, depois das palavras «como moscas» encontra-se a seguinte nota de pé de página: «A esta omnipotência dos funcionários chama-se governo burocrático, e burocracia ao conjunto dos funcionários.» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(6) Na edição de 1905, depois das palavras «liberdade política foi inserido o seguinte texto: «O governo prometeu convocar os representantes do povo à Duma de Estado. Mas com esta promessa o governo enganou mais uma vez o povo. Sob a designação de Duma de Estado ele não quer convocar verdadeiros deputados do povo mas funcionários, nobres, latifundiários e comerciantes escolhidos. Os deputados do povo devem ser eleitos livremente, mas o governo não permite eleições livres, fecha os jornais operários, proíbe as assembleias e reuniões, persegue a União Camponesa, prende e encarcera os eleitos camponeses. Poderá haver verdadeiras eleições livres se a polícia e os comissários dos zemstvos continuam como antigamente a escarnecer do operário e do camponês?
«Os deputados do povo devem ser eleitos de entre todo o povo em partes iguais, para que os nobres, os latifundiários e os comerciantes não tenham preponderância sobre os operários e camponeses. Os nobres e os comerciantes são milhares, mas os camponeses são milhões. E sob a designação de Duma de Estado o governo convoca uma assembleia para a qual não há eleições iguais(7). O governo organizou umas eleições tão engenhosas que aos nobres e comerciantes cabem quase todos os lugares na Duma, e aos operários e camponeses não cabe sequer um deputado em dez. É uma Duma falsificada. É uma Duma policial. É uma Duma de funcionários e de senhores. Para uma verdadeira assembleia de deputados do povo é necessária uma completa liberdade das eleições, são necessárias eleições iguais por todo o povo. É por isso que os operários sociais-democratas declaram: abaixo a Duma! abaixo a assembleia falsificada! precisamos de uma assembleia verdadeira e livre de deputados de todo o povo, e não dos nobres e comerciantes! precisamos de uma Assembleia Constituinte nacional, para que seja o povo a ter pleno poder sobre os funcionários e não sejam os funcionários a ter poder sobre o povo!» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(7) O governo tsarista foi obrigado a convocar a Duma de Estado em resultado dos acontecimentos revolucionários de 1905. Formalmente, a Duma de Estado era um órgão legislativo, mas de facto não tinha nenhuns poderes. As eleições para a Duma de Estado não eram directas, iguais e universais. Os direitos eleitorais das classes trabalhadoras, e também das nacionalidades não russas que habitavam na Rúsia, eram fortemente restringidos, e uma parte significativa dos operários e camponeses não tinha mesmo direitos eleitorais. Segundo a lei eleitoral de 11 (24) de Dezembro de 1905, um voto de um latifundiário equivalia a 3 votos de representantes da burguesia urbana, a 15 de camponeses e a 45 de operáros. (retornar ao texto)

(8) Tradução da palavra alemã Reichstag. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(9) Na edição de 1905, depois da palavra «parlamento» foi inserido o seguinte texto: «Em 1903 três milhões de homens adultos votaram nos sociais-democratas.» (.V. Ed.) (retornar ao texto)

(10) Pud: medida russa de peso equivalente a 16,38 kg. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(11) Burguês significa proprietário. Burguesia são todos os proprietários tomados em conjunto. Grande burguês significa grande proprietário. Um pequeno burguês é um pequeno proprietário. Burguesia e proletariado é o mesmo que proprietários e operários, ricos e não possuidores, pessoas que vivem do trabalho alheio e pessoas que trabalham para outras por um salário. (retornar ao texto)

(12) Todos estes números e os seguintes sobre a quantidade da terra estão já muito ultrapassados. Eles referem-se a 1877-1878. Mas não existem números mais novos. O governo russo só se pode manter nas trevas, e é por isso que entre nós é tão raro recolher informações completas e verdadeiras sobre a vida do povo em todo o Estado. (Deciatina: medida de superfície equivalente a 1,092 ha. -N. Ed.) (retornar ao texto)

(13) Repetimos uma vez mais que citamos aqui números médios, aproximados. Talvez os camponeses ricos não sejam exactamente um milhão e meio, mas um milhão e um quarto ou um milhão e três quartos, ou mesmo dois milhões. A diferença não é muito grande. A questão não está em contar cada milhar ou cada centena de milhares mas em compreendermos claramente qual é a força dos camponeses ricos, qual é a sua situação, em podermos definir os nossos inimigos e os nossos amigos, em não nos deixarmos enganar por toda a espécie de histórias da carochinha ou de palavras ocas mas em conhecer com precisão tanto a situação dos pobres como especialmente a situação dos ricos.
Que cada trabalhador rural observe com atenção o seu vólost e os vólosts vizinhos. Verá que o nosso cômputo é correcto, que em média as coisas em toda a parte se apresentarão assim: em cada cem famílias há dez, quando muito vinte, famílias ricas, umas vinte famílias médias, e todas as restantes são pobres. (retornar ao texto)

(14) Na Rússia os tolos que querem o bem do camponês e no entanto de vez em quando lançam estas doces palavras chamam-se «populistas» ou também «partidários da pequena exploração». Por insensatez, também os «socialistas-revolucionários» os seguem. Na Alemanha também há muitas pessoas melífluas. Uma delas, Eduard David, escreveu há pouco um grosso livro(15). Neste livro ele diz que a pequena exploração é incomparavelmente mais vantajosa do que a grande, porque o pequeno camponês não faz despesas supérfluas, não mantém cavalos para lavrar, mas se contenta com a mesma vaca que também lhe dá leite. (retornar ao texto)

(15) Trata-se do livro do economista alemão E. Davis O Socialismo e a Agricultura, publicado em 1903 em Berlim (retornar ao texto)

(16) Ver mais adiante, no fim do livro, o Anexo, o programa do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, apresentado pelo jornal social-democrata Iskra e pela revista Zariá (retornar ao texto)

(17) Na edição de 1905, depois das palavras «na Rússia» foi inserido o seguinte texto: «Já dissemos que a Duma de Estado não é uma verdadeira assembleia de deputados do povo, mas um logro da polícia, porque as eleições para ela não são iguais (os nobres e os comerciantes têm a supremacia sobre os camponeses e operários), as eleições para ela não foram livres, mas realizadas sob o cacete da polícia. A Duma de Estado não é uma assembleia popular de deputados, mas uma assembleia policial de nobres e comerciantes. A Duma de Estado não se reúne para assegurar a liberdade do povo e o governo electivo, mas para enganar os operários e camponeses, submetendo-os ainda mais. O povo não precisa de uma Duma oficial, mas de uma Assembleia Constituinte livremente eleita por todos os cidadãos sem diferenças e em pé de igualdade.» (Ver o presente tomo, pp. 44-45. —N. Ed.) (retornar ao texto)

(18) Em russo nepodatnie epodatnie, de pódat, imposto pago pelos camponeses e pequenos burgueses na Rússia tsarista. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(19) Ver nota 18 (N. Ed.)(retornar ao texto)

(20) Lénine tem em vista o livro do social-democrata russo L. Martóv A Causa Operária na Rússia, publicado em Genebra em 1903 (retornar ao texto)

(21) Em russo tchiorni, literalmente «negro», o que significa pertencente às classes não privilegiadas e exploradas da sociedade. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(22) Ver nota 18 (retornar ao texto)

(23) Termos derivados das palavras bárine e pan, que significam ambas «senhor». (N. Ed.) (retornar ao texto)

(24) Na edição de 1905, depois da palavra «camponeses» foi inserido o seguinte texto: «Os comités de camponeses devem ter o direito de confiscar todas as terras dos latifundiários e de todos os proprietários privados em geral, e a própria assembleia popular de deputados estabelecerá que fazer com estas terras que passaram a propriedade de todo o povo.» (N. Ed.) (retornar ao texto)

(25) Na edição de 1905 depois das palavras «terras cortadas» foi incluído o seguinte texto: «Os comités camponeses devem ter o direito de tirar toda a terra aos latifundiários. Os deputados do povo estabelecerão que fazer da terra do povo. Mas nós devemos esforçar-nos por alcançar a plena realização da sociedade socialista e não esquecer que enquanto subsistir o poder do dinheiro, o poder do capital, nenhuma distribuição da terra em partes iguais livrará o povo da miséria.» (N. Ed.) (retornar ao texto)

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Inclusão 08/10/2014